Uma das coisas que me fascina e, ao mesmo tempo, me frustra em economia é a mitologia de que o banco central é capaz de controlar a inflação manipulando o preço do dinheiro, sem levar em consideração a quantidade de moeda em circulação.
Digo "mitologia", pois há pouquíssimo respaldo empírico para essa ação, e seu suporte teórico depende de um modelo de fluxos econômicos que parece ser contrário ao funcionamento concreto na realidade. A ideia básica é que, ao tornar o dinheiro mais caro, o banco central dificulta o acesso de empresas a financiamentos e investimentos, assim como a capacidade dos consumidores de tomar empréstimos e gastar, o que desacelera o crescimento econômico.
Essa descrição parece fazer algum sentido, mas mete os pés pelas mãos ao acreditar que uma demanda agregada menor é capaz de reduzir as pressões de preços. Os modelos teóricos sustentam claramente esse ponto: um menor crescimento econômico causa menos inflação, enquanto um crescimento maior gera uma inflação mais alta.
O fato de que essa relação não se confirma na prática parece não abalar o entusiasmo dos defensores dessa política, o que é frustrante, sobretudo porque existe uma alternativa viável que parece descrever melhor a dinâmica econômica na prática, chamada “monetarismo”.
O aspecto fascinante disso tudo é a memória incrivelmente curta das autoridades monetárias quando se trata de novas políticas com base nesse enfoque da inflação. Aqui estão alguns exemplos simples: de dezembro de 2008 a dezembro de 2019, a taxa-alvo de juros nos EUA permaneceu em 0,25% durante 65% desse período. A taxa média ao longo desse período foi de 0,69%.
Nesse mesmo ínterim, a inflação básica variou de 0,6% em 2010 a 2,4%, atingindo 2,3% ou 2,4% em 2012, 2016, 2017, 2018 e 2019. O valor de 0,6% foi uma exceção - em 86% do tempo ao longo desses 11 anos, a inflação básica ficou entre 1,5% e 2,4%.
Portanto, não seria demasiado dizer que os juros extremamente baixos não provocaram um aumento da inflação. Se essa foi nossa experiência mais recente, por que então o Federal Reserve agora segue a teoria de que aumentos agressivos de juros são capazes de reduzir a inflação? A evidência mais recente mostra que as taxas de juros não parecem ter impacto significativo na inflação.
E não se trata de um fenômeno recente. O período pós-crise financeira global é especialmente interessante porque, em sua maior parte, o banco central estava focado principalmente nas taxas de juros, ignorando as reservas bancárias e a oferta monetária (exceto por algumas injeções pontuais de flexibilização quantitativa), que, se considerássemos a lógica convencional, deveriam aumentar a inflação - o que claramente não ocorreu em resposta às baixas taxas de juros.
Isso ficou evidente em 2014, quando Joseph Gagnon e Brian Sack, logo após deixarem o Fed, publicaram um artigo tratando da política monetária em um cenário de liquidez abundante, propondo um novo modelo operacional para o Federal Reserve. No trabalho, os economistas argumentaram que o Fed deveria ignorar a quantidade de reservas no sistema e simplesmente ajustar as taxas de juros que paga sobre as reservas geradas por suas operações de mercado aberto.
Parte-se do conceito de que as taxas de juros têm relevância, o dinheiro não, e o Fed passou a seguir esse modelo desde então. Ocorre que os resultados desse experimento é que as taxas de juros baixas não parecem ter o efeito previsto para que a política seja significativa.
Isso não deveria ser surpreendente, uma vez que, nas três décadas anteriores, o nível da taxa de juros real não mostrou nenhuma relação discernível com as mudanças subsequentes na inflação básica, mesmo ao ajustar a taxa nominal pelo núcleo do IPC em vez do índice cheio.
Resumindo, por pelo menos 40 anos, o nível de juros reais não teve um impacto visível nas mudanças do nível de inflação. No entanto, o dogma atual dos bancos centrais é que as taxas são o único fator relevante.
Interrompi o gráfico em 2014, quando o experimento de Gagnon/Sack começou, mas estendê-lo até o presente não altera essa conclusão. Na verdade, o que se observa é uma aceleração e desaceleração massiva na inflação básica que ocorreu antes de quaisquer mudanças nas taxas de juros afetarem o crescimento (considerando que ainda não tivemos uma recessão). É uma subconclusão dentro de uma conclusão maior.
Qualquer análise sobre como o Fed gerencia o preço do dinheiro em vez de sua quantidade não estaria completa sem mencionar o economista emérito do Federal Reserve de St. Louis, Daniel L. Thorton, que, até sua aposentadoria, era um dos últimos monetaristas conhecidos do Fed. Em um artigo de 2012, falando sobre a importância da quantidade de dinheiro e da irrelevância comparativa das taxas de juros, o dr. Thorton argumentou de forma convincente que o banco central deveria focar quase exclusivamente na quantidade de dinheiro, não em seu preço.
Essa perspectiva está alinhada com minha própria visão e com mais de um século de evidências em todo o mundo, que mostram uma estreita relação entre o nível de preços e a quantidade de dinheiro.
Para ser justo, a conexão entre as mudanças na M2 e as mudanças no nível de preços também tem sido fraca desde meados da década de 1990, por razões que expliquei detalhadamente em outros contextos. No entanto, pelo menos o dinheiro tem um histórico de estar relacionado à inflação, enquanto as taxas de juros não (exceto como resultado da inflação, e não como sua causa); além disso, podemos resgatar a importância do dinheiro ao modelar separadamente sua velocidade.
Não parece haver uma maneira de reabilitar a política de taxas de juros como uma ferramenta para lidar com a inflação. Não funcionou, não está funcionando e não funcionará.