Por Marcela Ayres
SÃO PAULO (Reuters) - Se o ano de 2014 não foi dos melhores para o varejo, 2015 promete pressão adicional sobre as companhias do setor no Brasil, que devem se deparar com o dilema de repassar preços e perder apelo em vendas, ou priorizar produtos mais baratos para seduzir os consumidores, sacrificando suas margens.
Segundo analistas e especialistas do setor, as recentes medidas fiscais do governo federal para aumentar a arrecadação devem ter impacto direto sobre a demanda, seja encarecendo a tomada de crédito com aumento do IOF, seja tornando os artigos mais caros pelo possível repasse de tributos mais altos.
Pelo menos para o início de 2015, as perspectivas sobre o desempenho do setor são mais modestas que um ano atrás. Em pesquisa com empresas associadas, o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) projetou um crescimento médio nas vendas de 5,2 por cento em janeiro, 4,8 por cento em fevereiro e 4,7 em março, na comparação com iguais meses do ano passado.
Em 2014, as estimativas do IDV para os mesmos meses eram de alta de 6,4 por cento em janeiro, 9,7 por cento em fevereiro e 6,9 por cento em março. A entidade representa empresas como Lojas Americanas e Magazine Luiza.
"A maior parte das empresas brasileiras estão bastante ajustadas em relação a despesas, estão com pouca gordura. Então provavelmente é isso que vai acontecer - o repasse aos consumidores nos preços dos produtos", afirmou o presidente da varejista de moda Lojas Renner, José Galló.
Ele ressalvou, no entanto, que diante dos desafios no ambiente macroeconômico, as companhias seguirão buscando eficiências antes de mexerem nos preços.
"Tenho certeza que todos vão procurar em primeiro lugar a eficiência, a racionalização e o que pode ser feito. No último caso que repassa. A gente sabe que mercado é competitivo", afirmou.
A cautela em elevar o valor dos produtos tem como pano de fundo um horizonte que se desenha ainda mais fraco para o varejo que no ano passado, quando a atividade do comércio teve, segundo a Serasa Experian, o pior desempenho em 11 anos. [nL1N0UM0I7]
Após o pacote com aumento de impostos anunciado na semana passada, que inclui elevação de tributos sobre combustíveis e importações, alguns economistas já preveem inflação acima de 7 por cento em 2015. [nL1N0UZ1G2]
Enquanto isso, a perspectiva do mercado financeiro para economia brasileira segue declinando. Relatório Focus, do Banco Central, divulgado nesta segunda-feira mostra redução nas expectativas de crescimento do PIB em 2015 de 0,38 para 0,13 por cento. [nL1N0V50D6]
"A inflação deverá seguir corroendo o poder de compra do consumidor, que irá filtrar ainda mais sua cesta de compras, dando preferência a produtos essenciais em detrimento daqueles supérfluos", afirmou a analista Maria Paula Cantusio, do BB Investimentos, sustentando que "o comércio varejista deve apresentar uma performance em linha ou abaixo da de 2014".
Após a última decisão do Banco Central de elevar a taxa básica de juros em 0,5 ponto percentual, a 12,25 por cento ao ano, a analista afirmou em relatório que o aperto monetário deverá acentuar a desaceleração da carteira de crédito voltada ao consumo, impactando a venda de itens duráveis, que são mais caros e dependentes de financiamento.
Para os não duráveis, a situação tampouco é confortável. No pacote da semana passada, o governo também anunciou que vai equiparar o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre o atacadista ao que é cobrado do industrial do setor de cosméticos, buscando com isso acabar com planejamento tributário que permitia às empresas pagar menos impostos.
Nas estimativas do Citi, a mudança aliada à alta do dólar deverá fazer a Natura passar adiante encargos para o consumidor, apesar da companhia já ter subido os preços em cerca de 10 por cento em 2014. O repasse dever impactar as vendas da empresa.
"Esperamos que a Natura suba os preços para compensar a taxação mais alta e para repassar um real mais fraco, o que nos leva a cortar nossa projeção para as vendas do grupo em uma média de 2 por cento em 2015-16", escreveu a equipe do Citi liderada por Alexander Robarts, em relatório divulgado nesta segunda-feira.
Procurada, tanto a Natura quanto a Hypermercas, que também vende produtos de beleza, não se pronunciaram.
Questionado sobre a possibilidade das varejistas absorverem os aumentos nos custos para ganharem em volume de vendas, o consultor em varejo Ricardo Pastore afirmou que em 2015 a tônica deve ser a proteção das margens.
"É lógico que sempre há preocupação em não perder mercado, e as empresas então pontualmente promovem grandes campanhas para buscar resultados de vendas. Mas a prioridade é garantir margens", disse.
PREÇO MAIS BARATO, VENDAS MAIS ALTAS?
Até para produtos cujo consumo é essencial, como alimentos, a gestão da variável preço em um ambiente econômico desafiador vem sendo complexa - mesmo quando a decisão é de não elevar os valores dos produtos para os clientes.
Nos últimos dois anos, o Grupo Pão de Açúcar, maior varejista do país, se ateve à estratégia de aplicar a economia obtida em despesas internas em preços mais baratos na sua divisão alimentar, que reúne as bandeiras Extra, Pão de Açúcar e Assaí, buscando com isso turbinar o tráfego de clientes em lojas.
Em 2014, contudo, as vendas em mesmas lojas, que consideram os pontos abertos há mais um ano, subiram 3,5 por cento nessa divisão, contra avanço de 8 por cento do arquirrival Carrefour no país. Embora o GPA utilize as vendas líquidas como referência e o Carrefour adote as vendas brutas, a diferença entre os números aponta, na visão de especialistas, que a estratégia da empresa brasileira pode não estar surtindo efeito como desejado.
"O GPA tem certo desalinhamento funcional entre o posicionamento que eles querem e o que é percebido pelo consumidor", afirmou o consultor de varejo Eugênio Foganholo, da Mixxer, em referência às ocasiões em que a rede é vista como mais sofisticada e, portanto, mais cara. O GPA não comentou o assunto.
"Acho que preço é um dos fatores para as varejistas em 2015, mas tem outros fatores que vão estar em jogo também", completou Foganholo, citando inovação e qualidade de atendimento como atributos de peso na decisão dos consumidores.