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Informação privilegiada

Publicado 07.11.2023, 06:00
Atualizado 09.07.2023, 07:32
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B3SA3
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Há quase 40 anos, quando eu era criança pequena lá em Diadema, uma vizinha rifou uma geladeira Brastemp Ice Magic, que na época era a Lamborghini dos refrigeradores. A rifa era daquela de 100 nomes, onde os interessados compravam (assinavam) um deles e torcia para que, quando o papel torcido fosse aberto, o nome assinado estivesse lá.

Coincidentemente, quem comprou o nome vencedor foi a sua melhor amiga. Meses depois a senhora que organizou a rifa brigou com a irmã, que veio a público fofocar que ela tinha, de alguma forma, aberto a rifa e visto o nome premiado antes das ofertas de compra dos interessados. A rifeira então repartiu o lucro da rifa com amiga e ainda continuou com a Ice Magic.

Propaganda antiga da Brastemp promovendo sua geladeira grande em 1976

A Ice Magic em todo o seu esplendor. Sonho de mamãe.

Esse foi o primeiro caso noticiado do uso de informação privilegiada no bairro Piraporinha. Ele prejudicou apenas 99 pessoas (porque a ganhadora não aportou recursos). A CVM tinha acabado de ser criada, mas como ela não regulava o mercado de rifas, nada foi feito, apesar dos protestos da vizinhança enfurecida. Não havia uma entidade autorreguladora para esse mercado, como a B3 (BVMF:B3SA3) e a BSM. Por isso, a liquidação das operações não foi revertida e o caso não foi investigado.

Com a B3 e CVM o negócio é diferente

Em um mercado organizado de bolsa e de balcão, o negócio é bem mais sofisticado. A B3, por exemplo, possui a BSM Supervisão de Mercados, um órgão de enforcement que é obrigado a averiguar 100% dos negócios. 

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Depois, há toda uma formalidade quando um ato ou fato relevante deve ser divulgado a público. Tudo isso é feito para que ninguém tenha vantagem, como o ocorrido com a minha vizinha. Aliás, a Lei 6.385/1976, em seu Capítulo VII-B, estabelece dois tipos de crimes contra o mercado de capitais, justamente para esse fim. Esses crimes se chamam manipulação do mercado e uso indevido de Informação Privilegiada.

Para o primeiro, a pena é de reclusão, de um a oito anos, e multa de até três vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. Já para o segundo, a pena só chega a cinco anos, mas com a mesma multa.

O crime de manipulação de mercado consiste em “realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas destinadas a elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros”. Não foi o que a minha vizinha fez, já que o preço da rifa era fixo.

Para o uso de informação privilegiada, a lei define o crime como “utilizar informação relevante de que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliário”.

Aí sim, se a geladeira fosse uma ação, um contrato futuro ou opções, a minha vizinha teria sérios problemas, com toda a fiscalização da B3, BSM e, por fim, a mão pesada da CVM. Ela teria tanta chateação, que certamente pegaria os cinco anos de cana e ainda a inabilitação temporária máxima de vinte anos para o exercício de cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhia aberta.

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Quais operações a minha vizinha teria feito?

Se a minha vizinha tivesse usado o mercado de capitais e os valores mobiliários para levar alguma vantagem com sua empresa listada em bolsa, ao invés da rifa da geladeira, ela usaria alguns instrumentos específicos para algumas situações específicas.

Primeiro, sabendo de alguma informação que pudesse abalar o mercado, fazendo o principal índice da bolsa cair 9% e o dólar subir 10%, não teria sido tão difícil. Dias ou semanas antes de divulgar o fato, seguindo as regras estabelecidas pela CVM e B3, o primeiro passo seria, obviamente, comprar contratos futuros de dólar.

Dessa forma, assim que a informação explosiva envolvendo pessoas importantes (da qual apenas minha vizinha e o conselho da empresa tinham conhecimento) fosse divulgada, o dólar à vista certamente dispararia, da mesma forma que os contratos futuros dessa moeda. Em apenas um pregão, ela poderia embolsar quase 7%.

Segundo, sabendo que o preço das ações de sua empresa cairia nos primeiros dias, mas que, por se tratar de uma companhia sólida, retornaria aos mesmos patamares posteriormente, minha vizinha venderia suas ações semanas antes, na alta. Depois, com a queda nos preços, ela as recompraria com pelo menos 40% de desconto.

