Por Geoffrey Smith
Investing.com – Os alarmes vão soar em Frankfurt nesta semana, enquanto o conselho dirigente do Banco Central Europeu se reúne e o euro volta para onde estava há 20 anos: valendo apenas um dólar.
Na última vez em que a moeda comum ficou tão fraca assim, o argumento era que se tratava, em grande medida, de uma quantidade desconhecida, que buscava ocupar o lugar do todo-poderoso marco alemão nos mercados internacionais de câmbio. Desta vez, é porque seus pontos fracos são bastante conhecidos.
O BCE elevará as taxas de juros pela primeira vez em uma década na quinta-feira, depois de ficar sentado por oito anos sobre a taxa básica abaixo de zero, pagando aos bancos para fazer empréstimos, em uma total perversão do capitalismo. Mesmo depois de quinta-feira, as taxas de juros reais – isto é, após ajuste da inflação – continuarão rendendo cerca de -10%.
Um vazamento bastante oportuno na terça-feira, sugerindo que o banco central discutirá uma alta de 50 pontos-base (pb), em vez dos 25 pb contratados, parece ter evitado o constrangimento de o euro ser negociado abaixo de um dólar. A moeda única disparou para US$ 1,0269 devido ao que os analistas classificaram como cobertura de posições vendidas.
E as notícias positivas para o euro não pararam por aí no dia. Citando uma fonte anônima, a Reuters informou que a Rússia deve retomar os fluxos do gasoduto de Nord Stream após o término do período previsto de manutenção nesta semana. Se confirmado, isso afastaria os temores de uma interrupção completa e imediata do fornecimento de gás para a maior economia da Europa, um dos maiores obstáculos para o euro nas últimas semanas.
No entanto, para que a moeda comum se firme ou até mesmo amplie os ganhos, muitas coisas precisam acontecer, quase todas fora do controle do BCE.
Primeiro, é preciso haver uma melhora nas tendências de inflação nos EUA que permita ao Federal Reserve parar de subir os juros de forma tão agressiva. Este é o ponto-chave da história brutalmente simples da desvalorização do euro frente ao dólar neste ano: a economia dos EUA está crescendo rápido o bastante para resistir às elevações de juros, o que não é o caso da zona do euro. Enquanto as autoridades do Fed falam em aumentar as taxas para 3,5% ou mais, os juros de mercado sugerem que o BCE não conseguirá ir além de 1,5%.
Em segundo lugar, a crise energética que assola a Europa precisa diminuir. Embora o fornecimento de gás da Rússia seja o principal ponto de pressão neste momento, a crise vai muito além disso. Uma grave ausência de nevascas nos Alpes durante o inverno pode reduzir a capacidade dos rios de gerar energia hidrelétrica e de refrigerar os velhos reatores nucleares da França, cada vez menos confiáveis. Os preços da eletricidade no país atingiram impressionantes 589 euros por megawatt-hora na terça-feira, nível insustentável para qualquer economia que faz uso intensivo de energia.
A energia e os alimentos responderam por cerca da metade da inflação anual de 8,6% registrada pelo Eurostat em junho. Embora cortes de impostos na Espanha, Itália e outros países possam reduzir os efeitos disso ao longo do ano, ampliam ainda mais seus déficits orçamentários.
O que nos leva ao terceiro ponto do que é necessário para uma virada no euro: a crise do governo na Itália precisa ser resolvida.
Isso não é impossível: via de regra, a cada 12-18 meses, a Itália vive uma crise governamental que, de uma forma ou de outra, é resolvida. A atual, no entanto, envolve muito mais do que a maioria das anteriores.
Os mercados financeiros querem continuar vendo Mario Draghi, ex-presidente do BCE e garantidor de uma política econômica ortodoxa, no cargo de primeiro-ministro. Draghi, ciente de que não tem um mandato popular, declarou que não pode continuar governando, a menos que o Movimento 5 Estrelas (M5S), de viés populista, volte para a coalizão, após se recusar a lhe dar um voto de confiança na semana passada.
O M5S desertou em protesto pela falta de apoio do governo a famílias de baixa renda que estão tentando lidar com a alta da inflação. Draghi até agora se recusou a abrir espaço para qualquer demanda por mais subsídios, pois precisa apresentar um orçamento capaz de persuadir a UE a aprovar 200 bilhões de euros de fundos de recuperação pós-pandemia.
Não há qualquer chance de que esse problema seja resolvido a tempo para a reunião do BCE na quinta-feira, o que evitará que a presidente Christine Lagarde se aprofunde em relação ao novo instrumento “antifragmentação” da instituição, cujo objetivo é evitar que as taxas dos títulos subam demais, enquanto o BCE finalmente começa a elevar os juros. Isso porque o instrumento provavelmente será condicional, dependendo especificamente do cumprimento das regras da zona do euro sobre gastos e empréstimos.
A realidade é que ninguém irá vencer a próxima eleição italiana com promessas como essa, não importa se o pleito acontecer neste ou no próximo ano.
Assim, ainda que o posicionamento do euro pareça esticado na paridade, pode facilmente ultrapassá-la no curto prazo se qualquer dos muitos riscos ao seu redor se materializar. Os analistas do JPMorgan (NYSE:JPM) (BVMF:JPMC34) revisaram seu alvo para a moeda para 0,95 no fim de semana. Mas, por enquanto, o drama da zona do euro parece estar sendo vivido – mais uma vez – nos mercados de títulos, em vez dos mercados cambiais.