Aplicando a demografia a uma variação do Índice da Miséria de Arthur Melvin Okun a fim de avaliar o comportamento do índice Dow Jones Industrial Average nos EUA.
Entre os vários indicadores que monitoram a saúde econômica de um país, dois deles são bastante populares justamente por afligirem mais o cidadão comum. São eles a taxa de inflação e a taxa de desemprego. Dos dois, a inflação ainda é obviamente mais percebida. Afinal, todos nós temos que colocar a mão no bolso para fazermos compras, pagarmos a escola dos filhos e consumirmos uma variedade de produtos e serviços em nosso dia a dia. A taxa de desemprego pode ser bem menos observada pelos que estão trabalhando, mas é absolutamente importante para qualquer um que se encontre desempregado.
O economista Arthur Melvin Okun foi professor na famosa Universidade de Yale, além de ter sido assessor dos presidentes John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson. Foi ele o criador da "Lei de Okun", uma teoria de 1962 que propõe uma relação inversa entre desemprego e produto interno bruto (limitada a uma taxa de desemprego entre 3% e 7,5%, a "regra" sugere que cada 1% de alta na taxa de desemprego gera cerca de 2% de queda no PIB Potencial do país, e vice-versa). Outra contribuição sua para o estudo da economia foi a concepção do Misery Index (índice da miséria). Sua formulação não poderia ter sido mais simples ou intuitiva: trata-se apenas da taxa de desemprego somada à taxa de inflação. Naturalmente, ficar desempregado e ainda sujeito a um custo de vida crescente é uma infelicidade, daí o nome de Índice da Miséria!
(Dizem alguns economistas que, com um atraso de cerca de um ano, esse Misery Index seria o fator precursor da taxa de criminalidade. No Brasil, esse não parece ser o caso. Com o desemprego a níveis historicamente baixos e hiperinflação vencida há anos, a violência gratuita e mesmo os crimes de colarinho branco continuam crescendo sem limites aparentes! A criminalidade me sugere muito mais ser um problema cultural.)
Eu não tenho o hábito de acompanhar este indicador e, francamente, duvido que haja muita gente prestando atenção a ele. Em geral, simplesmente concentramos nossa atenção nos seus dois constituintes de forma isolada. Porém, há um tempo já, eu observava que o Misery Index vinha caindo continuamente nos EUA. É evidente que, mesmo com a abusiva e insana impressão de dólares, além dos punitivos juros reais negativos da renda fixa por lá, a inflação norte-americana continua muito modesta e aquém da almejada pelo comitê de política monetária e o Federal Reserve. Em junho, a taxa de inflação acumulada em 12 meses subiu um pouco, chegando aos 2,07%. E os dados relativos a julho só devem ser divulgados no próximo dia 19 de agosto.
A taxa de desemprego nos Estados Unidos também vem caindo desde 2009. Chegou aos 6,1% em junho, mas o resultado de julho, divulgado agora em agosto, já ficou um pouco acima, aos 6,2%.
A fim de suavizar as oscilações da inflação, usarei aqui apenas o núcleo da inflação, que exclui aqueles itens que apresentam maiores oscilações: alimentos e energia (ou, mais precisamente, o petróleo). O núcleo da inflação (CPILFESL) de 12 meses foi de 1,93% em junho passado. Tomando-se a taxa de desemprego do mesmo mês (UNRATE de 6,1%), a soma de ambos nos dá um índice da miséria aos 8,03%.
A esse nível, o índice de miséria está abaixo de todos os valores verificados entre 1982 e julho de 1996. Naqueles 14 anos, as ações nos EUA tiveram um bom desempenho. Da mesma forma, o índice Dow Jones Industrial Average vem tendo um ótimo desempenho nos últimos anos. Em minha opinião, já descolado de qualquer fundamento que o pudesse justificar.
Como o desemprego e a inflação são fatores contrários ao bom desempenho econômico, no gráfico a seguir eu inverti o Misery Index, colocando-o de cabeça para baixo, a fim de comparar melhor sua evolução com o desempenho das ações. O Dow Jones está ajustado pela inflação, para refletir seu poder aquisitivo real através dos anos. Embora apresentem uma boa coincidência entre vários picos e fundos, ainda assim o Misery Index não oferece muita ajuda ou utilidade a qualquer investidor que esteja tentando aferir melhor a precificação do índice de ações.
