(Texto #5 da Série: Conceitos Teóricos em Valuation)
No primeiro texto desta série sobre Valuation, chamei o WACC de “famigerado” porque ele é amplamente utilizado em diferentes tipos de análises (empresas, projetos e produtos), mesmo quando sua utilização não é consistente sob o aspecto teórico-conceitual (e haveria alternativas simples). Se você está chegando por aqui agora, sugiro que leia os quatro textos anteriores desta série, pois eles constroem o racional teórico para chegarmos até aqui.
Neste quinto texto da série, dividirei com vocês cinco erros comuns que vejo no mercado em relatórios de avaliação que utilizam a metodologia de fluxos de caixa descontados via WACC.
1) O WACC, quando utilizado como taxa de desconto, tem como premissa utilizar os fluxos de caixa gerados pelos ativos após todas as despesas (inclusive impostos) CONSIDERANDO QUE OS ATIVOS SEJAM 100% FINANCIADOS POR ACIONISTAS, ou seja, supondo uma empresa sem nenhuma dívida. O ajuste da estrutura de capital (ou seja, da dívida) se dá precisamente pelo ajuste na taxa de desconto (WACC): o benefício fiscal não pode ser contabilizado no fluxo de caixa porque já é considerado na taxa de desconto. No exemplo da semana passada, aqui nesta coluna, o fluxo correto para ser descontado pelo WACC correspondia aos R$ 264 milhões e a nenhum outro valor (vale a pena você revisitar o exemplo didático da semana passada). Já vi relatórios de valuation trabalhando com os fluxos de caixa efetivos da companhia, ou seja, considerando o efeito fiscal da dívida e descontando pelo WACC: um erro crasso, pois o benefício fiscal é considerado DUAS vezes, no fluxo e na taxa.
2) O WACC tradicional tem a premissa fundamental de que a estrutura de capital da empresa (razão entre dívida e patrimônio líquido) se manterá constante. A maioria dos relatórios sequer comenta que essa premissa está sendo considerada. Um bom relatório de valuation que utilize o WACC de maneira tradicional precisa esclarecer que esta é uma importante premissa e, o que talvez seja mais importante, argumentar em prol dessa premissa. Já vi relatórios de valuation de startups usando o WACC com a estrutura atual e pronto, acabou... Quando na verdade, a estrutura de capital mudaria radicalmente com o passar dos anos, isto inclusive estando implícito pelos fluxos de caixa (a acionistas e a credores) explicitados no mesmo relatório. Neste caso, o correto seria utilizar WACCs que variam ao longo dos anos com a variação da estrutura de capital da empresa, até se atingir a estrutura considerada ótima e “de voo de cruzeiro”, que poderá ser levada ad aeternum (da mesma forma como fazemos com o fluxo de caixa, que se estabiliza somente na perpetuidade).
3) Há casos bastante comuns no mercado (ou seja, longe de serem exceções) nos quais a fórmula tradicional do WACC, presente nos livros-textos e em buscas no Google (NASDAQ:GOOGL), não funciona e que, portanto, precisa ser ajustada. No terceiro texto dessa série, apresentei as fórmulas ajustadas para dois casos corriqueiros no Brasil: companhias com ações preferenciais e companhias que remuneram seus acionistas com juros sobre capital próprio. E agora apresento um terceiro exemplo no qual a fórmula tradicional não funciona: quando aplicamos a perpetuidade com taxa de crescimento, a fórmula tradicional para o WACC não deve ser aplicada. Em meu artigo publicado pela Applied Mathematical Sciences, demonstro que o crescimento (g) precisa ser considerado no WACC. Matematicamente, a fórmula do WACC nesse caso ficaria conforme abaixo (com a premissa, claro, de que a razão dívida e capital próprio se mantenha constante):
Chamo a atenção para este caso, pois é muito comum e, sinceramente, não me lembro de um relatório com a premissa de crescimento na perpetuidade e que considere a fórmula acima. Um erro de poucos pontos-base na taxa de desconto pode gerar um erro relevante no valor da companhia avaliada.
4) Jamais calcule o WACC com valores contábeis para a dívida ou para o patrimônio líquido. Valores de mercado sempre devem ser utilizados, sejam valores atuais ou mesmo projeções de mercado para o futuro. Por exemplo, se uma empresa tem dívidas com valor contábil total de R$ 10 milhões, mas conseguiria quitá-la à vista por R$ 9 milhões, este último é o valor que deve ser considerado.
5) O WACC reflete o custo de oportunidade da empresa e considera tanto o risco (isto é, a incerteza) dos fluxos de caixa dos seus ativos quanto a estrutura de capital da empresa em questão. Quando se utiliza o WACC para novos projetos que a companhia avalia entrar ou não, é necessário ter muito cuidado ao se utilizar o WACC como taxa de desconto para os fluxos deste projeto. Há diversas premissas envolvidas, sendo que as duas principais são: (i) o risco do projeto deve ser bastante semelhante ao risco da empresa como um todo, e (ii) a estrutura de capital que financiará este projeto deve ser espelhada na estrutura de capital da empresa. Em muitas ocasiões, já pude observar projetos que não respeitavam (ao menos) uma dessas premissas e, mesmo assim, o WACC era (equivocadamente) utilizado.
Para fechar este texto, preciso salientar um ponto importante. Muitas vezes, a academia é (com razão) criticada pelo mercado por ser excessivamente teórica, esquecendo pontos práticos do “mundo real”, o que acaba por criar um distanciamento que não precisaria existir. Academia e mercado devem sempre andar lado a lado, um aprendendo e evoluindo com o outro. Academia e mercado jamais competem, mas se desenvolvem conjuntamente e um puxa o outro.
A boa teoria e o conhecimento alcançado pela humanidade precisam estar ao nosso lado e é isso que busco fazer em todos os meus textos: difundir conhecimento. Sim, precisamos ser pragmáticos e entender como a teoria melhor se ajusta à prática: isso é formidável e, muitas vezes, um desafio interessantíssimo (o qual, aliás, adoro resolver). Portanto, quero reduzir esta distância entre academia e mercado. Se pudermos fazer o cálculo correto do WACC, de maneira consistente com o arcabouço teórico que o define, por que não o fazer? O conhecimento está aí, cabe a nós utilizá-lo. E de maneira correta, sempre.
Forte abraço a todos.
Confira outros textos da série:
Texto 1 - Como Identificar um Bom Relatório de Valuation?
Texto 2 - Valuation: Metodologia FCD - Taxa Ajustada ao Risco e Avaliação Neutra ao Risco
Texto 3 - Valuation: O Que é WACC? A Fórmula do Livro Vale (SA:VALE3) Sempre?
Texto 4 - WACC, Fluxos de Caixa e Valuation: Um Exemplo Didático
* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Professor Pesquisador do Coppead/UFRJ e especialista em investimentos, previdência e finanças pessoais, corporativas e públicas. Ele pode ser encontrado em seu site pessoal e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai toda sexta-feira.