Gasto militar da Otan impulsiona ações europeias além da defesa

Publicado 15.07.2025, 06:15

Recentemente, tive a sorte de compartilhar um jantar e uma conversa com dois dos principais especialistas em defesa da União Europeia e no cenário mais amplo de segurança da Europa, durante um evento para clientes promovido pela Janus Henderson, com o objetivo de discutir esse tema crucial para os mercados atuais.

A Cúpula da OTAN foi importante não apenas pelas questões estratégicas relacionadas à defesa, mas também pelos realinhamentos geopolíticos, pelos riscos para os ativos europeus e pela possibilidade de impacto nos mercados em diversos setores. Todos esses fatores têm o potencial de criar oportunidades para investidores ágeis, o que se ajusta bem à abordagem ativa da Janus Henderson.

Nos dias que antecederam o evento, vimos uma intensa atenção voltada para a Cúpula da OTAN, realizada em 24 e 25 de junho, em meio a mudanças na doutrina de defesa dos EUA e à crescente incerteza quanto ao compromisso dos EUA com a Aliança e com a Europa. Recentes pressões retóricas do secretário de Defesa dos EUA, Hegseth, e do presidente Donald Trump, reforçaram a urgência de a Europa voltar sua atenção para os gastos com defesa, tornando esse um ponto de atenção central para investidores de todas as classes de ativos, de ações à renda fixa.

Visões de especialistas

Os principais palestrantes do jantar foram o General Sir Nicholas Carter, um estratégico militar com décadas de experiência, que atuou como conselheiro militar principal do Primeiro-Ministro do Reino Unido e como Chefe do Estado-Maior, a autoridade máxima do Exército Britânico. O general Carter esteve acompanhado da Baronesa Catherine Ashton, uma respeitada diplomata britânica e indicada ao Prêmio Nobel da Paz, que — entre outras funções de destaque — atuou como a primeira Alta Representante da União Europeia para Assuntos Exteriores e Política de Segurança, de 2009 a 2014.

Foi um tipo de oportunidade que valorizamos, pois nos permite confrontar nossas suposições com a visão direta de pessoas envolvidas em decisões de alto nível em áreas que têm enormes consequências para todos nós. Não apenas em termos de perspectivas e desafios de mercado, mas também na compreensão das dinâmicas geopolíticas em transformação que moldam nossas vidas.

Após o evento, foi útil refletir sobre essa mudança histórica na estratégia voltada às necessidades de segurança da Europa, tendo em vista que tal movimento pode gerar implicações significativas para investidores, à medida que países (e regiões) procuram priorizar seus próprios interesses.

Defesa agora é prioridade na Europa

Uma cúpula positiva da OTAN parece ter apaziguado muitas das tensões prolongadas entre os Estados Unidos e os demais membros da aliança, tensões essas que haviam vindo à tona nas semanas anteriores. Após o compromisso assumido pelos membros europeus da OTAN de investir 5% do PIB ao ano em defesa — sendo 3,5% destinados à “defesa central” e 1,5% à “segurança ampliada” — os Estados Unidos parecem estar mais confortáveis dentro da estrutura atual da aliança. Isso acelera a tendência de aumento nos gastos com defesa pelos membros da OTAN, que já vínhamos observando na última década (ver Gráfico 1):

Gráfico 1: Os gastos com defesa dos membros da OTAN vêm crescendo de forma constante

Fonte: OTAN, Gastos com Defesa dos Países da OTAN (2014–2024), 17 de junho de 2024. PIB = produto interno bruto. OTAN = Organização do Tratado do Atlântico Norte, uma aliança militar intergovernamental transnacional com 32 Estados-membros (30 europeus e dois norte-americanos). Os dados excluem a Islândia, que não possui forças armadas.

A cúpula estabeleceu novos caminhos para o que será exigido da Europa em termos de segurança e defesa, bem como sua necessidade de alcançar autonomia estratégica. Ela também trouxe um certo grau de clareza sobre até onde os EUA estão dispostos a se comprometer, alinhando-se com seus interesses estratégicos, num momento em que o país sinaliza um redirecionamento de foco da Europa para o Indo-Pacífico.

Ficou evidente que a Europa continua altamente dependente da inteligência, da tecnologia de reconhecimento e das capacidades de defesa dos EUA — algo que levará anos para ser desenvolvido de forma independente. O aumento dos gastos precisa ser acompanhado de uma maior coesão entre os membros, superando problemas de interoperabilidade entre as capacidades militares dos países da OTAN.

Também há o reconhecimento de que os Estados-membros europeus precisam melhorar seus processos de aquisição para garantir uma utilização mais eficiente dos recursos. As complexas cadeias de suprimentos da defesa europeia indicam que a reconstrução da capacidade será lenta e difícil, devendo se concentrar em ganhos significativos em larga escala, e não em volumes baixos de equipamentos de alto custo.

“Com um novo e ambicioso Plano de Investimento em Defesa para gastar 5% do PIB, isso resultará em um enorme dividendo de defesa. Um motor de crescimento para nossas economias, gerando milhões de empregos, em ambos os lados do Atlântico.”
— Secretário-Geral da OTAN, Mark Rutte, 24 de junho de 2025

Impactos para os investidores

A pressão para que os Estados “comprem europeu” em segurança e defesa ganhou impulso significativo, impulsionada por uma convergência de pressões geopolíticas, foco na resiliência das cadeias de suprimento e mudanças políticas internas na Europa. A urgência para os investidores está em identificar as empresas melhor posicionadas para atender às necessidades atuais e futuras – não apenas no setor de segurança, mas também em indústrias como transporte, energia e utilidades, tecnologia, comunicações, vigilância, entre outras.

