O dólar subiu com força na sessão desta quarta-feira, 26, e superou a barreira técnica e psicológica e R$ 5,50, atingido o maior valor de fechamento desde janeiro de 2022. Além da onda de fortalecimento global da moeda americana e da alta das taxas dos Treasuries, movimento que castiga em especial divisas emergentes, o real sofreu hoje com aumento da percepção de risco fiscal doméstico. A moeda brasileira figurou entre as quatro divisas com mais perdas em relação ao dólar, ao lado de seus pares latino-americanos, entre eles os pesos mexicano e colombiano.
Operadores identificaram aumento da busca por hedge (proteção cambial) e movimentos especulativos em razão de nova leva de declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva críticas ao mercado financeiro e à agenda de corte de gastos. Em entrevista ao UOL, Lula descartou a possibilidade de desindexar pensões e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) da política de valorização do salário mínimo, umas das alternativas aventadas por economistas para conter despesas.
O presidente disse que o governo trabalha na revisão dos gastos públicos "sem levar em conta o nervosismo do mercado" e reiterou que considera despesas com saúde e educação investimentos. "As pessoas da Faria Lima pensam no lucro, e o Brasil precisa ter alguém que pensa no povo", disse Lula, em referência a uma avenida na cidade de São Paulo que abriga a elite do mercado financeiro.
Com as atenções voltadas à dinâmica fiscal, o mercado de câmbio deixou em segundo plano o resultado abaixo do esperado do IPCA-15 de junho e a publicação do decreto que estabelece meta de inflação contínua - pontos que, em tese, seriam favoráveis à diminuição da percepção de risco. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu a meta em 3% nesta tarde.
Com máxima a R$ 5,5264, o dólar à vista encerrou a sessão em alta de 1,19%, cotado a R$ 5,5194 - maior valor de fechamento desde 18 de janeiro de 2022 (R$ 5,5603). Em junho, a moeda já avança 5,12%, o que leva a valorização no ano a 13,72%. Em 2024, o dólar tem os maiores ganhos em relação ao iene, ao real e ao peso argentino.
O head da Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, afirma que há uma aversão a risco grande no exterior que pune divisas emergentes, com investidores buscando refúgio no dólar antes da agenda carregada de indicadores nos EUA nos próximos dias, em especial a divulgação do índice de preços de gastos com consumo (PCE) na sexta-feira, 28.
"O peso mexicano e o chileno estão se desvalorizando junto com o real hoje por questões externas, mas o real já perdeu muito valor contra essas moedas no ano", diz Weigt. "Se o governo sinalizasse manutenção da relação dívida/PIB para frente, o dólar estaria em R$ 4,90 e o juro longo no máximo em 9,50%".
Dados do Banco Central divulgados à tarde mostram que o fluxo cambial semanal voltou a ficar negativo. Entre 17 e 21 de junho, o buraco foi de US$ 1,699 bilhão, em razão da saída líquida de US$ 2,540 bilhões pelo canal financeiro. Do lado comercial, houve entrada líquida de US$ 841 milhões. Em junho (até 21) o fluxo cambial total é positivo em US$ 4,638 bilhão, graças à entrada de US$ 5,074 bilhões via comércio exterior.
Para o economista-chefe do Banco Pine (BVMF:PINE4), Cristiano Oliveira, há um "descolamento" da taxa de câmbio dos fundamentos das contas externas. Além da liquidação recentes de divisas emergentes, puxada pelo tombo do peso mexicano, o real sofre com as questões idiossincráticas domésticas, como o quadro fiscal e a desconfiança de que o Banco Central possa ser mais leniente com a inflação a partir de 2025, quando haverá troca no comando da instituição.
"Com as declarações recentes do presidente da República, o mercado colocou um peso maior na probabilidade de o quadro fiscal não ser benigno como se imaginava no final do ano passado" afirma Oliveira. "O governo vai ter que provar a cada resultado primário e a cada reunião do Copom que está realmente comprometido com as metas fiscais e que o BC é autônomo".
Divulgadas à tarde, as contas do Governo Central - que reúne Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central - apresentaram déficit de R$ 60,983 bilhões, acima da mediana de Projeções Broadcast (R$ 58,10 bilhões). Houve aumento real de 8,3% das receitas em maio na comparação anual, mas as despesas subiram 14%.
A avaliação de analistas é que as medidas gestadas no ministério da Fazenda para ampliar as receitas apresentam bons resultados, mas falta uma trava à expansão dos gastos dê sustentação ao novo arcabouço fiscal ao longo do tempo.
O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, afirmou hoje à tarde que as "sinalizações" do governo são de "apoio total" à equipe econômica. "Muitas vezes há interpretações sobre trechos das colocações, mas digo que o presidente tem nos apoiado de forma irretocável", afirmou Ceron. "Não vi nada novo nas falas do presidente. Estamos no estágio de apresentar a Lula o diagnóstico das despesas públicas".