Como já escrevi e expliquei em outras oportunidades, eu dou muita atenção à relação entre demografia e economia. Em outra publicação recente (leia aqui) eu mostrava justamente a curva de participação no consumo agregado anual conforme a faixa etária do ou da responsável pela casa/família.
Podemos observar que, nesses dez anos representados aqui, a participação no consumo agregado anual é crescente desde o começo da vida adulta até a faixa dos 45-54 anos. Sugere-se então que o avanço econômico deva ser diretamente proporcional à quantidade de consumidores e trabalhadores nessas faixas de idade. Por outro lado, deve ser inversamente proporcional aos níveis de desemprego e inflação. Com isso em mente, dividi a quantidade de adultos nos EUA, entre 25 e 54 anos, pelo desemprego somado ao núcleo da inflação (uma variação do Misery Index) para ver no que dava.
Em teoria, essa formulação incorpora muito mais informação e contexto do que o Misery Index proposto por Art Okun há algumas décadas.
A inflação é mais natural, e portanto menos maligna, se induzida por um crescimento mais acelerado da população. Tratar-se-ia assim de um aumento fisiológico na demanda de consumo, ainda não acompanhado por um aumento na produtividade. E também o desemprego, que de certa forma, poderia indicar uma defasagem na absorção da maior disponibilidade de mão de obra para aumentar a produção. Ao calcularmos a razão entre essas três variáveis, com a população no numerador e a soma de inflação mais desemprego no denominador, fica mais fácil descartarmos quaisquer irrelevâncias e enxergarmos melhor as alterações reveladoras nessas variáveis.
O resultado, de fato, mostrou-se bastante interessante:
A relação desse indicador (Índice Tocalino©, ou Tocalino Index©) com o desempenho do Dow Jones é clara e relevante. O mais importante é que evidencia sem dúvida a necessidade de levarmos em conta o perfil demográfico ao fazermos qualquer análise do desempenho econômico do país e seus reflexos na precificação do mercado acionário.
Se a relação entre os dois índices acima não pode ser ignorada ou negada, ainda assim ela não se mostra perfeita ou infalível. A cautela é sempre uma regra importante ao observarmos qualquer indicador econômico. Quanto mais longa se mostrar a relação entre os desempenhos dos dois índices, maior o nosso conforto e confiança para aceitá-la. O fator que me impossibilitou o cálculo de um histórico mais longo foi o núcleo da inflação. Eu só consegui dados sobre esses preços de 1957 em diante.
O ponto que me chama a atenção nos últimos anos é a perceptível decolagem do Dow Jones em relação ao meu próprio indicador a partir de 2009. Mesmo levando-se em conta os enormes estímulos do tão fecundo Banco Central dos EUA, na minha opinião, o mercado de ações norte-americano parece estar sendo impulsionado mais por conta de certa irracionalidade, ou complacência pela falta de alternativas de investimento, do que seria sustentável com base em quaisquer fundamentos atuais, sejam eles econômicos, demográficos ou globais.
No entanto, esse descolamento vem persistindo há anos. Seria imprudente acreditar que, uma vez visualizado aqui, poderíamos presumir uma iminente correção. Tudo o que posso supor é que, em algum momento, esse distanciamento poderá se corrigir gerando uma considerável queda das ações. Caso o Dow Jones recuasse para os níveis sugeridos por meu indicador, sua desvalorização ajustada pela inflação poderia ser de até 30%. Portanto, todo o cuidado é pouco nesse mercado e na economia atual!
Uma ressalva importante é que esse indicador parece funcionar bem para os EUA devido ao seu alto consumo interno e ao fato do país ser um maior importador do que exportador. Existe lá uma melhor distribuição de renda e poder aquisitivo pela população. Coisa que ocorre em grau muito menor no Brasil ou noutros países emergentes. Isso relativiza bastante a variável populacional, que deixa de nos dar uma boa informação para esse tipo de avaliação! Outra dificuldade que temos é na obtenção dos dados necessários para fazermos o mesmo tipo de cálculo em uma comparação com nosso próprio mercado de ações.
Os dados para o cálculo do Índice Tocalino© referente aos EUA podem ser obtidos através do compêndio do Federal Reserve Economic Data - FRED.
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