Uma nota pública assinada por 5 representações do ensino superior brasileiro pede a suspensão de edital do MEC (Ministério da Educação) que anunciou espaço para a criação de até 95 novos cursos de medicina no país.
As instituições declaram que o governo federal concedeu “vantagens competitivas artificiais” aos grandes conglomerados da educação e disponibilizou um número de vagas desproporcional com a demanda dos Estados.
O documento afirma, ainda, que o edital divulgado pelo MEC não apresenta os estudos estatísticos necessários para justificar os critérios de seleção das instituições de ensino, bem como as regiões a serem contempladas pelos novos cursos.
“A questão é que o edital tem problemas seríssimos de integração à política pública de saúde, ao atendimento de Estados com maiores carências e opta por uma fórmula que privilegia os conglomerados empresariais em detrimento dos interesses nacionais, não atende às pretensões dos estudantes e impõe regras de fragilização de ‘Entidades de Excelência’, cuja ciência e tecnologia já desenvolvida deveria ser integrada ao Sistema Único de Saúde”, diz a nota.
As representações mencionam, por exemplo, o fato de o Estado de São Paulo ter sido contemplado com 13 cursos ou 780 novas vagas, embora seja a localidade “com maior concentração de profissionais médicos no Brasil”. Enquanto isso, regiões como o Amazonas e o Amapá receberam, respectivamente, 120 e 60 vagas.
“Qual o pretexto segundo o qual um Estado como o Amapá ou o Amazonas terá turmas iniciais com apenas 60 vagas quando a necessidade de formação de médicos lá é muito maior do que nos outros Estados? Por quais motivos Estados como Acre e Tocantins foram excluídos dessa política pública enquanto outros muito melhor posicionados foram tão generosamente contemplados?”, afirmam.
“Não é típico de uma política de fomento que todos os cursos previstos no edital tenham sempre a previsão de 60 vagas iniciais, principalmente quando são considerados os locais hipossuficientes e com menor densidade de profissionais médicos, como no Acre, por exemplo”, completam.
Vantagens competitivas
Além disso, o texto questiona o que chama de “vantagens competitivas artificiais” que a publicação dá aos grandes conglomerados da educação, ou “Big Players Educacionais”, em detrimento de centros de ensino com mais tradição na produção de tecnologias da saúde.
“É possível que uma Instituição de Ensino Superior concorrente alcance até 42 pontos na disputa, mas, para tanto, é essencial que possua 3 cursos de medicina já em oferta. Com exceção de Grandes Conglomerados Empresariais Educacionais não é esperado que quaisquer outras Instituições de Educação Superior cumpra esse requisito“, diz o documento.
Entre as medidas solicitadas pelas associações na nota está a suspensão do edital até que as dúvidas colocadas sejam sanadas, a divulgação das pesquisas e audiências realizadas para a elaboração do edital e a mudança dos critérios de seleção que privilegiam um grupo em detrimento do outro.
Assinam o texto:
- Marcos Fernando Ziemer, Presidente da Abiee (Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas);
- Claudio Alcides Jacoski, Presidente da Abruc (Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior);
- Luciane Bisognin Ceretta, Presidente da Acafe (Associação Catarinense das Fundações Educacionais);
- João Batista Gomes de Lima, Presidente da Anec (Associação Nacional de Educação Católica do Brasil);
- Rafael Frederico Henn, Presidente do Comung (Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas).
Edital
Em 4 de outubro, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou o edital com regras para criação de cursos de medicina no país. O chamamento permite que instituições educacionais privadas apresentem projetos para a instalação de novos cursos em cidades pré-selecionadas.
O documento tem abrangência nacional, com a seleção de algumas áreas, chamadas pelo governo de “regiões de saúde”. A ideia é que seja feita uma única convocação, em que possam receber propostas todas as cidades selecionadas com os critérios da Lei do Mais Médicos (que autorizava apenas a abertura de vagas em cidades com carência de profissionais de saúde).
Foram selecionados os municípios com as seguintes características:
- média inferior a 2,5 médicos por 1.000 habitantes;
- hospital com pelo menos 80 leitos;
- capacidade para abrigar curso de medicina, com disponibilidade de leitos, com pelo menos 60 vagas;
- não ser impactado pelo plano de expansão de cursos de Medicina (aumento de vagas e abertura de novos cursos) nas universidades federais.
O edital determina, no máximo, 95 novos cursos, com 5.700 vagas ao todo. As mantenedoras poderão participar do edital com até duas propostas, sendo uma por Estado.
O anúncio do edital foi feito pelos ministros Camilo Santana (Educação) e Nísia Trindade (Saúde), em evento no Ministério da Educação, em Brasília. Segundo os ministros, para elaboração do documento, foram realizadas mais de 100 audiências com instituições civis, políticos, gestores locais e especialistas do setor.