Em quatro semanas, o petróleo saiu de uma tendência de alta e entrou em espiral de baixa por causa da crise do coronavírus na China, e ninguém em sã consciência espera que ele se recupere com a mesma velocidade.
Mas é claro que tem gente que está tentando descobrir um jeito de estancar a sangria do mercado.
É justamente o que as autoridades de 23 países produtores de petróleo estão fazendo neste momento, em uma discussão técnica em Viena, que era para ser uma reunião sem muita importância – só que não.
Com todo o peso e destaque da mídia mundial sobre eles, cada palavra pronunciada – e expressão demonstrada – pelas autoridades na reunião será ressaltada, analisada e telegrafada pelos jornalistas, para um mercado de petróleo que quer saber o que a Opep+ pode fazer para interromper a derrocada dos preços do petróleo.
Mas será que os 13 membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e seus 10 aliados conseguirão, como se diz no mercado, “pegar a faca caindo” no petróleo?
Leve repique enquanto se espera pelo resultado da reunião
O petróleo conseguiu subir no pregão desta terça-feira na Ásia, depois de atingir as mínimas de 13 meses no dia anterior, quando o barril de Brent rompeu para baixo o suporte de US$ 55 e o barril de WTI perdeu o importante nível psicológico de US$ 50.
Mas, no final da tarde em Cingapura, o repique ainda era modesto, indicando que o mercado poderia voltar a capitular se a China anunciasse dados mais pessimistas ou uma nova elevação nas infecções ou mortes decorrentes do vírus. Também não será nada bom se a mensagem das autoridades reunidas em Viena não atender às expectativas do mercado.
Graças ao Wall Street Journal, temos uma noção do que a reunião técnica está tentando alcançar.
De acordo com o periódico, a Arábia Saudita, líder da Opep, está considerando realizar sozinha um corte temporário de 1 milhão de barris por dia (bpd), a fim de gerar um "choque" de oferta no mercado. O reino produz atualmente cerca de 9,7 milhões de bpd.
Os sauditas também estão tentando convencer os outros produtores da Opep, bem como os países associados ao cartel, a realizar um corte cumulativo de curto prazo de 500.000 bpd, além das restrições de oferta que já estão implementando.
Problema saudita: o resto da Opep
E é aqui que as coisas ficam um pouco complicadas. Como não temos acesso em tempo real à atividade desses países, somente por meio de anúncios oficiais feitos pela organização e seus aliados através de pronunciamentos mensais e outros dados por eles divulgados, fica difícil saber exatamente o que o grupo ampliado – ou cada componente dele – está produzindo em determinado momento.
De acordo com os últimos dados, a Opep intensificou seus cortes de produção em dezembro. Mas, além da Arábia Saudita e outros "membros comprometidos”, o resto do cartel não honrou seus compromissos de cortar a produção pelo segundo mês consecutivo.
Os dados mostram que 11 dos 13 membros da Opep que participam dos cortes reduziram a oferta em 1,345 milhão de bpd, em comparação com a redução prometida de 812.000 bpd. Só a Arábia Saudita sozinha contribuiu com 871.000 bpd dos cortes totais, ou 65%.
Do lado dos aliados, os cortes totalizaram 383 bpd, contra uma promessa de 224 bpd. A Rússia, parceira de maior confiança da Arábia Saudita na aliança, foi quem cumpriu menos a promessa de restrição de oferta. Moscou cortou 151 bpd em dezembro, quando havia prometido reduzir 230 bpd.
Todo mundo sabe que a Arábia Saudita novamente terá que fazer mais do que o resto da Opep se quiser salvar os preços do petróleo de uma barbaridade ainda maior na crise atual. Como maior beneficiária do cartel por décadas, Riad aceitou esse papel, apesar da aparente revolta do seu ministro de energia, Abdulaziz bin Salman, com o fato de que o reino está “levando nas costas” os outros participantes do grupo, com suas ações para dar suporte ao mercado.
Poucos ou mesmo ninguém realmente se importa com os sauditas. Mas todos os países cujos destinos dependem da Opep contarão com Riad para salvar o mercado, e é este o real desafio de Abdulaziz.
A questão é a demanda, e não a oferta
Ao contrário das quedas passadas do petróleo, quando o excesso de oferta sempre era o problema, a crise atual do coronavírus tem mais a ver com a demanda ou, melhor dizendo, com a falta dela.
Sim, pode-se dizer que a demanda anêmica faz com que exista petróleo demais em circulação. Mas a crise atual nos preços do petróleo é diferente do crash de mercado provocado pelo shale oil em 2014-2017, quando havia excesso de óleo barato. No cenário atual, a demanda evaporou praticamente da noite para o dia, e tudo isso aconteceu por causa de uma única fonte: a China.
Como maior compradora de praticamente tudo, a China se tornou destino de produtos e serviços provenientes de quase todos os lugares do planeta, seja do país mais poderoso do mundo ou de uma nação mais empobrecida. Os chineses também oferecem ao mundo uma cadeia de fornecimento estável de produtos acabados, fabricados a partir dos bilhões de toneladas de commodities adquiridas por eles. Trata-se de um “quid pro quo” que vinha funcionando sem contratempos por quase três décadas.
Agora, pela primeira vez, a disseminação de um vírus está mudando esse equilíbrio, ao afetar diversas partes da economia chinesa. E o petróleo pode sofrer o pior impacto nesse processo, em razão do seu papel como commodity que literalmente move o mundo.
China: uma bola de cristal que ninguém está conseguindo ler
Neste momento, não existe uma autoridade sequer na China capaz de dizer com segurança quando a difusão do vírus será contida e a economia voltará à normalidade. A China sozinha respondeu por 66% do crescimento mundial no ano passado, e o Goldman Sachs já revisou para baixo suas expectativas de crescimento para economia chinesa em 2020, de 5,9% para 5,5%.
A Bloomberg estima que a demanda petrolífera da China tenha caído cerca de três milhões de barris por dia, ou 20% do consumo total, depois que o coronavírus se disseminou, matando até o momento mais de 360 pessoas e infectando mais de 17.000 na segunda maior economia do planeta.
Segundo o mesmo veículo, dezoito de quarenta refinarias de petróleo em operação na China podem reduzir a jornada ou mesmo fechar completamente.
Em suma, essa queda provavelmente constitui o maior choque de demanda que o mercado petrolífero sofreu desde a crise financeira mundial de 2008-09, bem como a mais repentina desde os ataques de 11 de setembro, ainda segundo a Bloomberg.
A Moody’s Analytics afirma que a crise pode “afundar o preço do WTI em 43% em relação à cotação atual”. Um gráfico publicado pela agência mostra o barril de petróleo norte-americano abaixo de US$ 40, ou 25% abaixo dos níveis atuais.
Tudo isso prova que os sauditas não têm outra escolha a não ser reprimir a oferta.
Mas será que a demanda chinesa cairá de forma mais rápida e intensa a ponto de neutralizar esses cortes?
Essa é a questão que o mercado de petróleo tentará responder.