Mas se minha vizinha soubesse que sua empresa estava praticamente falida, com um rombo de bilhões em seu caixa, essa operação seria inviável. Aqui seria exigido um pouco mais de sofisticação para ganhar com a queda irreversível no preço das ações: ela poderia ter montado uma Estratégia Fence sem as ações. Como?

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  • Ela compraria uma trava de baixa para capturar a queda do ativo; 

  • Para não gastar recursos na trava de baixa, ela venderia uma call a descoberto;

  • Dessa forma ela assumiria um risco ilimitado, que apenas alguém com toda a certeza da queda das ações seria capaz de assumir;

  • A operação seria revertida automaticamente, com ganho milionário.

É um pouco complexo, mas o final seria apoteótico.

Na teoria é muito fácil...

Na teoria, parece muito fácil para alguém que é acionista majoritário de alguma grande companhia ou que faz parte do seu conselho realizar a manipulação de preços, o uso indevido de informação privilegiada, a negociação de ativos em período vedado, além da violação ao dever de lealdade e ao abuso de poder de controle, apenas para ganhar ainda mais dinheiro.

Mas isso não é bem assim. É claro que a B3 perceberia qualquer indício de preparação e o relacionaria ao aviso de fato relevante que a companhia é obrigada a divulgar quando algo explosivo deve ser revelado. Dessa forma, ela poderia barrar a liquidação desse tipo de operação ou tomar alguma atitude para que os outros investidores, expostos aos efeitos desse fato relevante, não fossem prejudicados.

Mais do que isso, é claro que a CVM abriria uma investigação rigorosa contra minha vizinha e seu conselho de administração, além dos principais diretores da sua companhia. Isso porque fica muito fácil entender que apenas um determinado círculo de pessoas deteria conhecimento de fatos que poderiam manipular preços e condições das ações da companhia, além de operações envolvendo derivativos.

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É muito claro e óbvio. Não tem erro...

As multas seriam milionárias (para não dizer bilionárias). Haveria, inclusive, o risco de cassação do registro da companhia aberta. E só um adendo: conhecendo minha vizinha como a minha mãe conheceu, é bem provável que sua empresa fosse do ramo alimentício ou varejista.

Por último, não vá pensando que minha vizinha conseguiria embolsar R$ 100 milhões em uma jogada desse tipo, e nem que esse processo levaria 7 anos para ser julgado. E, por favor, não pense que ela sairia simplesmente impune.

Afinal, nosso mercado é sólido como uma rocha.

Últimos comentários

Ótima matéria, parabéns. A CVM pode até se esforçar para que todos cumpram as regras, mas no dia a dia vejo coisas muito fora da curva, em particular quando envolvem balanços das empresas.
assistindo a série bilions da pra ter uma ideia de como realmente as coisas são
pior que a gente vê isso a todo momento no mercado....ação dispara do nada.....aí surge o rumor de uma venda da empresa ou fusão, e aí sobe mais.....depois, nada concreto
Não acredito na CVM não. Como pode uma pessoa fazer operação a descoberto, sem ter nenhuma ação e colocar o preço da ação lá embaixo. Isso chama manipulação de preços.
Eu não acredito na CVM e muito menos na B3. Até outro dia, tinha cá comigo o anteprojeto publicado no Estadão, da lavra do Prof. Modesto Carvalhosa e da criação da CVM.  Essa semana mesmo, uma empresa que acompanho, após 3 mêses sem produzir e sem faturar, solta um Comunicado ao Mercado, divulgando a produção ZERO em outubro e no meio desse Comunicado, insere a informação de que no dia 5/11 voltara a funcionar e produzir.  Informação essa que seria um tremendo "FATO RELEVANTE", alguém entre os dias 5 e 8 tomou decisão errada e levou prejuízo.  Infelizmente, poucos conhecem um pouquinho de Direto Societário. Enquanto isso, essas empresecas estão por aí....
Esse artigo ficou espetacular!
Professor Dellamura, sou seu fã mas dizer que nosso mercado é sólido como uma rocha soa sarcástico aos meus ouvidos. A ver listo os seguintes casos que lesaram milhares de investidores brasileiros (sim, por que em alguns os estrangeiros foram sim ressarcidos) os quais ainda aguardam por justiça: - Lava Jato x Petrobras - Corretora Squadra x IRB - Fraude contábil x AMERICANAS
Voa Melver 🚀🚀🚀
Excelente artigo.
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