Carla Zambelli já admite ser presa e deportada, mas invoca Pizzolato do Mensalão

Publicado 19.06.2025, 17:23
Atualizado 19.06.2025, 20:40
© Reuters.  Carla Zambelli já admite ser presa e deportada, mas invoca Pizzolato do Mensalão

De algum lugar da Itália, onde estaria vivendo após Alexandre de Moraes decretar sua prisão e encaminhar seu nome para a difusão vermelha da Interpol - índex dos mais procurados em todo o mundo -, a deputada licenciada Carla Zambelli (PL-SP) distribuiu um documento intitulado ’Dossiê Técnico de Defesa’, por meio do qual reitera a versão de que é inocente no caso da invasão aos sistemas de Justiça e já trabalha claramente com a hipótese de ser aprisionada e deportada para o Brasil. Ao longo de dez capítulos que compõem o relatório ela procura sensibilizar o governo italiano caso sua extradição seja decretada por Roma, o que ela também já admite, e faz um paralelo com o caso Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil (BVMF:BBAS3).

Como no caso Pizzolato, a defesa de Zambelli busca também que a ela sejam respeitados direitos fundamentais no cárcere a que poderá ser conduzida para cumprimento da pena imposta pelo STF, 10 anos de reclusão pelo suposto hackeamento do Conselho Nacional de Justiça.

Zambelli não lança desafios, nem hostilidades a seus algozes. O texto de sua defesa contempla uma linguagem técnica, por meio da qual fustiga os termos da acusação que levou à sua condenação e ao inconformismo.

’Dossiê Técnico de Defesa’

Condenado no processo do Mensalão - maior escândalo do primeiro governo Lula (2003-2006) - a 12 anos e 7 meses de prisão por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro, Pizzolato fugiu para a Itália em 2013. No ano seguinte o petista foi preso, dando início a uma longa negociação diplomática para sua extradição, autorizada em 2015 depois que o Brasil, via a Procuradoria-Geral da República, atestou ao Conselho de Estado da Itália - última instância administrativa da Justiça do país europeu - a existência aqui de presídios onde direitos fundamentais são acatados.

Quando foi condenada pelo STF, Zambelli afirmou. "Não me tiram da Itália." Alegou estar protegida de extradição por ser cidadã italiana.

A própria defesa, no entanto, reconhece que tal situação não garante a Zambelli imunidade absoluta, vez que a Constituição Italiana (artigo 26) permite a extradição de nacionais se prevista em tratado internacional - ressalvada a hipótese de crime político.

Nessa linha, o advogado Fábio Pagnozzi, que representa a deputada, aborda ’nulidades processuais, violações a direitos e garantias fundamentais no curso da ação penal, bem como os aspectos de direito interno e internacional pertinentes. Invoca a Constituição, Código Penal e de Processo Penal, Pacto de San José da Costa Rica, Convenção Europeia de Direitos Humanos, tratado de extradição Brasil-Itália, e relatórios de organismos internacionais sobre o sistema prisional brasileiro.

Fábio Pagnozzi, o defensor de Zambelli, é um advogado destacado. Ele integra a Comissão de Direito e Ética da OAB de São Paulo. "Importante observar que instâncias internacionais já reconheceram formalmente o risco que as prisões brasileiras representam", ele diz.

Ante a possibilidade de a deputada ser capturada pela Interpol e, afinal, mandada de volta ao Brasil para cumprimento de sua longa pena, uma década confinada, a defesa sustenta que ’uma preocupação premente, especialmente considerando a possibilidade de execução provisória ou definitiva da pena imposta, diz respeito às condições carcerárias brasileiras e os riscos que elas representam aos direitos humanos básicos de qualquer pessoa custodiada, inclusive da sra. Zambelli’.

