Por Adilson Bolico e Rafael Mortari*
É sabido que o mercado de investimentos carece de regras mais claras para a proteção do consumidor/investidor. Uma rápida pesquisa na internet é suficiente para encontrar reclamações de pessoas que confiaram nos conselhos de assessores de investimento e perderam dinheiro com isso. Alguns perderam muito a ponto de passarem a depender da ajuda de familiares. Os assessores que agem desta forma o fazem impulsionados por incentivos de mercado mal direcionados. Ao empurrar um produto ruim, eles recebem comissões bem maiores, mas prejudicam o cliente.
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Dito desta maneira fica a impressão de que o assessor financeiro é um vilão por si só, alguém ganancioso demais e que não se preocupa em nada com o próximo. Pode haver entre as dezenas de milhares de assessores gente com esse perfil, mas também existem muitos, que agem desta forma prejudicial ao próximo por conta de pressões da própria empresa para quem eles trabalham. É que as empresas em si adotam práticas aos seus colaboradores que resultam em um efeito em cadeia. Para aumentar a captação de recursos, tornam a vida do assessor um inferno e este, por tabela, faz o mesmo com o cliente ao induzi-lo ao erro.
Esse fato não justifica a atitude de enganar clientes adotada, mas vale observar que de certa forma eles também são vítimas da esperteza dos empresários. Os assessores financeiros não são profissionais com registro em carteira e não têm a proteção e direitos garantidos pela CLT. Tudo bem, a maioria até prefere não estar atrelada à CLT. O problema é que eles ficam expostos a contratos leoninos que dão muito direito à empresa contratante de seus serviços e quase nada para eles.
Muitos reclamam que não têm horário de trabalho. Estão sempre disponíveis para atender clientes ou as chamadas da corretora. Existe a imposição de metas, entre elas a de oferecer produtos financeiros ruins ou esquemas prejudiciais ao investidor. Por exemplo, oferece-se um COE como se fosse um ótimo investimento – e não é – e ainda se faz um esforço para convencer o investidor a tomar um empréstimo para alocar os recursos em mais cotas deste COE com a promessa de que a rentabilidade cobrirá os custos. Tem muita gente perdendo as economias de uma vida inteira por caírem nessa.
Para tanto, é oferecida uma comissão maior. O agravante é que aquele assessor que se recusa a cumprir acaba sendo demitido. E sofre com isso. Nos contratos entre assessores e empresas existem cláusulas que impedem o profissional de levar a carteira de clientes que ele próprio prospectou. Ora, estamos falando aqui de alguém que não é funcionário contratado. É autônomo e deveria ter liberdade e direitos sobre a carteira que ele construiu. Não que não deva existir regra alguma, mas a regra não pode obrigar alguém a começar do zero.
Diversas corretoras adotam nos contratos cláusulas de não competição. Essas cláusulas impedem o profissional de migrar imediatamente para uma concorrente. Eles precisam ficar um tempo – o período varia conforme o contrato - fora do mercado. Mas quem paga suas contas nesse período estipulado? Há quem defenda a existência dessa cláusula e é até compreensível. Mas na prática ela é usada como um instrumento de controle e opressão, em vez de proteção legítima aos interesses dos escritórios.
É preciso ficar atento para o fato de que muitos profissionais, ainda que “sócios” do escritório no papel, estão muito longe de uma posição de igualdade com os majoritários da instituição. Estes assessores recebem uma ínfima participação societária (menos de 1%) com o único propósito de justificar benefícios tributários para a empresa e afastar riscos trabalhistas. Parece que a CVM está acordando para o problema, tanto que editou uma circular que dá aos assessores a possibilidade de comunicar a saída oficialmente o que, em tese, permitirá que eles atuem por outra empresa em poucos dias, independentemente da cláusula de não-competição.
Mas é pouco. O mercado financeiro carece de mais transparência tanto na relação escritório/assessor quanto na relação assessor/investidor. A necessidade de transparência e clareza na comunicação das informações é primordial e deve ser uma responsabilidade das empresas de investimento. Os investidores precisam de acesso a informações claras e compreensíveis para tomar decisões prudentes de acordo com seus objetivos financeiros e tolerância ao risco.
A questão é que se o ambiente de trabalho não é dos mais adequados, dificilmente será para aquele que apenas busca investir seu dinheiro em um produto financeiro de qualidade e que, pelo fato de não ter conhecimento, aceitou confiar nas palavras de um profissional que tem sim a obrigação de apresentar o melhor baseado no perfil do cliente. E isso nem sempre acontece por falta de ética, que pode ser fruto do caráter do assessor, mas também de práticas nefastas adotadas por alguns escritórios e que pressionam o profissional a agir de maneira inadequada. É preciso colocar ordem na casa.
*Adilson Bolico e Rafael Mortari são sócios do escritório Mortari Bolico Advocacia.