O número de recuperação judicial no Brasil chegou a 593 pedidos no primeiro semestre deste ano - avanço de 52,1% em relação a igual período de 2022. Trata-se do maior volume em três anos, segundo dados do Serasa Experian (LON:EXPN). A tendência é que esse número continue crescendo mesmo se houver um afrouxamento da política monetária do Banco Central.
O período foi marcado por pedidos de recuperação judicial com dívidas bilionárias, como aconteceu com Americanas (BVMF:AMER3), Light (BVMF:LIGT3), Oi (BVMF:OIBR3), Grupo Petrópolis, Raiola, Nexpre e Avibrás, que somam dívidas de mais de R$ 100 bilhões. O resultado é reflexo de um cenário em que as empresas tiveram de conviver tanto com o fim dos programas governamentais durante a pandemia e o vencimento de dívidas renegociadas no passado pelos bancos com juros altos (Selic de 13,75%, a maior desde 2017).
A negociação com os bancos endureceu no começo deste ano, não só devido ao caso da Americanas, mas também ao custo dos empréstimos, estimados por analistas na casa dos 19% ao ano. Isso jogou várias empresas para a esfera judicial para manter seus negócios.
Na visão de Luiz Rabi, economista-chefe do Serasa Experian, o aumento do endividamento das empresas é resultado do cenário macroeconômico e da rápida subida do juro de 2% para 13,75% ao ano, o que não só encareceu o crédito corporativo, como também causou fuga de investidores da Bolsa.
O setor de serviços foi o que mais sofreu. Cerca de 44% dos pedidos do primeiro semestre foram desse segmento. "É a principal área onde tem ocorrido a maioria dos casos de recuperação judicial, até por ter sido o mais prejudicado pela pandemia", afirma Rabi.
A quantidade de falências de empresas também chegou ao maior patamar desde 2019, atingindo 546 no primeiro semestre deste ano. Segundo o Serasa, os setores mais afetados foram, respectivamente, serviços (220), indústria (172) e comércio (150). Dentre as falências, a maioria foi de micro e pequenas empresas (303), depois médias empresas (129) e, por fim, grandes empresas (114).
Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, o auge dos pedidos de proteção da Justiça e das falências deve ser mesmo em 2023, com perspectiva de melhoria no ano que vem. "O juro subiu muito rápido e as companhias tinham gordura de caixa para queimar, o que lhes deu algum tempo. A recuperação judicial é uma ferramenta usada apenas quando não há mais nenhuma outra", afirma o diretor executivo sênior da FTI Consulting, Luciano Lindemann.
Melhora
Com avanços na economia ligados ao controle da inflação, à sinalização do Banco Central quanto à queda dos juros e a aprovação da reforma tributária na Câmara, o ambiente de negócios tende a melhorar no País a partir deste segundo semestre.
Rabi, do Serasa, afirma que o endividamento das empresas começou com a inadimplência dos consumidores, seguida pelo aumento do custo de financiamentos e pela dificuldade de rolagem de dívidas. Porém, isso vem mudando. "Estamos no patamar de 6,5 milhões de empresas inadimplentes desde fevereiro. É um patamar alto, mas que vem se estabilizando", afirma.
Apesar do cenário estar melhorando, um levantamento da FTI Consulting aponta que as empresas brasileiras listadas na bolsa de valores têm dívidas de R$ 100 bilhões com vencimento para 2024 - o que pode significar novo pico de recuperações caso os juros não caiam.
"Ainda vemos um efeito rebote do período da pandemia de covid-19, quando o mercado teve excesso de liquidez e muitas indefinições. As empresas empurraram as negociações para frente e agora estão chegando a um muro", disse o diretor executivo sênior da FTI Consulting, Renato Boranga.