Lula sanciona isenção de IR para quem ganha até R$5 mil e taxação mínima para rendas altas
Nenhum país constrói crescimento sustentável sem responsabilidade fiscal. A trajetória da dívida pública é, simultaneamente, diagnóstico e direção: revela a confiança dos agentes econômicos e determina o custo de financiamento da economia. Os dados atuais exigem atenção, mas permitem otimismo.
O Brasil vive um momento em que desafios conhecidos convivem com oportunidades concretas de correção de rota — e a sanção do Projeto de Lei nº 1.087/25, que reforma o IR (Imposto de Renda), reforça esse movimento. Estamos diante de um ciclo que pode redefinir a base tributária e melhorar a qualidade fiscal do país.
Segundo o Banco Central do Brasil, a dívida bruta do Governo Federal atingiu 78,1% do PIB (Produto Interno Bruto) em setembro de 2025. O Tesouro Nacional, por sua vez, mostra que o custo médio da dívida pública federal, acumulado em 12 meses, chegou a 11,65% ao ano em agosto de 2025. Esses números demonstram que o país convive com um estoque elevado e um custo de carregamento desafiador. Mas também evidenciam um diagnóstico claro: não falta informação sobre o problema — falta apenas a consolidação da trajetória de solução.
É nesse contexto que a aprovação do PL nº 1.087/25 pelo Congresso Nacional, com sanção presidencial nesta quarta-feira (26), torna-se um marco relevante. O projeto amplia a isenção de IR para quem ganha até cerca de R$ 5 mil por mês e estabelece descontos para rendas de até R$ 7.350 mensais. Segundo o Governo Federal, cerca de 15 milhões de brasileiros devem deixar de pagar imposto de renda com a nova Lei ao mesmo tempo em que cria tributação mínima sobre altas rendas, a partir de R$ 600 mil anuais, e retoma a cobrança sobre lucros e dividendos.
Trata-se de uma mudança estrutural com efeitos opostos, porém complementares: alívio para as faixas de renda mais baixa e mediação da capacidade contributiva no topo da distribuição. Uma reforma que amplia justiça social sem abandonar responsabilidade fiscal.
Do ponto de vista macroeconômico, a reforma gera dois efeitos relevantes. Primeiro, melhora a previsibilidade das receitas, reduzindo dependência de tributações regressivas e pouco estáveis. Segundo, reforça a percepção de equidade tributária, essencial para ancorar expectativas, reduzir prêmio de risco e desinclinar a curva de juros. Quando o sistema tributário ganha coerência, a trajetória fiscal ganha credibilidade — e credibilidade reduz o custo da dívida.
Em ambiente fiscal incerto, a curva de juros tende a se inclinar, elevando o cenário prospectivo da taxa básica de juros da economia, denominada Taxa Selic. Mas esse não é um destino inevitável. Com a reforma do IR, combinada a ajustes fiscais contínuos, cria-se ambiente favorável para o Banco Central reduzir juros de forma sustentável. O juro é um preço que responde à confiança. Quando o Estado estabiliza expectativas, a política monetária deixa de ser defesa e volta a ser instrumento de desenvolvimento socioeconômico.
O setor produtivo sente essas transições de maneira direta. Hoje, empresas enfrentam capital mais caro, prazos reduzidos e spreads elevados. Mas nenhum desses vetores é estrutural: todos respondem rapidamente ao ambiente macroeconômico. Um ciclo consistente de estabilização fiscal reabre a janela de emissões, reduz o custo de dívida privada e restabelece o apetite por risco corporativo. Mercados não exigem condições perfeitas — exigem rumo e previsibilidade.
Também as famílias, que vivenciam juros altos no crédito imobiliário e no financiamento ao consumo, se beneficiam quando a confiança fiscal se consolida. Ciclos recentes mostram que a queda coordenada na Taxa Selic provoca reativação rápida da demanda doméstica. Quando a trajetória fiscal é confiável, a política monetária pode respirar — e a economia real volta a expandir.
No ambiente de investimentos, a predominância atual de produtos pós-fixados é sintoma da cautela. Mas a estabilização fiscal e a reforma tributária tendem a alongar o horizonte de alocação. Com maior previsibilidade das contas públicas e melhor distribuição do esforço tributário, o capital retorna gradualmente para instrumentos de prazo mais longo, essenciais para financiar infraestrutura, inovação e crescimento produtivo. A confiança encurta o risco e alonga o investimento.
A litigiosidade tributária, por sua vez, funciona como trava para o crescimento. Entre as ações capazes de alterar estruturalmente a dinâmica fiscal está a redução da judicialização tributária, que atualmente supera R$ 5 trilhões, segundo estimativas combinadas da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e do Ministério da Fazenda do Governo Federal.
O excesso de litígios costuma a produzir imprevisibilidade de receitas, elevação do custo de compliance das empresas, provisões bilionárias que imobilizam capital, volatilidade fiscal decorrente de sentenças retroativas, maior prêmio de risco na curva de juros, entre outras consequências prejudiciais ao desenvolvimento socioeconômico e à geração de emprego e renda no país.
Ao mesmo tempo, essa é uma área em que o Brasil tem avançado de maneira concreta. Os programas recentes de transação tributária da PGFN tornaram-se referência internacional e começaram a reduzir contenciosos históricos. O país possui, portanto, experiência prática e institucional para transformar essa política em alavanca permanente de previsibilidade fiscal. Menos litígio significa mais arrecadação estável, mais investimento e menor custo da dívida.
Uma agenda pragmática para consolidar a trajetória sustentável da dívida pode se apoiar em três eixos: (i) recomposição gradual e crível do superávit primário, preservando investimentos estratégicos; (ii) redução da litigiosidade tributária, institucionalizando mecanismos modernos de transação; e (iii) aumento da eficiência do gasto público, especialmente em infraestrutura, tecnologia e educação.
Nenhuma dessas frentes deve exigir rupturas radicais. Tão somente direção, coordenação e continuidade. E é justamente nesse ponto que reside o otimismo: o Brasil acumulou, ao longo das últimas décadas, instituições robustas e capacidade comprovada de realizar ajustes estruturais quando há convergência de prioridades.
O Brasil tem condições objetivas de transformar seu ciclo fiscal. A sanção do PL nº 1.087/25 pelo Poder Executivo, a maturidade das instituições públicas e a evolução do mercado de capitais sob os desafios da economia real mostram que o país sabe avançar quando há clareza de propósito. Estabilidade fiscal gera confiança; confiança gera investimento; investimento gera crescimento. Esse ciclo virtuoso está ao nosso alcance.
