Por Maria Carolina Marcello, Leonardo Goy e Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA, 18 Abr (Reuters) - A Câmara dos Deputados aprovou com folga a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, na noite do domingo, num resultado que mostra a fragilidade política a que chegou o governo, tornando praticamente irreversível o afastamento da presidente.
Os 367 votos favoráveis ao impeachment refletem o êxito das negociações conduzidas pelo vice-presidente Michel Temer com partidos que integravam a base do governo até há poucos dias, o poder do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e a determinação da oposição, tudo isso impulsionado pela opinião pública majoritariamente contrária a Dilma.
Eram necessários 342 deputados para que a denúncia contra Dilma fosse admitida, de modo que houve uma folga de 25 votos pelo impeachment. Do lado do governo, foram apenas 137 votos contra o impedimento, além de sete abstenções.
Já antes do início da votação, os governistas admitiam ser "muito difícil" barrar o impeachment na Câmara, mas evitaram começar o jogo com um clima de “já perdeu”, procurando mostrar esperança num placar apertado.
Mas a derrota foi se delineando, à medida em que os votos começaram a não corresponder aos listados na planilha construída após as articulações que envolveram diretamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva --chegaram a calcular que teriam cerca de 180 votos.
Enquanto parlamentares da oposição comemoravam como um gol cada “sim” declarado, governistas faziam contas e comparavam suas projeções, que iam se distanciando da realidade, em parte por conta de “traições” , votos tidos como certos que acabaram não se confirmando, caso dos deputados Giacobo (PR-PR) e Carlos Bezerra (PMDB-MT).
As deputadas peemedebistas Magda Moffato (GO) e Jéssica Sales (AC), que entraram na conta do governo como indecisas, votaram a favor do impeachment, em exemplos do efeito manada que o Planalto temia na votação. Integrantes do PDT, partido que tinha fechado questão para ficar do lado do governo, também engrossaram o coro do “sim”.
Um dos casos mais emblemáticos foi o do ex-ministro Mauro Lopes (PMDB-MG). Sua nomeação para a Secretaria de Aviação Civil, no mês passado, serviu de estopim para a antecipação do PMDB da coalizão governista. No domingo, após ser desonerado para participar da votação, votou contra Dilma.
No final, quem acertou o placar foram os favoráveis ao impeachment, que também antes da votação falavam que teriam entre 360 e 370 votos.
DISPUTA NO SENADO
A avaliação geral é que, uma vez aprovado pela Câmara, é muito difícil que o governo consiga segurar o impeachment no Senado.
"A Câmara dos Deputados ofereceu hoje ao país a chance real de mudar... é preciso manter a mobilização nacional para que o Senado também ouça o clamor das ruas", disse no Twitter Moreira Franco, presidente da Fundação Ulysses Guimarães, vinculada ao PMDB, e um dos principais aliados de Michel Temer.
O presidente interino do PMDB, senador Romero Jucá (RR), disse a jornalistas que "em 15 dias provavelmente, ou até menos, será votada a admissibilidade (do pedido de impeachment), o procedimento que afasta automaticamente a presidente do governo e o vice-presidente Michel Temer assume interinamente".
Já o ministro Jaques Wagner, do Gabinete Pessoal da presidente, criticou a Câmara e disse confiar no Senado para impedir o afastamento de Dilma.
"Foi um retrocesso a instauração de processo de impeachment contra a presidente da República, eleita por 54 milhões de votos e sem nenhum processo e crime de responsabilidade", disse Wagner, em declaração distribuída por sua assessoria. "Confiamos nos senadores e esperamos que seja dada maior possibilidade para que ela apresente sua defesa, e que lhe seja aplicada justiça."
O ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia Geral da União (AGU), disse que o governo estuda novas ações no Supremo Tribunal Federal (STF), dessa vez para discutir “a falta de justa causa” para o impeachment, o que será decidido no “momento oportuno”.
Os senadores poderão rejeitar e arquivar o caso ou autorizar a instalação do processo, cenário que implicaria no afastamento de Dilma do cargo por até 180 dias, período em que Temer assumiria a Presidência da República interinamente.
Se o processo chegar a ser julgado pelo Senado e Dilma for condenada, ela será a primeira presidente no Brasil a perder o cargo desde o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992.
O líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-CE), defendeu a necessidade de estabelecer uma estratégia contra o impeachment no Senado, mas não se mostrou otimista.
“O que deu errado já vem dando errado há muito tempo. Difícil consertar um problema que já está acontecendo há muito tempo."
O processo de impeachment ocorre em meio à grave crise econômica e política, aumento do desemprego, inflação elevada e desequilíbrio das contas públicas, além da baixa popularidade da presidente Dilma.
Durante o dia, uma série de manifestações contra e a favor do governo Dilma tomaram as ruas do país. Em Brasília, um muro de mais de 1 quilômetro de extensão no meio da Esplanada dos Ministérios para evitar confronto entre os manifestantes era um retrato da divisão do Brasil também nas ruas, não apenas no Congresso.
(Edição de Alexandre Caverni)