SÃO PAULO (Reuters) - A norte-americana AES acusou nesta terça-feira a B3 de interferir em disputa sobre proposta da elétrica Eneva (SA:ENEV3) para combinação de negócios com sua controlada no Brasil, AES Tietê (SA:TIET11), um dia após a bolsa paulista ter divulgado posicionamento sobre direito a voto em incorporações e fusões de companhias.
Em ofício na segunda-feira, assinado pela diretora de emissores, Flavia Mouta Fernandes, a B3 disse que todos os acionistas de empresas listadas no nível 2 de governança da bolsa têm direito a voto em caso de assembleias para deliberar sobre propostas de incorporação e fusão.
O documento não faz menção a caso específico, mas vem após a AES ter defendido que uma eventual transação entre AES Tietê e Eneva não poderia ser realizada sem seu aval, uma vez que detém a maioria das ações ordinárias da empresa, com direito a voto.
"Ao emitir o ofício, essa Bolsa de Valores interferiu diretamente em uma disputa societária suspensa pela retirada da proposta da Eneva em 21 de abril de 2020. Esperávamos que, se necessário, esse tema viesse a ser discutido na Câmara de Arbitragem do Mercado, criada para esse fim específico, assegurando-se, assim, a ampla defesa e o contraditório", disse a AES em carta divulgada nesta terça-feira.
A Eneva apresentou em 1° de março uma proposta de combinação de negócios com a AES Tietê que envolveria 6,6 bilhões de reais, sendo 2,75 bilhões de reais em dinheiro e o restante em ações.
A oferta hostil, no entanto, foi rejeitada pelo conselho de administração da AES Tietê, que viu uma subavaliação da empresa no negócio e disse que a transação não faria sentido dentro de sua estratégia, focada em renováveis e descarbonização.
A Eneva opera usinas térmicas a gás e carvão, enquanto a AES Tietê possui hidrelétricas e parques eólicos e solares. Uma eventual fusão dos ativos das empresas criaria uma gigante em geração no Brasil com ativos vistos por analistas como complementares.
Na carta divulgada nesta terça-feira, a AES argumentou ainda que apenas o presidente da B3 teria competência para eventualmente "solucionar casos omissos e situações não previstas no regulamento do nível 2", destacando que o ofício da bolsa não foi assinado pelo CEO.
Diante disso, a norte-americana pediu à B3 que os termos do ofício que comenta sobre os direitos a voto "sejam considerados sem efeito até que um debate mais amplo no mercado tenha ocorrido, até porque não existe um 'caso omisso' ou uma situação não prevista'".
A empresa pediu ainda prazo de 30 dias para expor "seus argumentos de fato e de direito em relação às questões suscitadas pela oferta hostil da Eneva" antes que a bolsa volte a se posicionar sobre o tema.
Procurada, a B3 não comentou de imediato o posicionamento da AES.
No ofício alvo da polêmica, a bolsa defendeu que todos os acionistas de empresas listadas no Nível 2 votam "de maneira equitativa" em assembleias sobre propostas de incorporação ou fusão e cisão.
A AES alegava que tal hipótese prejudicaria o poder do controlador de decidir sobre o destino da empresa, mas a B3 argumentou no documento que "número significativo" de empresas listadas no Nível 2 têm controlador com mais de 50% de participação no capital, o que não ocorre na AES Tietê.
Segundo a bolsa, a adesão ao nível de governança e a estrutura de capital adotada por cada companhia são "escolhas do próprio controlador" e não poderiam "servir de pretexto ao cerceamento do direito de voto que o estatuto reconhece ao titular de ações preferenciais".
Para tentar viabilizar a fusão com a AES Tietê mesmo sem eventual aprovação da AES, a Eneva se engajou em conversas com o BNDESPar, braço de participações do BNDES, que detém a maior parte do capital da AES Tietê depois de renegociações de dívidas da controladora da empresa nos anos 2000.
Mas a Eneva decidiu encerrar negociações sobre sua proposta após o posicionamento da AES, afirmando que a operação não deveria seguir "em meio a um provável embate acerta dos direitos dos acionistas preferenciais".
(Por Luciano Costa)