Em outubro do ano passado, um documento chamado “Harmonização de Entendimento” foi expedido pelo Escritório Regional da Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP) em Birigui.
Nesse documento, havia a afirmação de que “a empresa pode integralizar o capital social com Bitcoins/criptomoedas”.
Essa indicação no documento foi suficiente para que os mais desavisados afirmassem que a JUCESP teria mudado seu entendimento e, a partir de então, teria começado a permitir o uso de criptoativos na integralização do capital social de empresas.
Não demorou muito e a JUCESP emitiu comunicado afirmando que não confirmava a “informação divulgada em reportagens publicadas em jornais e portais de notícias” e que iria buscar um parecer oficial junto ao Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI).
Posteriormente, em dezembro, o DREI — órgão federal que possui a competência de estabelecer as diretrizes gerais do registro de empresas mercantis no Brasil — divulgou um ofício afirmando que não existem impedimentos legais para o uso de criptoativos na contribuição ao capital social de empresas.
Novamente, a criptoesfera brasileira comemorou com forte entusiasmo a tal “autorização” do DREI. Na mesma época, ao comentar o acontecimento para o Cripto Facil (CF), comentei que o ofício da autarquia não era uma autorização:
Como todos sabem, não existe, nas normas brasileiras, qualquer proibição ao uso de criptoativos. Assim, sendo lícita a sua utilização, bem como, à luz do que está disposto no Código Civil (art. 997), é perfeitamente factível que qualquer criptoativo (até mesmo uma stablecoin, por exemplo) seja utilizado na contribuição ao capital social de uma empresa.
Alguns Conceitos
De antemão, peço desculpas aos leitores, mas alguns conceitos jurídicos precisam ser expostos.
Nosso Código Civil, bem como a Lei das S.A., possuem dispositivos que são categóricos ao afirmar que qualquer bem pode ser integralizado ao capital social, desde que ele seja passível de avaliação econômica em moeda corrente.
Isso significa que um carro, uma casa, uma máquina de lavar, um celular ou até uma cueca podem ser usados para a formação do capital social de uma empresa.
Por exemplo: se Joãozinho pretende abrir uma empresa de entrega com Zezinho, ele pode contribuir com duas motos para que elas sejam utilizadas pela empresa nas entregas.
As possibilidades são tantas que até bens intangíveis, como marcas, know-how e direitos autorais, são admitidos.
Era proibido?
Pois bem, se bens intangíveis são aceitos com tranquilidade pelas Juntas Comerciais, por que os criptoativos, cuja avaliação econômica é de fácil verificação, não poderiam?
Até hoje não sabemos os motivos que levaram o escritório regional de Birigui a emitir o documento, mas a verdade é que jamais houve qualquer proibição do uso de criptoativos na integralização do capital social.
Isto porque, uma das primeiras lições que aprendemos no início da faculdade de direito é que, em se tratando de direito privado, o que não é proibido pela lei é permitido.
Nesse sentido, como é de conhecimento de qualquer pessoa da criptoesfera, não há qualquer legislação que proíba a utilização, circulação e a compra e venda de criptoativos no Brasil.
Tanto é verdade que a prática revela que as Juntas Comerciais não apresentaram quaisquer óbices para o arquivamento de atos semelhantes.
Em 2018, o colega Rafael Steinfeld, sem qualquer discussão, arquivou, na Junta Comercial de Santa Catarina, um ato onde o capital foi integralizado com criptomoedas. O mesmo fato se repetiu em São Paulo sem que a JUCESP emitisse qualquer exigência.
Este colunista também já arquivou atos semelhantes na Junta Comercial do Rio de Janeiro sem qualquer dificuldade.
Assim, não existe qualquer impedimento para que uma pessoa utilize, por exemplo, um token emitido na rede da Ethereum, Tether ou Dogecoin para integralizar o capital de qualquer empresa no Brasil.
Aviso: O texto apresentado nesta coluna não reflete necessariamente a opinião do CriptoFácil.