"É notório, e amplamente documentado, que o sistema prisional do Brasil enfrenta uma crise humanitária crônica, caracterizada por superlotação, violência endêmica, insalubridade e práticas generalizadas de tortura e maus-tratos", acentua a defesa, amparada em relatórios nacionais e internacionais. "Convergem em apontar violações sistemáticas nas prisões brasileiras, em claro descompasso com as normas constitucionais e tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário’."

O dossiê Zambelli destaca que no caso do ex-diretor do Banco do Brasil, sentenciado na Ação Penal 470 (Mensalão), a Corte de Apelação de Bolonha, na Itália, em 2014, ’negou inicialmente a extradição do cidadão ítalo-brasileiro Henrique Pizzolato’.

"Justamente por entender que as condições das cadeias no Brasil eram ’dramáticas’, alertando que ’o risco de um detento ser submetido a humilhações, torturas e violências ainda é concreto’ nas penitenciárias brasileiras", argumenta Fábio Pagnozzi.

O advogado observa que no episódio Pizzolato, os juízes italianos citaram relatórios da Anistia Internacional e da Human Rights Watch ’corroborando que os abusos contra presos no Brasil são endêmicos e que falta controle efetivo para impedir a violência de facções ou de agentes estatais’.

"Ressaltaram inclusive que compromissos e melhorias pontuais (como a indicação de que Pizzolato poderia ficar em um presídio específico, de melhor condição, como o Complexo da Papuda/DF) não eliminavam o risco concreto de tratamento desumano ou degradante, negando a entrega do extraditando naquele momento", pontua o advogado.

Para ele, ’tal fato exemplifica que, aos olhos da comunidade internacional, o Brasil não consegue assegurar padrões mínimos de direitos humanos em seus presídios, gerando desconfiança e barreiras em cooperações jurídicas’. "Embora posteriormente Pizzolato tenha sido efetivamente extraditado após recursos e garantias diplomáticas, aquele precedente evidenciou a gravidade da situação prisional brasileira perante tribunais estrangeiros."

O dossiê de defesa enfatiza. "No caso de Carla Zambelli, uma eventual ordem de prisão a ser cumprida no Brasil ou via extradição demandaria garantias firmes de que sua integridade física e psíquica será preservada durante o cárcere. Qualquer indicação de que ela possa sofrer violência, ameaças ou privação de condições mínimas poderia ensejar medidas de proteção internacionais. O Brasil, por sua vez, tem o dever legal de adotar todas as providências para assegurar condições dignas a qualquer custodiado sob sua guarda, sob pena de responsabilidade internacional por violação de direitos humanos."

Fábio Pagnozzi pondera. "Esse dever reforça a necessidade de olhar o presente caso com atenção: a concretização da pena não pode transgredir os limites da humanidade, sob pena de converter a sanção em pena cruel, o que é vedado absoluta e universalmente."

Para a defesa, ’a possível submissão de Carla Zambelli ao sistema penitenciário brasileiro acende um alerta de direitos humanos’. "O histórico e a conjuntura do sistema apontam que sua vida, saúde e dignidade podem ser colocadas em risco sério. Tal constatação não busca nenhum privilégio, mas sim a plena observância das regras internacionais de tratamento de presos, incluindo as Regras de Mandela (Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Presos) e as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre pessoas privadas de liberdade."

"Em face disso, segue o advogado, espera-se que quaisquer decisões futuras relativas à execução da pena ou medidas cautelares considerem estritamente essas garantias, avaliando alternativas à prisão comum, caso necessárias, ou monitoramento por órgãos independentes para assegurar a integridade da custodiante."

O advogado é taxativo. "A defesa de Zambelli conta com argumentos sólidos para pleitear, perante a Itália, a não entrega da deputada ao Brasil, seja temporária ou definitivamente, até que se garanta um tratamento compatível com a dignidade humana e um processo equânime."

