Ouço Canhões ou Violinos?

Publicado 19.09.2017, 09:33

Saudações.

Hoje eu não vou me estender muito. A reflexão que trago se destina especialmente aos que, movidos pelos níveis recentemente alcançados pela Bolsa, sentiram-se atraídos a entrar ou retornar a esse mundo da renda variável - ou, ainda, aos que por aqui já estavam e se sentiram, agora, impelidos a aumentar suas apostas.

Minha mensagem é muito simples: se você está chegando agora, tome muito cuidado. Explico os porquês.

Muito possivelmente você tenha, dentro de você, a sensação de que sua decisão de investir (ou voltar a) agora é uma decisão autônoma. Tenho más notícias: há dezenas de milhares de pessoas pensando a mesmíssima coisa nesse exato momento.

O bom desempenho em tempos recentes atrai. A Anbima pode obrigar todo investidor a escrever retorno passado não é garantia de retorno futuro setecentas vezes em um quadro negro, no melhor estilo Bart Simpson de castigo depois da aula, e nem assim isso mudará esse irrefreável cacoete humano de... inferir o futuro a partir do passado . Bom desempenho em tempos recentes promove otimismo, que promove ingresso de novos recursos, que promove novas valorizações, que retroalimenta o otimismo... enfim, acho que você entendeu meu ponto.

Lembro-me bem que, logo nos meus primeiros semestres de faculdade de Economia, um colega ficou conhecido no bar por compartilhar com o mundo uma verdadeira pérola de sabedoria: ganhar dinheiro na bolsa é muito simples;basta comprar na baixa e vender na alta. Um visionário, sem sombra de dúvidas. Outra versão, bastante difundida no mercado, sugere: compre ao som de canhões, venda ao som dos violinos.

Sabe o que é o mais engraçado?

Você certamente já ouviu isso. Assim como, certamente, também sabe que os principais hábitos para uma vida longeva e saudável são boa rotina de sono, alimentação balanceada e exercícios regulares. Saber não necessariamente implica fazer: discurso e prática guardam, às vezes, anos-luz de distância entre si.

Falar em comprar na baixa e vender na alta é lindo. Na prática, muitos se veem tão apavorados nos momentos de baixa que saem vendendo. E, na alta, entram comprando de volta o mesmo que venderam antes... por um preço maior.

Que som você está ouvindo: canhões ou violinos? E você está, nesse momento, comprador ou vendedor? O seu comportamento está sendo coerente com o seu discurso ou você está buscando razões para se convencer de que dessa vez é diferente?

Quero, ainda, ressaltar um ponto específico. Eu recebo muitos questionamentos no seguinte formato:

"Ricardo, Merposa já subiu 519 por cento esse ano. Você acha que ainda vai subir mais? Acho que vale um estudo."

Observe as premissas que estão embutidas:

  1. As pessoas tendem a ver a valorização das ações da Merposa, até aqui, como uma forma de "validação" da tese de investimento nela: se subiu, é porque deve ter algo de bom ali - que, assume-se, alguém fez o trabalho direito e viu, enquanto os demais simplesmente seguiram o fluxo.Assume-se, necessariamente, que o preço "correto" é o de agora, e não o de antes da onda de valorização. Não é sempre assim, e abundam exemplos de tempos não muito distantes para comprovar.

  2. O fato de algo já ter se valorizado algo nessa magnitude é visto como um incentivo a investir, e não o contrário; se você está comprando algo ao maior preço da história, você precisa ter razões mais fortes para fazê-lo do que todos que compraram antes de você e agora estão dispostos a vender - muito provavelmente, inclusive, quem começou todo esse movimento lá atrás. É o caso? Você está em busca de ações que estejam baratas (e se, de fato estiverem e não forem value traps, mais dia menos dia hão de subir) ou ações que "vão subir ainda mais" pura ou simplesmente porque aparecerá, amanhã, alguém (ainda) mais ganancioso que você?

Sempre que você estiver comprando algo, lembre-se que há alguém disposto a vender por aquele mesmo preço. Em um bull market, muito provavelmente esse sujeito o está fazendo para embolsar ganhos com os quais já está suficientemente satisfeito - ou seja, você está entrando em um nível que ele considera suficientemente caro para sair. Em um bear market, a dinâmica tende a ser a oposta: são grandes as chances de você estar comprando de um desesperado - e, pragmaticamente falando, negociar com um vendedor ávido por empurrar seu produto adiante é colocar-se na melhor posição do mundo.

O pequeno investidor sofre da incontrolável tendência de ir aumentando sua exposição aos ativos de risco à medida que os preços deles sobem. O cara começa com, digamos, 10 por cento em renda variável; depois de um tempo vê que ganhou dinheiro e, movido pelo mecanismo de recompensa, amplia a exposição para 20; tendo o bom resultado se repetido, eleva para 30 e assim por diante.

Aí, quando o mercado está quase no pico, ele vai lá e vende o apartamento pra comprar tudo na bolsa e ficar rico. .. nem preciso dizer como a história acaba, não é mesmo?

Não seja esse cara. Sério: não seja esse cara.

Pragmaticamente: se você está chegando agora, entre pequeno. Se você já está dentro, e tentado a ampliar exposição, controle-se - mantenha, ou mesmo reduza, num saudável movimento de rebalanceamento.

Sair desse roteiro é pedir muito para tomar uma invertida. Não se machuque em vão.

Pense nisso.

E cuide-se: tem uma guerra lá fora.

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