Taxas altas no Tesouro Direto: o que elas realmente representam?

Publicado 13.02.2025, 06:05

Olá, pessoal! O patamar das taxas de juros no país, principalmente se comparado com o passado recente, está bem alto. E no Tesouro Direto, claro, não é diferente. Em minha singela opinião, estamos vivendo um momento altamente propício para formação de carteiras de investimentos destinados ao nosso futuro (longo prazo), como por exemplo para quando nos aposentarmos ou para comprar um carro bacana, fazer uma viagem dos sonhos ou qualquer coisa que você queira comprar lá na frente. Imaginar que taxas reais de juros continuarão na casa dos 7% ao ano por décadas é impensável (e seria avassalador para o país).

Existe um conceito bem legal em Economia e Finanças que consiste na substituição intertemporal do dinheiro ou, mais especificamente, do consumo (isto é, aquilo que o dinheiro compra). Termo bastante técnico para algo, em resumo, simples: a troca do consumo hoje pelo consumo no futuro. Claro que ao deixarmos de consumir hoje, estamos postergando a realização da felicidade ligada àquele consumo e tudo deixado para frente tem lá suas incertezas - afinal, estaremos vivos até lá? Com isso, uma boa troca intertemporal consiste em postergar hoje para ter mais no futuro.

Decerto, a métrica correta para medir esse maior consumo é o dinheiro, mas ele precisa “estar na mesma moeda”. Quando digo “na mesma moeda”, a interpretação precisa ser obviamente não apenas na mesma moeda em si (dólar, real, euro etc.), mas também sem o impacto inflacionário ao longo do tempo. O Real (R$ - moeda brasileira) hoje não é o mesmo Real daqui a um ano porque a inflação destruirá parte do seu poder de compra de hoje até lá na frente. Neste artigo, chamaremos a moeda Real de hoje de moeda presente.

Para dimensionar essa troca intertemporal de consumo, busquei fazer algumas contas de maneira bem realista (e com o mínimo de aproximações, que apenas simplificam o raciocínio e causam desvios absolutamente insignificantes). Para isso, utilizei os títulos da série NTN-B disponíveis no Tesouro Direto, com preços e taxas tomados no dia 11 último (quando escrevia este artigo). Os títulos NTN-B (aqui incluímos os títulos Tesouro IPCA, Educa+ e Renda+) são aqueles atrelados ao IPCA e funcionam bem para este exercício exatamente por serem corrigidos pela inflação.

Entretanto, a inflação não pode ser completamente desprezada porque pagaremos imposto de renda sobre ela! Assim, quanto maior a inflação até o vencimento do título, maior o IR a pagar e, consequentemente, menor o montante a receber em moeda presente. Uma premissa que utilizei para os cálculos abaixo apresentados foi estimar o IPCA como 4% ao ano em média até o vencimento de cada título. Diga-se de passagem, a sensibilidade dos resultados a esta premissa é razoavelmente pequena e pode ser deixada de lado frente às conclusões desse artigo.

Outra consideração importante é a taxa de custódia a ser paga ao final, ou seja, no(s) resgate(s). Aliás, essa foi uma bela mudança do Tesouro Direto a partir deste ano: a taxa de custódia, antes paga todo semestre, passará a ser paga apenas no(s) resgate(s) - ou na venda antecipada do título, se for o caso. Para o Tesouro IPCA, a taxa de custódia é 0,2% por ano do total do montante acumulado à época. Para o Educa+, há isenção da taxa de custódia para rendas até 4 salários-mínimos (e taxa de 0,1% ao ano para valores de rendas acima). Já para o Renda+, há isenção da taxa de custódia para rendas até 6 salários-mínimos (e taxa de 0,1% ao ano para valores de rendas acima deste limite).

Para você aprender toda a matemática por detrás dos resultados que apresentarei a seguir, eu preparei um vídeo bem didático explicando o passo e o deixei em meu canal no Youtube como você pode ver no começo do artigo. Com o vídeo, você será capaz de construir sua própria planilha e fazer todos os cálculos automaticamente e customizados à sua maneira! Aliás, esse é um belíssimo exercício para você aprender, de fato, toda a matemática por detrás desses títulos do Tesouro Direto. Lembro que, por uma razão que desconheço (apesar de minhas inúmeras solicitações), o site do Tesouro Direto não diz a renda estimada (pelo menos a renda bruta, que seria algo facílimo) para nenhum dos títulos que geram renda (Educa+ e Renda+, respectivamente por 60 e 240 meses) – eis aqui algo bem fácil para ser implementado por lá: alô alô Tesouro Direto!!!