Ele afasta a tese de que Zambelli estaria em busca de privilégios. "Isso não significa impunidade, mas sim a tutela de direitos básicos. Caso a extradição venha a ser autorizada, será fundamental o acompanhamento por organizações internacionais (como a Human Rights Watch ou a Anistia Internacional) e eventualmente a imposição de condições, como a possibilidade de cumprimento de pena na própria Itália ou a supervisão internacional das condições carcerárias no Brasil durante o encarceramento."

"No caso de Carla Zambelli, uma eventual ordem de prisão a ser cumprida no Brasil ou via extradição demandaria garantias firmes de que sua integridade física e psíquica será preservada durante o cárcere", clama a defesa da deputada.

Segundo o advogado, ’qualquer indicação de que ela possa sofrer violência, ameaças ou privação de condições mínimas poderia ensejar medidas de proteção internacionais’.

O relatório diz que ’o Brasil tem o dever legal de adotar todas as providências para assegurar condições dignas a qualquer custodiado sob sua guarda, sob pena de responsabilidade internacional por violação de direitos humanos’.

"Esse dever reforça a necessidade de olhar o presente caso com atenção: a concretização da pena não pode transgredir os limites da humanidade, sob pena de converter a sanção em pena cruel, o que é vedado absoluta e universalmente."

"A possível submissão de Carla Zambelli ao sistema penitenciário brasileiro acende um alerta de direitos humanos", sustenta Fábio Pagnozzi "O histórico e a conjuntura do sistema apontam que sua vida, saúde e dignidade podem ser colocadas em risco sério."

O Dossiê Técnico de Defesa anota que ’não se busca nenhum privilégio, mas sim a plena observância das regras internacionais de tratamento de presos, incluindo as Regras de Mandela (Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Presos) e as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre pessoas privadas de liberdade’.

"Espera-se que quaisquer decisões futuras relativas à execução da pena ou medidas cautelares considerem estritamente essas garantias, avaliando alternativas à prisão comum, caso necessárias, ou monitoramento por órgãos independentes para assegurar a integridade da custodiante", sugere o dossiê de Zambelli.

’Versões contraditórias’

O Dossiê Técnico de Defesa de Carla Zambelli inicia com acusações ao ministro Alexandre de Moraes, relator do processo que levou à sua condenação a 10 anos de prisão. O ministro teria violado o princípio do juiz natural ao permanecer à frente da investigação sobre a invasão do sistema de dados do Conselho Nacional de Justiça - trama que teria sido concebida por ela, em parceria com o hacker Walter Delgatti Neto, e da qual o próprio Moraes teria sido vítima via a produção de um decreto forjado de sua prisão.

Dividido em 10 capítulos, o documento que a deputada distribuiu encerra com uma ’declaração formal de inocência’ de Zambelli. "Nunca ordenou, incentivou, financiou ou participou, direta ou indiretamente, de qualquer invasão a sistemas judiciais ou falsificação de documentos públicos. Jamais sugeriu, desejou ou cogitou um ato criminoso contra o ministro Alexandre de Moraes, nem em sentido figurado, tampouco em instruções reais."

O advogado afirma que Zambelli foi condenada ’com base na palavra de um réu confesso que apresentou versões contraditórias, sem credibilidade e sem qualquer corroboração’.

"As investigações não encontraram mensagens, repasses, registros bancários, gravações, comandos técnicos nem qualquer vestígio que a ligasse às ações criminosas", ressalta o texto. "Foi julgada, processada e condenada por ser quem é: opositora de um sistema que não aceita ser questionado. A ré foi condenada previamente na arena política e midiática, e a sentença judicial apenas coroou esse processo persecutório."

"Sou inocente", diz Zambelli. "E não há nada, absolutamente nada nos autos que diga o contrário."

Na avaliação do advogado, ’a ausência de provas, combinada com as violações de direitos processuais, tornam essa condenação juridicamente insustentável e eticamente insuportável’. "A história, as cortes superiores e a comunidade internacional saberão reconhecer isso."

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