Caso de estudo
Sou da opinião de que há, no mercado financeiro, um vasto campo de pesquisa para os profissionais de saúde mental. Bancos e corretoras são verdadeiros mundos à parte nos quais, tenho absoluta certeza, a incidência de determinados transtornos é muitíssimo maior do que na população em geral. Um dia alguém há de conduzir estudos que comprovem minha hipótese — pode escrever.
Sigo conjecturando: desconfio que haja aqui tanto um fator ambiental quanto uma espécie de seleção natural. Por um lado, a exposição prolongada a um ambiente de trabalho especialmente hostil e inerentemente instável há de provocar alterações no funcionamento do organismo humano. Por outro, indivíduos com determinadas características biológicas hão de se sobressair nesse ramo de atuação.
Pululam as mesas de trading indivíduos com agressividade acima da média; sujeitos inquietos, ansiosos. Não raro, hábitos de vida ruins contribuem ainda mais para quadros de saúde complicados.
Em pouco mais de uma década de mercado, vi gente enfartar e morrer na mesa. Convivi com incontáveis casos de abuso de psicotrópicos de todo tipo. Ouvi tiros de suicídio no finado pregão viva-voz.
Bancos, corretoras e granjas
Certa vez me contaram a seguinte história, que tomo como verdadeira:
Uma granja moderna é um ambiente estritamente controlado. Com o objetivo de acelerar o ciclo de corte, o frango não só recebe hormônios como é submetido a um ciclo de vida artificialmente mais curto para acelerar seu metabolismo: intervalos mais curtos entre cada refeição, combinados com o acender e apagar de luzes e variações de temperatura têm como finalidade simular a passagem de dias e noites em um ritmo além do normal.
Uma das consequências é que a frequência cardíaca desses animaizinhos é muito superior à normal. Tamanha é a diferença que, se submetidos a situações de estresse (nunca saia correndo e gritando dentro de uma granja…), podem morrer em massa.
Por vezes tenho a nítida impressão de que há um intercâmbio de melhores práticas entre bancos, corretoras e granjas.
Uma combinação perigosa
Em complemento à equação, jornalismo vive de sangue. A competição pela sua atenção se dá mediante um esforço constante em permanecer dramático: capturá-lo provocando seus instintos mais básicos. Se isso parece evidente em programas tipo Datena, talvez não o seja, na mesma medida, nos noticiários econômico e político.
Mas eu lhe garanto: está lá. Todas as chances de amplificar um conjunto de fatos para criar uma narrativa que o deixe em polvorosa serão aproveitadas.
Agora imagine o seguinte: o pessoal lá de cima, com os nervos à flor da pele, come o noticiário em todas as suas refeições diárias.
É ou não é uma combinação perigosa?
Eles querem você ansioso
Onde você entra nessa história? Você é o cliente. Você gera receita a cada compra e cada venda: cada mudança de ideia sua se traduz em faturamento para quem está do outro lado do balcão.
Diante de uma realidade inerentemente incerta, uma ampla gama de estímulos contraditórios e a interface com verdadeiros poços de ansiedade do outro lado da linha, o risco de se tornar o frango da granja é permanente.
Todos agem no sentido de mantê-lo permanentemente preocupadíssimo com o curto prazo, com o próximo movimento da ação, com o próximo fato político. Se depender dessa indústria, você vai dormir mal; vai gastar fortunas com ansiolíticos e deixar na mesa boa parte do seu patrimônio em corretagem.
Eles querem você ansioso e operando. É mais lucrativo assim.
Suas escolhas
Você tem basicamente duas escolhas: pode se deixar levar, na esperança de vencer em um jogo cujas chances são francamente viciadas em favor da banca…
…ou pode assumir uma postura completamente diferente, dessensibilizada aos ciclos de depressão e euforia inerentes ao mercado.
Não me interprete mal: não estou sugerindo que você ignore o mundo a seu redor, tampouco minimizando a gravidade do momento que vivemos. Estou, isso sim, lhe alertando que há todo um arcabouço cujo objetivo é fazê-lo extremamente reativo às circunstâncias que se apresentam, sejam elas positivas ou negativas.
E a experiência demonstra que, em grande parte dos casos, o sucesso no mercado advém precisamente da capacidade de se distanciar do minuto-a-minuto para enxergar a big picture. Focando no essencial.
De um lado, a overdose de estímulos da Times Square (NYSE:SQ). Do outro, a paz e minimalismo de um jardim zen.
Retrato de hoje
Feitas todas essas considerações, uma foto do dia:
Por aqui, repercussão do noticiário tenso do final de semana, com delações ampliando pressão sobre o governo. Aversão a risco se traduz em bolsa predominantemente no campo negativo e volatilidade no mercado de juros — os mais longos subiam com mais força mais cedo e, no momento em que escrevo essas linhas, são um pouco mais comportados.
Lá fora, desempenho misto: por um lado, alta do petróleo após sinalização de adesão de não-membros ao corte de produção da OPEP impulsiona empresas de energia mundo afora. Mesmo vigor não se vê nos demais setores, do que resulta mercado morno em EUA e Europa.
A madrugada foi de tensão na Ásia, com preocupações crescentes relacionadas aos mercados de propriedades e ações na China.
Mas seguimos, em meio a águas revoltas, rumo ao outro lado da margem… respire fundo e se atenha ao essencial.