Este artigo foi escrito exclusivamente para o Investing.com
- Relação histórica entre o dólar e as commodities
- China se mexe, Arábia Saudita e Nigéria seguem seus passos
- Rússia não precificará suas commodities em dólares
- Status de moeda de reserva em risco
- Queda do dólar fortalece preços das matérias-primas
O dólar se mantém há décadas como moeda de reserva mundial. Esse status advém da segurança política e econômica do país. Os países usam moedas de reserva para liquidar transações internacionais e as mantêm como poupanças. Uma moeda de reserva deve ser totalmente conversível em outros instrumentos de câmbio no mercado livre. Desde a virada deste século, o dólar e o euro têm sido as duas principais moedas para esse fim.
Os EUA são a principal economia do mundo, mas a China está no seu encalço com seu robusto crescimento. A China há muito deseja que o iuane desafie o dólar em sua condição de moeda de reserva. Em 2022, eventos geopolíticos provocaram o acirramento das tensões entre os EUA e o recém-formado acordo de apoio “sem limites” entre Rússia e China. A invasão da Ucrânia pela Rússia e as sanções ensejaram uma divisão ideológica e econômica em nível global. A posição do dólar e do euro no sistema financeiro mundial pode estar se enfraquecendo, com potenciais repercussões sobre os preços das commodities nos próximos anos.
Relação histórica entre o dólar e as commodities
A posição do dólar como moeda de reserva mundial faz com que ele seja o mecanismo de referência de preços para a maioria das matérias-primas. Os mercados de câmbio e os preços das commodities estão correlacionados, na medida em que a alta do dólar torna as commodities mais caras em outras moedas. Em condições normais, quando os preços locais sobem, os consumidores tendem a reduzir as compras ou procurar substitutos, pressionando os preços para baixo. Por outro lado, quando os preços caem em outras moedas, os consumidores geralmente aumentam suas compras. Por isso, a alta da moeda americana tende a pesar sobre a cotação das matérias-primas, ao passo que sua desvalorização geralmente faz com que os preços desses produtos se movam para cima.
Se o dólar perder sua posição como moeda de reserva mundial, enfraquecerá a relação com os preços das commodities, já que países de todo o mundo procuram outras moedas para precificar suas necessidades de matérias-primas.
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China se mexe, Arábia Saudita e Nigéria seguem seus passos
A China está na fase final de teste do seu iuane digital, o que pode fazer com que a moeda chinesa se torne o primeiro grande instrumento de câmbio a adotar a tecnologia blockchain. Em 4 de fevereiro, China e Rússia fecharam um acordo comercial de US$ 117 bilhões. As sanções à Rússia impedirão a fixação de preços em dólar para o fluxo de commodities entre os dois países. Além disso, a Rússia disse recentemente à Europa que o bloco precisaria comprar energia em rublos, trocando euros pela moeda russa. As compras de energia europeia em rublo estabilizariam a moeda da Rússia, apesar das sanções.
Além da Rússia, a Arábia Saudita, maior produtor de petróleo do mundo, pretende vender o produto à China mediante pagamento em iuanes, em vez de dólares. Os sauditas têm mantido a neutralidade nas tensões entre EUA e Rússia. Além disso, o acordo de não proliferação nuclear em negociação com o Irã e as críticas dos EUA ao príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman causaram a deterioração das relações EUA e Arábia Saudita. A cooperação da Rússia com a Opep fortaleceu os laços entre Moscou e Riad.
A Nigéria, outro grande produtor de petróleo e país com o maior PIB da África, incentiva as empresas locais que importam mercadorias da China a usar o iuane, em vez do dólar, para sustentar sua moeda naira e aumentar as reservas.
Rússia não precificará suas commodities em dólares
Embora os EUA e a Rússia não estejam envolvidos em um conflito militar direto, as sanções e medidas retaliativas equivalem a uma guerra econômica entre essas duas potências nucleares. Os EUA chamaram o presidente russo Vladimir Putin de criminoso de guerra, ao passo que a Rússia acusa os EUA de mover as tropas da Otan para cada vez mais perto do seu território soberano nos últimos anos.
