Este artigo foi escrito exclusivamente para o Investing.com. Publicado originalmente em inglês em 14/05/2021
- Governos perdem poder rapidamente quando as pessoas passam fome
- Rússia é o maior país exportador de trigo do mundo
- Relações tensas entre Rússia e EUA e o bull market nas commodities aumenta o poder do presidente Putin
- Máxima plurianual no contrato futuro de trigo que serve de referência mundial
- Atenção com o clima nas próximas semanas e meses – WEAT é o ETF de trigo na CBOT
Inúmeros participantes do mercado acreditam que o petróleo seja a commodity mais política do mundo. Como mais da metade das reservas globais encontram-se no Oriente Médio sob o controle da Opep e da Rússia, os eventos nessa turbulenta região impactam os preços de energia. O petróleo é uma commodity política, já que o cenário geopolítico foi responsável por fazer sua cotação subir ou cair nas últimas décadas. Embora o aumento da produção norte-americana tenha diminuído a influência da Opep+ nos últimos anos, a mudança da política energética do país sob o governo Biden está fazendo com que o cartel retome parte do seu poder de precificação.
À parte isso, a nutrição é um fator crítico para sustentar a vida. O trigo é o principal ingrediente do pão e um produto alimentar essencial. Ao longo da história, o trigo tem sido muito mais político do que o petróleo, já que a alta dos seus preços e sua escassez de oferta já fizeram cair diversos governos. Quando as pessoas passam fome, a culpa é dos seus líderes.
O exemplo mais recente aconteceu em 2008, durante a Primavera Árabe, que mudou os cenários políticos na África do Norte e Oriente Médio. A mudança política que varreu a região começou com uma série de revoltas do pão na Tunísia e Egito, diante da alta dos preços do trigo. Na semana passada, os valores do trigo atingiram seu nível mais alto desde o início de 2013, o que pode ter repercussões governamentais em todo o mundo.
Governos perdem poder rapidamente quando as pessoas passam fome
As críticas dos cidadãos aos seus governos vêm desde tempos remotos. Algumas formas de governos aceitam melhor as críticas do que outros, mas nenhum líder é capaz de deixar feliz toda a sua população. Revoltas e revoluções já ocorreram por muitas razões ao longo da história, porém a fome generalizada é uma das principais causas de quedas de regimes.
As dificuldades econômicas que levaram à Revolução Francesa são geralmente caracterizadas por uma famosa fase de Maria Antonieta, a Rainha da França, durante a revolta. A história diz que sua resposta ao fato de que sua população não tinha pão para comer teria sido: “Qu’ils mangent de la brioche”, ou “Que comam brioche!”. A rainha perdeu a cabeça na guilhotina.
Não faltam exemplos na história de governos que entraram em ruína por causa da fome sofrida por sua população. Nos EUA, uma das razões para o rompimento da Confederação durante a Guerra Civil foram as revoltas do pão em abril de 1863, quando o Sul ficou sem comida. Como o trigo é o ingrediente primário do pão, seu histórico como commodity política é bastante vasto. Muito antes de o petróleo mover o planeta, o pão movia nossas vidas através da nutrição.
Rússia é o maior país exportador de trigo do mundo
Em 2020, a Rússia foi a maior exportadora desse essencial insumo no mundo. Suas remessas ao exterior na safra 2020/2021 foram de cerca de 38 milhões de toneladas. Os Estados Unidos ficaram na segunda posição, exportando quase 27 milhões de toneladas, seguidos da União Europeia, com 25,5 milhões.
Nas décadas de 1960, 70 e 80, a Rússia dependia de importações. Em 1985, o país importou o recorde de 47 milhões de toneladas.
Quando o governo russo se deu conta de que seu poder dependia da alimentação da população, tomou iniciativas concretas para se tornar uma das maiores nações produtoras do insumo. Melhorias tecnológicas aumentaram a produtividade das plantações. A construção de portos e outras infraestruturas logísticas permitiu a exportação do excedente de trigo.
Atualmente, a Rússia é a terceira maior produtora de trigo, atrás apenas da China e da Índia.
Fonte: Knoema
As populações da China e Índia são de em torno de 1,4 bilhão de pessoas. Já a população russa é de cerca de 145 milhões. Os russos produzem mais da metade do volume da China e Índia, com aproximadamente um décimo da sua população. Por isso, os russos têm trigo de sobra para compartilhar com o resto do mundo a cada ano. O presidente Putin está ciente do poder proporcionado pela liderança nas exportações da commodity mais política do mundo. Na segunda posição, o petróleo também está na linha de frente, abastecendo o mundo como commodity energética.
Relações tensas entre Rússia e EUA e o bull market nas commodities aumenta o poder do presidente Putin
As relações entre Rússia e EUA continuam estremecidas. O presidente Biden chamou seu congênere russo de “assassino” e o culpou pela interferência nas eleições americanas. Enquanto isso, o presidente Putin se ocupava de assumir posição central no controle das duas commodities mais políticas do mundo: o trigo e o petróleo.