QUE TAL UMA BOLADA PARA RECEBER LÁ NA FRENTE?

Vamos começar pelo Tesouro IPCA sem cupons, que não faz pagamentos intermediários e acumula a bolada para um pagamento único no futuro. O Tesouro IPCA 2040 estava na última terça-feira custando R$ 1.469,29 e, com os cálculos explicados no vídeo que preparei para vocês, acumularia em 15 de agosto de 2040 um valor líquido de IR e taxa de custódia igual a R$ 3.746,70 em moeda presente. Isso equivaleria a um multiplicador de 2,55: em outras palavras, as taxas atuais do Tesouro Direto permitiriam substituir o consumo de hoje por 2,55 vezes um maior consumo em agosto de 2040. Por sua vez, fiz as contas e percebi que investir no Tesouro IPCA 2050 renderia um consumo 5 vezes maior (tudo sempre em moeda presente, claro!). Observe que o efeito do tempo (10 anos a mais) não é linear, pois praticamente dobrou o montante acumulado ao passar do Tesouro IPCA 2040 para o Tesouro IPCA 2050.

A tabela abaixo mostra quanto você precisaria investir hoje para acumular a bolada de R$ 1 milhão. Eu prefiro pecar pelo excesso: reitero que esse valor é em moeda presente, pois na verdade, lá na frente você receberá mais do que R$ 1 milhão, já que tal valor será inflacionado pelo IPCA e já será líquido de IR e da taxa de custódia.

Como podemos perceber, para se tornar um milionário em 2040, você precisaria investir hoje menos de R$ 400 mil. E se você puder esperar por 2050, precisaria da metade desse valor! A reflexão que provoco é a seguinte: independentemente do seu custo de vida, será que não vale a pena se aproveitar das taxas atuais para quintuplicar o poder de compra do seu dinheiro em 25 anos? Claro que muitos fatores são relevantes para esta decisão, como a sua idade atual. Se você tem cerca de 20 anos, em 2050 você estará com 45 anos apenas... Acredite: o tempo passará muito rapidamente.

QUE TAL RECEBER UMA RENDA MENSAL POR 5 OU POR 20 ANOS NO FUTURO?

Pessoal, os títulos EDUCA+ e RENDA+ não acumulam o seu investimento para um único pagamento (exceto, claro, se você resolver vender antes do vencimento), mas sim para uma série de pagamentos mensais corrigidos mensalmente pelo IPCA. A tabela abaixo apresenta os resultados para uma renda mensal de R$ 6 mil por 5 anos ou por 20 anos a partir de 15 de janeiro de 2040 (ou seja, em aproximadamente 15 anos). Também apresento os mesmos cálculos para o título mais longevo do Tesouro Direto: o RENDA+ 2065, cuja renda inicia em 15 de janeiro de 2065 e vai até 15 de dezembro de 2084 - 59 anos adiante!

Eu não sei vocês, mas acho os resultados da tabela acima simplesmente maravilhosos. Investir hoje cerca de R$ 120 mil para ter uma renda mensal líquida de R$ 6 mil por cinco anos a partir de 2040 é fascinante. Agora, imagine um jovem de 20 anos que investe pouco menos de R$ 53 mil e garante uma renda mensal de R$ 6 mil por 20 anos quando ele estiver com 60 anos, idade ainda considerada jovem e abaixo da idade mínima atual para aposentadoria pelo INSS? Claro, você deve ajustar os valores acima para a sua realidade e padrão de vida. E se você for como eu, vai querer garantir uma vida tranquila no futuro a partir de já.

Pessoal, meu intuito é sempre mostrar para vocês o quanto vale a pena investir no longo prazo. Precisamos enraizar isso em nossa cultura, a começar pela educação de nossas crianças! Sei que é difícil lutar contra a realização imediata da felicidade através de uma roupa legal ou um jantar mais refinado, mas a causa vale! Se essa cultura se enraizar em nossa sociedade, formaremos gerações mais bem preparadas financeiramente e menos expostas às injustiças sociais. No limite, teremos bem menos desigualdades sociais. É essa, em última instância, a minha luta. Uma luta árdua porque os resultados são no longo prazo, exatamente como os investimentos.

Comentários abaixo são muito bem-vindos. Forte e respeitoso abraço a todos vocês.

* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Certificado pelo CNPI e Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros. Além disso, ele é Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças e Sócio-Fundador da CHC Finance e da Four Capital. Campani pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na quinta-feira.

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