Há também o reconhecimento de que infraestruturas críticas — físicas e digitais — exigem proteção contra ameaças “híbridas”, que vão de sistemas cibernéticos e de comunicação até redes de energia, transporte e cabos/oleodutos submarinos. Isso está gerando uma série de oportunidades para investidores em diferentes classes de ativos.

Os desafios de segurança enfrentados pela Europa forçaram uma mudança radical de postura em relação às capacidades de defesa, mas também têm implicações para a economia em geral. O aumento dos gastos com defesa reacende o debate sobre regras fiscais (em âmbito nacional e supranacional). Esperamos trocas políticas e fiscais intensas, à medida que o debate “estado de bem-estar versus estado de guerra” ganha espaço, mas também pressões positivas por reformas na UE com foco no crescimento.

Já estamos vendo a União Europeia responder a essa pressão, como evidenciado pelas reformas bancárias promovidas pelo Banco Central Europeu (BCE), mudanças regulatórias no mercado de securitização, flexibilização das regras fiscais na Alemanha, entre outras medidas, e um plano significativo de aumento de recursos destinados a gastos com defesa (Gráfico 2). Mudanças desse tipo podem melhorar a competitividade, incentivar o crescimento e atrair investimentos.

Gráfico 2: Planejamento orçamentário da Alemanha mais do que dobra os gastos com defesaFonte: OTAN, SIPRI, UBS. Observação: A linha azul refere-se aos dados do SIPRI; a linha laranja refere-se aos dados da OTAN, que começaram em 2014. Ambas utilizam definições ligeiramente diferentes para categorizar os gastos. A linha verde pontilhada representa a previsão de gastos do orçamento de defesa da Alemanha até 2029. Não há garantia de que as tendências passadas continuarão ou de que as previsões se concretizarão.

Deglobalização reflete tensões globais

No passado, a influência da globalização e o desenvolvimento de cadeias de suprimento altamente integradas facilitaram o crescimento do comércio com países de menor custo, levando a importações mais baratas. Agora, estamos observando o fim desse processo de globalização que atuava como um limitador da inflação, à medida que voltamos a um mundo mais multipolar.

Embora a globalização esteja longe de ser o único fator que afeta a inflação, as tensões geopolíticas renovadas, originadas pelo protecionismo comercial liderado pelos EUA (incluindo tarifas), provavelmente irão interromper o comércio e a oferta global, causando impacto nos preços. Empresas e governos estão reagindo a essa mudança de cenário para tentar mitigar os riscos — o que se reflete no movimento de relocalização ("reshoring"), nacionalização ("onshoring") ou regionalização da produção ("near-shoring"). Este impacto nas cadeias de suprimento será diferente entre os países. Isso se aplica não apenas ao comércio de bens físicos, já que diferentes jurisdições passam a priorizar suas próprias necessidades econômicas e políticas, mas também vale para o setor de serviços.

Esse ambiente em rápida transformação aumenta o risco de choques inesperados e mudanças abruptas, tanto no comércio quanto nas regulamentações. Embora esperemos que a volatilidade permaneça elevada, as reformas em andamento na Europa podem trazer efeitos positivos de longo prazo, tanto para as perspectivas de crescimento quanto para os mercados acionários da região.

Medo de ficar de fora (FOMO)

O início de 2025 marcou certa reprecificação nos mercados financeiros, com as incertezas nos Estados Unidos abrindo espaço para um aguardado período de força relativa das ações europeias. O aumento da alocação de capital de investidores para a Europa ocorre no momento em que a União Europeia faz compromissos significativos de gastos em resposta aos riscos globais emergentes. Mas também permanece evidente que a Europa ainda oferece melhor diversificação de mercado do que os Estados Unidos — e continua sendo negociada a preços muito atrativos em relação à sua média histórica (Gráfico 3).

Gráfico 3: Europa oferece mais diversificação, com uma avaliação historicamente atrativaFonte: Projeções de consenso da Bloomberg, análise da Janus Henderson Investors, com dados de 31 de maio de 2025. Desempenhos passados não são garantia de retornos futuros.

O ciclo mais recente de desempenho superior do mercado acionário dos Estados Unidos teve início no período pós-crise financeira. A duração dessa dominância gerou uma hesitação natural entre os investidores, que temem que uma mudança estratégica significativa para longe do maior mercado do mundo possa deixá-los vulneráveis — caso os EUA voltem a reafirmar sua liderança de mercado.

Embora essa hesitação seja compreensível, enxergamos como positiva a possibilidade da ampliação e diversificação do foco dos mercados. No entanto, a natureza da estrutura atual sugere que essas mudanças de alocação tendem a ocorrer de forma gradual, e não em uma mudança brusca.

Na nossa percepção, o avanço do investimento passivo tornou as tendências de longo prazo mais “aderentes”. Isso pode ser visto no peso extremo alocado em “clusters” de inovação bastante concentrados na economia dos EUA. Empresas gigantes de tecnologia e alto crescimento como Alphabet (NASDAQ:GOOGL), Microsoft (NASDAQ:MSFT) e NVIDIA atraíram uma parcela desproporcional da atenção dos investidores.

Essas vantagens são difíceis de romper e inevitavelmente geram o risco de superavaliação (ou formação de bolhas de ativos). Quando um número reduzido de empresas domina o mercado nessa magnitude, a performance geral do mercado pode se tornar excessivamente dependente da sorte de poucas ações. Ver uma maior dispersão no mercado seria algo positivo, abrindo espaço para uma redescoberta de preços, maior diferenciação entre ativos e mais oportunidades para os investidores ativos se destacarem da média.

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