Sempre que me deparo com algum investidor que está dando os primeiros passos no mercado de ações, independente de qualquer histórico profissional de sucesso e até de sua idade, determinadas perguntas, comportamentos e características me chamam a atenção por serem atemporais.
Ou seja, um investidor iniciante no ano de 2020 possui as mesmas características de um investidor iniciante de 1970 e, muito provavelmente, serão as mesmas dos investidores que comprarão suas primeiras ações em 2070. Isso se deve ao fato de que o comportamento instintivo da espécie humana não se altera materialmente num intervalo de 100 anos.
Não que tal característica seja de todo uma surpresa em qualquer ramo com mínima complexidade. Imagino que um professor de boxe atualmente também receba perguntas similares dos alunos que estão passando pela primeira aula de suas vidas e dos alunos novatos de 50 anos atrás, que serão similares às perguntas dos novatos daqui a 50 anos.
Assim como nos esportes, o que mais me chama a atenção não são os questionamentos dos investidores inexperientes, mas sim seus comportamentos instintivos.
A literatura classifica o comportamento instintivo como a forma de comportamento que acontece de maneira automática e sem a necessidade de aprendizado prévio. Segundo o dicionário Michaelis, “instinto” é o “Estímulo interior e inconsciente que impulsiona o animal racional ou irracional a agir segundo suas necessidades.” Outras definições que ilustram o comportamento instintivo são “Impulso espontâneo” e “Inclinação natural para certa atividade”.
Este comportamento do investidor/atleta inexperiente é extremamente previsível e, infelizmente, repleto de falhas. Se lutar boxe fosse um comportamento instintivo, não haveria sentido em treinar para aprimorar as habilidades que levam a melhores resultados nas lutas.
Em outras palavras, se lutar bem fosse intuitivo, então o resultado esperado de um combate entre um indivíduo que nunca treinou e um lutador profissional deveria ser equiprovável, considerando um ambiente no qual os dois combatentes possuem a mesma “força de intuição” e, também, equilíbrio entre as demais variáveis pertinentes num combate, como peso, envergadura, etc.
Usufruindo do bom senso, é bastante difícil defender tal conclusão. Seria tão difícil de defender quanto a tese de que tocar determinado instrumento com maestria é intuitivo.
Da mesma maneira que acredito que a situação acima envolvendo o combate entre um indivíduo qualquer que luta com base nos seus instintos e um lutador profissional tenha sido convincente o suficiente para o leitor concordar que nossos instintos nem sempre são a melhor caixa de ferramentas para abrirmos para tomar determinadas decisões, no mercado de ações não é diferente.
Trazendo para o processo de construção de portfólios e de construção de carteiras de ações, eu costumo explicar o conceito de “comportamento instintivo” como sendo toda atitude e conjunto de atitudes que são intuitiva e confortavelmente tomadas pelos investidores. Ou seja, o ato de tomar atitudes espontâneas relacionadas aos investimentos.
O leitor provavelmente deve estar se questionando se, realmente, a média das pessoas toma mais atitudes espontâneas do que racionais relacionadas aos seus investimentos. A minha tese, que defenderei a seguir, é que sim.
No âmbito da teoria, um argumento que fortalece a tese de que os investidores não são tão racionais quanto pode parecer à primeira vista, vem dos ensinamentos de Daniel Kahneman.
Conhecido como o “pai das finanças comportamentais”, Kahneman foi um brilhante psicólogo israelense-americano, que recebeu o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas por seus estudos e experimentos realizados a partir de 1970 a respeito do comportamento humano. Suas conclusões desafiavam o que, até então, era considerado uma verdade absoluta: Seres humanos tomam decisões financeiras de maneira racional.
Seu trabalho demonstrava, por meio de dezenas (se não centenas) de experimentos sociais, que as decisões efetivamente tomadas pelos seres humanos divergem drasticamente do que sugeriria a teoria econômica tradicional.
Talvez, a maior contribuição de Kahneman para os investidores que puderam usufruir de suas obras seja a “Teoria da Perspectiva”, que demonstra que a reação negativa de indivíduos a perdas financeiras é muito mais intensa do que a reação positiva em situações de ganhos correspondentes.
Em outras palavras, Kahneman descobriu e provou que o ser humano sofre enorme influência do conceito de aversão ao prejuízo ao tomar suas decisões econômicas.
Fazendo a ponte entre o comportamento instintivo humano e a Teoria da Perspectiva de Kahneman, conseguimos construir o raciocínio teórico que ilustra algo que é de fácil percepção após alguns anos de tela: O investidor, especialmente o iniciante e desassistido, tende a tomar atitudes espontâneas com seus investimentos, sofrendo enorme influência do conceito de aversão ao prejuízo.