Enquanto a Rússia se preparava para a invasão da Ucrânia, seu banco central reduziu suas reservas em dólares em favor de ouro e euros. A insistência do governo russo de que a Europa pague em rublos pelo gás natural e petróleo importados é uma rejeição ao dólar. A Rússia provavelmente continuará se afastando do preço do dólar em muitas exportações, como trigo, metais e energia, nos próximos meses e anos. Mesmo que a guerra na Ucrânia termine com um acordo, as relações russo-americanas permanecerão mais do que desafiadoras no futuro.
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Status de moeda de reserva em risco
A guerra na Ucrânia e o acordo de apoio “sem limites” entre China e Rússia acabaram com a tendência do globalismo na economia mundial. Uma bifurcação ideológica coloca a China, a Rússia e seus aliados, de um lado, e os EUA e a Europa, de outro. Embora nenhum dos lados queira uma terceira guerra mundial, as tensões continuarão aumentando, provocando mudanças dramáticas no comércio e na economia mundial.
O dólar americano atua como moeda de reserva mundial desde o final da Segunda Guerra Mundial. A mudança no cenário geopolítico ameaça a posição do dólar, o que impacta significativamente os preços das commodities e a relação histórica das matéria-primas com a moeda americana.
Queda do dólar fortalece preços das matérias-primas
Diversos participantes do mercado medem a força ou fraqueza da moeda americana com base no Índice Dólar.
Fonte: Barchart
Como o gráfico mostra, o Índice Dólar se fortaleceu de 89,165, no início de 2021, até sua máxima mais recente de 99,425 em março de 2022, uma alta de 11,5%. Esse índice mede o valor da moeda americana em relação a uma cesta de seis grandes divisas internacionais, a saber: euro, iene japonês, libra esterlina, dólar canadense, coroa sueca e franco suíço. Sua exposição ao euro é de 57,6%, por isso a moeda única domina a ação dos preços na cesta. O ganho percentual de dois dígitos no índice do dólar nos últimos cinco trimestres normalmente incentivaria um recuo dos preços das commodities. No entanto, o índice é uma miragem se o dólar perder sua posição como moeda de reserva mundial.
Medir a força do dólar em relação aos preços das commodities pode ser um guia mais confiável do vigor da divisa americana. Desde as máximas de janeiro de 2021, as seguintes commodities registraram forte valorização percentual:
- Petróleo: A US$107,30, o petróleo negociado na NYMEX registra alta de 99%.
- Ouro: A US$1934, o ouro futuro negociado na Comex recua 1,3%.
- Cobre: A US$4,74, o cobre futuro na Comex registra alta de 27,4%.
- Trigo: A US$10,30, o trigo futuro na CBOT está 48,6% mais alto.
- Gás natural: A US$5,53, o gás natural futuro na Nymex registra alta de 90,8%.
- Milho: A US$7,4150, o milho futuro na CBOT acumula alta de 33,9%.
- Soja: A US$16,73, a soja futura na CBOT está 16,73% mais alta.
Nos últimos 15 meses, o dólar mais forte só conseguiu fazer com que o ouro recuasse levemente em relação à máxima de janeiro de 2021. O fato é que a maioria dos outros preços de commodities ficou em patamar significativamente mais alto ao longo do período, apesar da força do dólar americano, o que significa que sua valorização foi ainda maior nas moedas que compõem o índice do dólar.
O declínio do dólar como moeda de reserva mundial pode ser um componente central da estratégia da Russa e da China de desafiar a posição dos EUA como a principal economia do mundo. A divisão ideológica é ruim para o dólar e continuará deteriorando sua posição à medida que mais países abandonam os preços em dólar para as commodities. A relação histórica entre o dólar e os preços das commodities está se enfraquecendo, o que tem contribuído para a valorização das matérias-primas.