Foi uma semana, para alguns, de desafogo.
Temer acabou se livrando de mais uma acusação, de corrupção passiva, pelo menos enquanto estiver no poder, e veio com a pregação de um “novo recomeçar”, focando mais na agenda de reformas, na retomada do crescimento e na geração de empregos.
Em paralelo, na seara econômica, o debate em torno da meta fiscal deste ano, definida no déficit de R$ 139 bilhões, também capitalizou a atenção, por indicar que dificilmente será cumprida. Muitos já comentam algo em torno de R$ 148 bilhões ou mais neste ano, já que as despesas seguem em trajetória perigosa e as receitas, perdendo fôlego, não conseguem acompanhar. Por outro lado, na Política Monetária (PM) o cumprimento das metas segue ocorrendo, mesmo que por motivos atravessados, pois a demanda muito fraca acaba derrubando os preços. A taxa Selic, hoje em 9,25%, caminha para 8% ou mesmo menos para os mais otimistas. No mercado, já se fala em 7% ao fim de 2018.
Interessante observar as mudanças na engenharia destas políticas nos últimos anos.
Na fiscal, uma série de transformações foi ocorrendo, mesmo com toda a instabilidade ainda existente no front político. Sem dúvida que a criação da Lei de Responsabilidade Fiscal, a definição de uma Lei das Diretrizes Orçamentárias e, mais recentemente, a Lei do Teto dos Gastos, foram primordiais neste sentido. Tentou-se, com estes mecanismos, criar uma maior previsibilidade e transparência para os agentes, evitando a piora de expectativas e da situação econômica.
Isso tudo ajudou a compreender mais sobre a necessidade de uma maior disciplina fiscal, havendo um norteador para a gestão de recursos públicos no longo prazo. Lembremos que o mesmo se tentou na primeira gestão Palocci, durante o governo Lula entre 2003 e 2008, com um embrionário debate em torno do resultado fiscal de longo prazo, mas rechaçado pelos “hereges da irresponsabilidade fiscal”, considerando esta alternativa como algo “rudimentar” (Dilma Roussef). Passaram-se os anos e estas ideias de programação fiscal de longo prazo voltaram aos debates, ganhando adesão e hoje parecem ser consenso na comunidade. Muito se comenta, inclusive, que o resultado primário previsto para este ano não é o maior foco de preocupações, mas sim como se deve chegar a ele, dada a trajetória das despesas e das receitas correntes.
Pelos documentos da Fazenda, nas outras despesas obrigatórias, a evolução é até razoável, em torno de 5,2%, abaixo do limite das despesas, definido em 7,2%, mas preocupa a evolução os benefícios previdenciários, acima deste teto, o que torna o debate em torno da Reforma da Previdência algo mais urgente.
Falando do Sistema de Metas de Inflação (SMI), neste ano e no próximo definido em 4,5%, em 2019 chegando a 4,25% e em 2020 a 4,00%, os avanços do BACEN na atuação da política monetária e no combate à inflação são notáveis. Sobre isso, alguma reflexão histórica, por breve que seja, é necessária.
Nos anos 70 a Política Monetária (PM) era vista como um instrumento de política econômica e tinha por principal finalidade dar sustentação ao nível de emprego. Nos 80 mudanças houveram e esse objetivo passou a ser a busca da estabilidade dos preços.
Foi a partir do fim do sistema de Bretton Wood, em 1971, e dos choques do petróleo entre 1973/74 e 1979, que uma série de países, como Alemanha, Japão e EUA, passou a basear suas políticas monetárias pelo “sistema de metas de crescimento dos agregados monetários”. Suas políticas monetárias passaram então a se basear na definição de regras. Neste contexto, o debate se deslocou para a diferença entre a maneira de atuação da instituição, a partir de decisões discricionárias em confronto com a respeito a regras estáveis.
Importante que se diga que o respeito a estas regras, pelos bancos centrais, é amplamente associado ao conceito de credibilidade, ao nível de confiança dos agentes no cumprimento de uma determinada política anunciada. Sendo assim, uma política tende a transmitir maior credibilidade se sinalizar aos agentes uma baixa probabilidade da ocorrência do que os acadêmicos chamam de inconsistência temporal. O que é isso afinal?
Kydland e Prescott descrevem este termo como “as tentações dos formuladores de política em desviar-se de uma política, após ela ser divulgada e os tomadores de decisão privados terem reagido a ela”. Ou seja, esta inconsistência acontece quando uma decisão ótima deixa de ser eficiente.
Diante disso, do risco desta inconsistência, a utilização de regras para a condução da política monetária acaba se tornando a melhor solução para a política atual, consistente com a futura. A partir de 1977, os economistas Barro e Gordon passam a enfatizar a importância do papel da credibilidade na PM como para disciplinar o nível de emprego.
Buscam então planos de inflação baixa e não simplesmente planos consistentes no tempo. Algumas medidas são sugeridas: (1) reduzir o poder da autoridade monetária forçando-a a seguir planos explícitos e (2) punir políticos que se desviassem das políticas anunciadas. Acham, portanto, que a persistência da inflação se relaciona com a perda de credibilidade do governo, pelo não cumprimento dos contratos previamente acordados.
No decorrer dos anos, o Sistema de Metas de Inflação (SMI) passou a ser empregado em toda sua complexidade e avanços. Foram criadas então as reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), os vários documentos complementares, como as atas e os relatórios trimestrais, que têm por objetivo a total transparência, dando segurança e previsibilidade aos mercados.
Em paralelo, a atuação do BACEN foi se simplificando, com o norteador do SMI apenas para o balizamento da taxa de juros de curto prazo. Outros instrumentos de PM não foram descartados, mas a “persuasão moral” passou a ter um papel essencial neste processo.
Dito tudo isso, aonde queremos chegar?
Talvez encontrar uma linha de argumentação de que, mesmo com os retrocessos institucionais no trato da coisa pública, com o avanço da corrupção, no circo político, nas relações entre os poderes, a “blindagem” das gestões monetária e fiscal, de alguma forma acabou servindo como um contraponto à estas tentações populistas. Isso não deixa de ser um alento, daí a confiança plena dos mercados nas ações de política das equipes lideradas por Henrique Meirelles e Ilan Godfajn.
São estes dois os principais fiadores da política econômica atual e são eles a darem alguma esperança sobre o avanço da estabilização da economia nos próximos meses e ao longo de 2018.
Que assim seja.