Por Jessica Bahia Melo
Investing.com – O Brasil está "de volta ao jogo" no cenário internacional. É o que disseram especialistas ao Investing.com Brasil sobre a expectativa do encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o chinês Xi Jinping. O país pode aproveitar o momento de tensão acirrada entre a nação asiática e os Estados Unidos para manter uma postura sem alinhamento automático com nenhuma das duas potências, mas reforçar a pauta econômica e optar por um maior pragmatismo, na visão de analistas. A reunião presencial está prevista para esta semana, com ida de Lula ao país asiático prevista para 11 de abril. A comitiva deve incluir ainda ministros e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD). Saiba mais no vídeo abaixo:
Contexto da visita de Lula à China
A visita de Lula à China deveria ter ocorrido no final de março, mas precisou ser adiada por orientações médicas, pois o presidente estava com pneumonia. A pressa para a retomada das tratativas, com a repercussão do governo chinês de que queria o reagendamento o mais breve possível, foi vista pelos analistas como um reforço da importância do Brasil neste cenário de polarização nas relações geopolíticas mundiais.
“Estamos falando de uma grande potência e que tem uma forte importância internacional. Além disso, nesse terceiro mandato de Xi Jinping, ele está promovendo uma diplomacia muito ativa, portanto, a liderança deve estar com uma agenda muito cheia”, destaca Rafael Gonçalves de Lima, analista de Relações Internacionais que morou por dez anos no país e trabalhou em empresas do Partido Comunista e do governo chinês.
Ainda está prevista a participação de Lula na posse da ex-presidente Dilma Rousseff no comando do New Development Bank (NDB), também conhecido como o banco dos Brics. Dilma já assumiu o cargo, mas a solenidade em Xangai, na China, foi adiada devido à ausência do petista.
Aproximação com o parceiro comercial
A viagem representa uma retomada de uma relação mais multilateral do Itamaraty e a volta do Brasil para jogo de relações multilaterais e bilaterais, segundo Lima e Livio Ribeiro, pesquisador associado do Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE) e sócio da BRCG, especializado em China, economia internacional, países emergentes e setor externo brasileiro. “Na última administração, houve uma escolha de ter algum tipo de alinhamento até ideológico com a administração Trump, não com o governo americano, com os Estados Unidos. Não era uma política de estado em algum nível, era uma política de governo”. Lula também esteve com o presidente dos Estados Unidos Joe Biden em fevereiro. “Na verdade, ver os dois no intervalo curto de tempo é muito bom”, acredita.
A China é hoje o principal parceiro comercial brasileiro e passa por um momento delicado com o afrouxamento das medidas restritivas da política Covid-zero. Durou três anos, mas deixou marcas na economia, que cresceu aquém do esperado no ano passado. Além disso, a movimentação interna do Partido Comunista, com suas contradições, é fator relevante a ser considerado.
O que o Brasil pode ganhar com a reunião?
O Ministério das Relações Exteriores informou que pelo menos 20 acordos comerciais serão assinados durante a visita de Lula à China, incluindo protocolos sanitários, de produtos agrícolas, na área de educação, cultura, finanças, indústria, ciência e tecnologia.
Ribeiro não acredita em grandes ganhos objetivos, como acordos mais robustos na área comercial, ou venda de produtos, mas avalia que como benefício mais sutil, mas importante, está o reforço dos laços, o que é positivo e faz mais sentido neste momento. No entanto, um destaque foi o acordo fechado para permitir que transações sejam feitas diretamente de real para yuan por meio de plataforma de compensações do renminbi no Brasil, ou “clearing house”. A medida deve facilitar os fluxos bilaterais de comércio e serviços entre os países e ajuda a diminuir os custos para transações. A expectativa é de que as operações comerciais as duas nações sem uso de dólar tenham início em julho.
Transferência de conhecimento e tecnologia é um dos pontos que podem ser beneficiados, de acordo com Antônio Carlos Diegues, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Além de uma integração mais forte, a visita pode impulsionar a atração de investimentos chineses em áreas centrais para o novo paradigma tecnológico, de empresas que atuam em energia solar fotovoltaica, veículos elétricos, envolvendo o processo de descarbonização. “Podemos ter efeitos mais diretos também no financiamento de longo prazo de obras de infraestrutura, por meio do banco dos Brics, parcerias importantes na área militar e telecomunicações, onde a China tem vanguarda”. No agronegócio, é possível a abertura de novos mercados e contornar barreiras não-tarifárias, além de investimentos chineses para infraestrutura de escoamento de grãos, detalha o professor.
Comitiva esteve na China em março, mas sem Lula
Parte da comitiva já esteve na China, incluindo empresários e ministros. Na ocasião, direto de Pequim, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que a China suspendeu o embargo imposto à carne bovina do Brasil no começo de março.
Segundo Ribeiro, o primeiro momento com a atuação do ministro Fávaro na reversão dos embargos de proteína foi importante, mas a liberação já era esperada em algum nível, pois o caso de vaca louca no Brasil foi avaliado como atípico.
No entanto, para os empresários, os encontros foram mais esvaziados com a ausência do presidente, levando em conta a importância que os chineses dão a figuras e ritos.