Por Paula Chimenti e Bruno Stefano*
Muito se tem falado sobre a recente competição entre Threads e Twitter (recentemente rebatizado de X). Para além do caráter jocoso da luta de MMA entre seus CEOs, a mídia especializada tem abordado bastante os aspectos do produto. “Ah, o Twitter é melhor porque tem tais características”....ou “O Threads irá vender porque tem esses atributos”.
Tais análises surpreendem. Isso acontece principalmente porque já sabemos há pelo menos 20 anos que este tipo de competição não é definido por características do produto, mas sim pela gestão do ecossistema. Neste sentido, a dinâmica da competição é muito mais complicada e seus resultados muito mais difíceis de prever do que pode parecer à primeira vista.
Não estamos dizendo que o produto não é importante, longe disso! Um bom produto é condição sine qua non para entrar no jogo. Sem um bom produto não dá pra descer pro play e começar a brincar (inclusive a Threads anunciou recentemente a incorporação de várias funcionalidades no aplicativo após reclamações de usuários). Mas, uma vez que os jogadores todos estão em campo, não é o melhor produto que vence.
O maior exemplo disto foi a competição no mercado de PCs ao longo dos anos 90. Enquanto a Apple (NASDAQ:AAPL) sofria para conquistar uma parcela maior de consumidores, a Microsoft (NASDAQ:MSFT) dominava mais de 90% do mercado de PCs. Os conceitos clássicos de liderança de custo e diferenciação não explicavam essa diferença, pois a Apple tinha, sob vários aspectos, o melhor produto, enquanto a líder de custo era a Linux, com seu modelo de software livre.
Esta dinâmica competitiva intrigou tanto a academia que dois pesquisadores do MIT propuseram o Modelo Delta no qual apresentaram uma nova forma de competição, baseada na gestão do ecossistema. De fato, em um ecossistema onde diferentes plataformas competem pela liderança, os participantes escolherão a plataforma que acreditam que sairá vencedora. Tal processo cria um efeito de rede poderoso, através do qual todos migram para uma única plataforma, que se torna o padrão. O pulo do gato, nesse caso, não tem a ver com apresentar o melhor produto para os consumidores, mas em atrair os complementares-chave para a sua plataforma, que foi exatamente o que Bill Gates fez na época, enquanto Jobs fechava sua plataforma na busca obsessiva pelo produto perfeito. O mais interessante disso é como o retorno de Jobs à Apple marca também uma nova estratégia competitiva, na qual, mesmo sem abrir mão do cuidado com o produto, a Apple começa a atrair e gerenciar melhor os complementares.
Na arena das redes sociais não foi diferente. Abandonamos produtos que nos atendiam perfeitamente porque os efeitos de rede levaram nossos contatos para outras redes. Foi assim com ICQ e Orkut, lembram? Não saímos porque existia uma oferta melhor, saímos porque nossos amigos não estavam mais lá. O valor de uma rede tem a ver com a quantidade de pessoas que estão lá. Sendo assim, o desafio das plataformas é atrair os primeiros usuários e alavancar o crescimento exponencial, criando um ciclo virtuoso.
Foi exatamente isso que o Threads fez quando plugou sua nova plataforma ao Instagram, permitindo o compartilhamento dos contatos e dados (estratégia que o Facebook (NASDAQ:META) já havia utilizado com sucesso no passado, inclusive). Os surpreendentes números do lançamento da plataforma, atingindo 100 milhões de usuários em 5 dias (vs. 5 anos e 5 meses para o Twitter atingir o mesmo patamar), não são assim tão surpreendentes quando entendemos que o que a Meta fez foi conectar suas plataformas num único ecossistema, permitindo o fluxo livre de contatos de uma para a outra. Junta-se a isso a insatisfação dos usuários do Twitter (ops...X) com as mudanças recentes na plataforma e boom! Tem-se aí a possibilidade de reconfigurar um setor.
Uma outra questão muito importante é se teremos neste ecossistema uma única plataforma vencedora ou se teremos múltiplas plataformas competindo de perto. Esta é uma dúvida que tem mobilizado pesquisadores, executivos e empreendedores em diversos setores. Geralmente, a prevalência de uma única plataforma (uma dinâmica que chamamos “o vencedor-leva-tudo” ou “winner-take-all”) tem a ver com características do ecossistema, como por exemplo o quanto o setor é um monopólio natural, incluindo o quanto os consumidores têm necessidade de diversificação e o quão fortes são os efeitos de rede. No caso das redes sociais, apesar dos efeitos de rede serem fortíssimos (a rede só tem valor se há pessoas nela), há uma certa diversificação de interesses (com redes mais voltadas para texto, para vídeos ou redes voltadas para temas específicos, como trabalho, decoração, arte etc.). Outro fator a se considerar é a regulação, que pode também ter um papel fundamental, criando obstáculos para monopólios de dados (vale lembrar que o Threads não foi lançado na União Europeia por esse motivo).
Por fim, mas não menos importante, não podemos nos esquecer que os negócios precisam ser sustentáveis em termos de lucro e geração de caixa e, nesse sentido, a captura de valor na plataforma é primordial, traduzindo o engajamento em rentabilidade. No momento, o X (ops, Twitter), que vinha tentando chegar ao equilíbrio financeiro, tem perdido anunciantes. Por conta disso, a plataforma tenta agora diversificar receitas e até redefinir sua marca, enquanto a Meta, dona do Threads, acaba de reportar um resultado trimestral com lucro melhor do que o previsto e adquire poderio financeiro ainda maior, sendo capaz, portanto, de investir mais na plataforma.
Enfim, muita coisa pode acontecer a partir dos movimentos estratégicos das plataformas envolvidas. Tanto a Meta, quanto o X/Twitter e outros atores estão buscando alavancar seus efeitos de rede e gerar o feedback positivo. Acreditamos que a compreensão desse ecossistema amplo e suas dinâmicas é fundamental para compreender o hoje e refletir sobre o futuro. E enquanto lemos esse artigo, o “hype” inicial do Thread parece ter arrefecido e o engajamento, diminuído. Qual será o impacto dessa redução no desenvolvimento de seu ecossistema?
*Professora e coordenadora do Centro de Estudos em Estratégia e Inovação do COPPEAD/UFRJ
**Mestrando do COPPEAD/UFRJ