Olá, pessoal! Eu sempre ressalto, com veemência, que o conhecimento não nos permite fazer previsões futurísticas “à la mãe Dinah”. Deixo claríssimo que eu não sei prever em qual nível o Ibovespa fechará ao final de 2023: isso dependerá de diversos fatores completamente exógenos e que são simplesmente imprevisíveis. É como no lançamento de um dado: não sei prever que resultado dará entre os seis possíveis. Desta maneira, se você estima que eu cravarei um valor para o Ibovespa ao fim deste artigo, peço parar a leitura por aqui. Este artigo não se trata disso.
Por outro lado, o conhecimento nos permite usar ferramentas econométricas e, com base em premissas, fazer estimativas e, principalmente, avaliar riscos. Reitero o que acabei de escrever: “com base em premissas”. No lançamento de um dado, o conhecimento nos permite estimar que ao lançá-lo por diversas vezes, o valor médio ficará próximo a 3,5 e, ao lançar uma única vez, há 1/6 (um sexto) de chances de cair o pior resultado possível (um). No caso do dado, a premissa para se chegar a essas conclusões são simples (principalmente de que o dado é honesto e, portanto, não enviesado).
No caso de analisarmos o que pode acontecer com o Ibovespa até o final do ano, as premissas são bem mais complexas e certamente eu e você podemos pensar em premissas distintas, mas que não necessariamente as suas sejam melhores ou piores do que as minhas. Compreender isso é algo realmente importante se você deseja evoluir enquanto investidor ou em qualquer profissão que lide com a incerteza, ou seja, com riscos. Meu objetivo com o artigo de hoje é ilustrar o risco de onde o Ibovespa pode chegar dado o que aconteceu neste início de 2023. Note, portanto, que minha premissa é que os retornos diários do Ibovespa até então neste ano refletem a sua distribuição de probabilidades adequadamente também para o restante de 2023.
Percebam que eu não estou advogando que esta premissa é a melhor possível, longe disso. Apenas estou calculando o risco envolvido caso a performance conturbada até aqui neste ano se mantenha. Com isso, darei uma noção interessante do risco que isso implica. Claro que o Ibovespa pode virar o jogo e brilhar em 2023. Por outro lado, lembro de algo que aprendi: não há nada tão ruim a ponto de não poder ser piorado, de modo que o Ibovespa também pode piorar mais a sua performance.
Outro ponto importante é notar que não se trata simplesmente de projetar a mesma perda dos três primeiros meses do ano para o resto do ano. Esse tipo de conta não se configura em uma análise porque não gera nenhuma informação sobre incerteza e cenários possíveis. O que eu fiz para o artigo de hoje foi lançar mão de uma técnica conhecida como simulação de Monte Carlo para estimar duzentos mil caminhos possíveis para o Ibovespa até o final do ano. Como já explicitado, as simulações foram baseadas no comportamento do índice nesses três meses iniciais do ano. Essa técnica me permitiu construir uma distribuição de probabilidades para o principal índice da nossa bolsa ao final de 2023: vejam abaixo.
A figura acima deve ser interpretada da seguinte forma: cada barra vertical em azul é proporcional à probabilidade de o Ibovespa encerrar 2023 dentro do intervalo identificado no eixo horizontal. Quanto maior a altura da barra azul, maior a probabilidade. Esse gráfico permite uma análise de risco bem bacana. Para tal, calculei alguns percentis da distribuição gerada pela simulação. Vejam abaixo.
Por exemplo, o percentil de 1% (59.127 pontos) nos indica o que muitos no mercado conhecem por VaR (“value at risk”) sob 99% de confiança: baseada nas premissas utilizadas nesta simulação, há 99% de chances de o Ibovespa encerrar o ano neste patamar ou acima. A mediana, grandeza estatística que separa os valores meio a meio, foi pouco abaixo de 88 mil pontos. Perceba igualmente que o primeiro e o terceiro quartis nos permitem concluir que há 50% de probabilidade de o Ibovespa encerrar o ano entre 78.325 e 98.552 pontos. Por outro lado, mesmo com a distribuição baseada no momento conturbado, há 10% de chances de o Ibovespa terminar 2023 acima dos 109 mil pontos.
Este tipo de análise é absolutamente quantitativa e, claro, está baseada no comportamento recente do índice, como reforcei acima. Ela é, portanto, não opinativa, mas obviamente dependente das premissas utilizadas (como em qualquer modelo analítico, diga-se de passagem). Se um analista tem visão negativa daqui para o final do ano, ele apostará na cauda da esquerda, tomando posições que se beneficiem da queda do Ibovespa. Para analistas otimistas, a cauda da direita é a que importa. Cada pessoa pode e deve acrescentar à análise suas opiniões e crenças, mas precisa obrigatoriamente lutar contra seus vieses. Lembro que absolutamente ninguém sabe o que acontecerá de fato com o índice. Há muitas variáveis em jogo sobre as quais não temos absolutamente nenhum controle.
Uma análise quantitativa como esta serve para nos mostrar o que pode acontecer, dimensionando o risco ao qual o Ibovespa estará exposto. E tem potencial para frear dois dos maiores inimigos de todo investidor: o excesso de confiança e o otimismo exagerado. A análise acima deve puxar o contraditório e nos fazer refletir mais antes de decidirmos como nossas fichas serão lançadas. Eu não tenho a menor pretensão de formar a sua opinião a respeito do que acontecerá no mercado, mas quero sim contribuir com análises que o(a) ajudem a tomar as melhores decisões possíveis, sempre com bastante informação e uma clara compreensão do risco e das incertezas envolvidas. Este é o caminho vencedor no mercado!
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* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Pesquisador da Cátedra Brasilprev em Previdência e da ENS – Escola de Negócios e Seguros, Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças e sócio-fundador da CHC Treinamento e Consultoria. Ele pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na sexta-feira.