Este é o quinto texto da Série Especial "Inflação nos EUA: a Batalha entre Fed e Mercado"
Sabemos muito bem que de pouco adianta ter os juros no lugar certo, mas a economia no lugar errado. A taxa monetária em baixa pode ser antes o sintoma da doença e menos o remédio contra a mesma. Dúvidas se avolumam entre economistas e investidores sobre se seis é diferente de meia dúzia neste caso, e o mercado olha com apreensão a dinâmica dos juros mais longos nos EUA, em especial os contratos de 10 anos.
Por aqui, os efeitos de uma eventual alta dos juros longos nos EUA, aqueles que em tese estão fora do alcance do todo poderoso Federal Reserve (Fed), podem trazer constrangimento ao Real a despeito de uma melhora significativa dos nossos Termos de Troca. A moeda brasileira tradicionalmente sempre andou de mãos dadas com os preços das commodities, mas aparentemente esta relação se rompeu em 2020 criando toda sorte de interpretações. Na minha opinião, o Real seguiu se enfraquecendo a despeito da alta das matérias primas, dado o patamar baixo da taxa de juros doméstica em termos relativos.
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Não importa aqui o patamar em si da taxa Selic, mas antes sua taxa real e, principalmente, a taxa ajustada pelo risco, ou seja, Selic menos o CDS (medida usual de risco soberano no mercado de capitais). Sob estas duas óticas, a taxa de juro brasileira está baixa em relação aos pares emergentes e uma eventual alta do complexo de taxas de juros nos EUA podem tornar ainda menos interessante nossa moeda frente os olhares de estrangeiros.
Nesse texto não me interessa particularmente falar do Real, mas antes se indagar o porquê dos juros norte-americanos de 10 anos não estão subindo de maneira mais decidida. O receio geral é que os planos de incentivo econômico do presidente Joe Biden possam fazer “na marra” o que os abissais programas de injeção do Fed não fizeram de maneira indireta, a saber, jogar dinheiro direto na mão dos consumidores e criar pressões inflacionárias difusas.
De fato, desde o início da pandemia, o conjunto de rendimentos dos norte-americanos passaram por dois choques positivos relevantes; o primeiro com a primeira leva de cheques assinado pelo ex-presidente Donald Trump ano passado, e agora uma onda ainda maior de dinheiro caiu na mão do cidadão com o carimbo de Biden. E não estamos falando de pouco dinheiro, o tamanho do pacote de Biden é estimado em US$ 3 trilhões, o que numa taxa de câmbio de R$ 5,00 – para facilitar as contas – dá R$ 15 trilhões ou mais de duas vezes o PIB brasileiro.
O receio inflacionário bateu na porta na semana passada, quando o IPC veio o quadruplo do planejado, subindo 0,8% no mês quando o projetado era 0,2%. Os juros reagiram em alta como esperado, mas em pouco tempo se acalmou o mercado de títulos, como que dizendo “esta inflação é transitória”. Minha preocupação nem é a inflação, de fato a alta das commodities alimentares e energéticas tendem a se acomodar num futuro próximo. Minha preocupação é outra.
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Se de fato os 3 trilhões de Biden chegarem ao chão da fábrica, isto implica dizer que a economia dos EUA devem experimentar um rápido crescimento e, assim, o dinheiro que estava debaixo da saia do Tesouro norte-americano com medo das trovoadas da economia em pandemia e ainda na ressaca de 2008 devem procurar o que fazer no mundo “real”. Ao se desfazerem de títulos, o preço destes caem, fazendo assim que os juros subam. Isto é o esperado para acontecer em uma situação de efetiva melhora econômica, criando uma inflação de ativos (entre eles bolsa, mas não só).
O fato dos juros não terem retornado ao patamar pré pandemia indica que algo ainda mais sinistro pode estar ocorrendo no mundo das altas finanças. A emissão monetária nos EUA ano passado deixou as de anos anteriores com cara de marolinha e isto pode ter jogado de vez para o chão a estrutura a termos dos juros por lá. Se isto é verdade, o único efeito esperado é inflação de ativos, incluindo aí de commodities a bitcoins, e isto pode ter efeitos permanentes nas taxas de retorno esperadas na economia, afinal se o preço de um ativo sobe, mas o retorno deste mesmo ativo permanece estável, isto implica dizer que as taxas de lucro irão colapsar em algum momento.
Como eu disse, não adianta ter os juros no lugar certo e a economia no lugar errado. O Fed precisa desinflar os títulos longos alterando a taxa curta para fazer este dinheiro correr para a economia de fato. Algo parecido é necessário ser feito pelo nosso Banco Central: um presente que vale tão caro faz do futuro um lugar menos interessante.
Confira abaixo os três textos anteriores da Série:
Texto 1: O Debate Global Sobre Inflação, por Roberto Padovani
Texto 2: Reflação e Taxas de Juros Americanas, por Julia Braga
Texto 4: Inflação Americana e Estímulos Monetários e Fiscais, por Jason Vieira