Bom, mesmo assumindo que Kahneman e todo o estudo de finanças comportamentais estejam corretos ao afirmar que os investidores agem de forma instintiva, ainda não conseguimos concluir que tomar tais atitudes instintivas leve a resultados negativos.
Saindo do âmbito da teoria e trazendo para a prática, uma emblemática história envolvendo o Fundo de investimentos “Magellan”, gerido pelo lendário gestor Peter Lynch, ilustra bem os efeitos dessa irracionalidade humana ao lidar com investimentos de risco.
Peter Lynch foi responsável pela condução do Fundo de Investimentos “Magellan” de 1977 até 1990, período no qual o retorno anual médio do fundo foi de invejáveis 29,2%, multiplicando por mais de 26 vezes o capital que permaneceu alocado no fundo, durante esses 13 anos. Para termos melhor compreensão de tal grandeza, vamos imaginar que o investidor que possuía US$ 10.000 com Lynch em 1977 chegaria ao término dos 13 anos seguintes com uma posição de US$ 270.000, caso não tivesse tomado nenhuma atitude no período.
Essa foi a trajetória do fundo! E é aqui que a história começa a se conectar com o tal potencial destrutivo do comportamento instintivo dos investidores.
Utilizando o pensamento racional, há de se esperar que os investidores que alocaram recursos no fundo, durante este período lucraram rios de dinheiro, correto?
Conforme o próprio Peter Lynch e múltiplas publicações na imprensa americana, a maioria dos investidores não só deixou de surfar boa parte da alta, mas também conseguiu perder dinheiro com o investimento no fundo.
Após períodos de excelente rentabilidade, os investidores se animavam e alocavam mais e mais recursos no fundo. Porém, durante os períodos de desvalorização, eles “jogavam a toalha” com receios de que o prejuízo fosse maior e resgatavam seus recursos, provavelmente para alocar em outro investimento que performou melhor no passado recente, voltando futuramente para o Magellan após outra sequência histórica de anos de valorização expressiva.
Esse constante “olho no retrovisor” do investidor, talvez seja o comportamento instintivo que mais destruiu rentabilidade de portfólios na história dos mercados.
No mercado de ações, por muitas vezes, a principal diferença entre um investidor de sucesso e outros com resultados em linha com a média, é comportamental. A compreensão e completa aceitação da vulnerabilidade própria com relação capacidade de tomar decisões intuitivamente racionais de investimentos sob pressão, é o primeiro (e inegociável) passo para conseguir escapar das “armadilhas” comportamentais inerentes ao ser humano e seus instintos milenares.
É absolutamente impossível que o investidor que se considere blindado de tais influências consiga aprender combater seus instintos e, verdadeiramente, atuar de forma racional, mesmo que a decisão seja desconfortável.
A mensagem final que gostaria de passar ao leitor com essa passagem, especialmente aos menos experientes, é: O cérebro humano e, consequentemente, o nosso comportamento instintivo, não foi moldado de forma favorável ao sucesso no investimento em ações.
Nossos instintos de sobrevivência nos levam a tomar atitudes financeiramente erradas e é por isso que a maioria dos investidores perde dinheiro com investimentos de risco. Estar ciente disso a todo tempo é a única chance de conseguir tomar decisões difíceis e dolorosas, sem virar estatística com o passar dos anos.
O icônico Mike Tyson, considerado um dos maiores boxeadores peso-pesado de todos os tempos, quando questionado a respeito de seus adversários estarem estudando estratégias para derrotá-lo, trouxe uma afirmação que possui total conexão com o aspecto comportamental que descrevemos anteriormente: “Todo mundo tem um plano até tomar o primeiro soco na cara”.
Na bolsa de valores, entender de finanças comportamentais é a diferença entre conseguir manter os olhos abertos para se proteger e esquivar das decisões erradas em momentos de rentabilidade negativa, ao invés de fechar os olhos e virar de costas para a realidade (leia-se “vender suas ações a qualquer preço e correr para o CDI”), que é o comportamento natural e instintivo do ser humano em situações de desconforto.
Para se tornar um investidor de ações de sucesso ao longo da vida, compreender os seus instintos para, futuramente, conseguir se desvencilhar das suas influências, é ainda mais importante que entender o mercado.
Afinal, quem tomará o controle das suas atitudes depois de tomar o “primeiro soco na cara” do mercado?