A Rússia se tornou um player estratégico no petróleo ao se aliar à Opep em 2016. Quando o óleo bruto caiu no início de 2016, os russos ingressaram no cartel. Como aliado do Irã na Síria, o presidente Putin viu a oportunidade de expandir seu âmbito de influência no Oriente Médio, diante da necessidade de a Arábia Saudita, inimiga mortal do Irã na região, firmar-se dentro da Opep. Atuando como ponte entre os dois inimigos, o ministro do petróleo da Rússia, Alexander Novak, cooperou com a política de produção, a fim de desafiar o poder cada vez maior dos EUA no mercado mundial de petróleo. Ainda que a Rússia e a Opep tenham sofrido com o crescimento do shale oil americano, a cooperação reforçou a presença russa no cartel. A eleição de 2020 mudou a política energética dos EUA, com o presidente Biden prometendo combater a mudança climática com a restrição ao combustível fóssil no país através de mais regulação. Em seu primeiro dia de mandato, o líder americano cancelou o projeto do oleoduto Keystone XL. Mais regulamentações capazes de reduzir a produção estão por vir. A extração diária nos EUA sofreu um declínio em relação ao recorde de 13.1 milhões de barris por dia (mbpd) para 10,9 mbpd no fim de abril.
Na esteira da queda de produção dos EUA cresce a influência da Opep no mercado petrolífero. Com os russos envolvidos em todos os aspectos da política de produção, estão livres agora para controlar o mercado petrolífero nos próximos anos.
Ao mesmo tempo, como maior exportadora de trigo do mundo, a Rússia está bem posicionada para controlar mais uma das commodities políticas do mundo: o principal ingrediente do pão. A tensão nas relações entre EUA e Rússia só aumenta o desejo de Putin de assumir o controle e ter vantagem competitiva sobre os EUA nos mercados mundiais. Diante da influência russa sobre os mercados responsáveis pela energia e alimentação do mundo, o poder do presidente Putin cresceu de forma dramática. Com os mercados de trigo e petróleo em suas mãos, seu poder é tanto maior quanto mais sobem os preços dessas commodities.
Máxima plurianual no contrato futuro de trigo que serve de referência mundial
Em abril, o preço de todos os grãos disparou, e com o trigo não foi diferente. O contrato futuro do trigo suave vermelho de inverno na CBOT é a referência dos preços mundiais do insumo. Na semana passada, o preço explodiu e atingiu nova máxima.
Fonte: CQG
O gráfico mensal mostra a alta até US$7,73 por bushel, maior preço desde fevereiro de 2013. O trigo com entrega mais próxima era negociado a mais de US$ 7,60 no fim da semana passada.
Enquanto outros mercados de grãos e sementes oleaginosas apresentam profundo backwardation, a curva a termo do trigo está relativamente achada até março de 2022.
Fonte: Barchart
A curva a termo do trigo mostra que a expectativa do mercado é que os preços continuem fortes no futuro próximo.
O domínio russo na arena internacional do trigo se traduz em poder de influenciar os preços. Qualquer proibição ou tarifa de exportação do trigo pode fazer os preços disparar, já que a Rússia é determinante no equilíbrio do mercado.
O trigo é a commodity mais política há séculos, e seus preços e oferta continuarão sendo um complexo labirinto geopolítico em 2021.
Atenção com o clima nas próximas semanas e meses – WEAT é o ETF de trigo na CBOT
O clima na China, Índia, Rússia, EUA e União Europeia, bem como no Canadá, Austrália e outros países produtores do trigo, determinará a direção dos preços do grão. Condições secas em qualquer região podem gerar escassez do produto. Os preços já estão nas alturas na primeira metade de maio, e o caminho de menor resistência é para cima.
A rota mais direta para uma posição de risco no trigo é via contratos futuros e de opções negociados na divisão CBOT da CME. O fundo Teucrium Wheat (WEAT) fornece uma alternativa ao mercado futuro. O resumo do fundo e suas principais participações são:
Fonte: Yahoo Finance
O gráfico mostra que o WEAT detém três contratos de trigo na CBOT que minimizam o impacto dos riscos de rolagem de um mês para o outro. WEAT possui US$95,864 milhões em ativos sob gestão. O ETF negocia em média 541.835 cotas por dia. Barchart estima que a atual taxa de administração seja de 3,14%.
O contrato de trigo futuro na CBOT subiu de US$5,9225 no dia 31 de março até a máxima de US$7,6950 em 27 de abril, ou cerca de 30%.
Fonte: Barchart
Desde a mínima de 31 de março, o fundo WEAT subiu de US$ 5,76 para US$ 7,42 por cota ou 28,8%. A taxa de administração e a combinação dos três contratos respondem pelo baixo desempenho do ETF. mas o WEAT realiza um excelente trabalho de rastrear o preço do trigo futuro na CBOT.
O trigo é a principal commodity política. Com a alta dos preços, o principal ingrediente do pão deve assumir um papel cada vez mais importante no cenário geopolítico.