Por Roberto Samora
SÃO PAULO (Reuters) - O Mato Grosso publicou nesta sexta-feira, no Diário Oficial do Estado, uma lei que revoga a concessão de benefícios fiscais a empresas que participam de acordos como o da Moratória da Soja, pacto entre tradings que impede a compra da oleaginosa produzida em áreas desmatadas da Amazônia após 2008.
A Moratória da Soja, idealizada por integrantes da indústria representada pela associação Abiove, trata-se de um compromisso de não comercializar nem financiar soja produzida em áreas que foram desmatadas no bioma amazônico após 22 de julho de 2008, data de referência do Código Florestal.
Mas o pacto historicamente enfrenta oposição de parte do setor produtivo, como associados da Aprosoja, que representa agricultores, que consideram que a "moratória" desrespeita a legislação brasileira ao impedir que produtores cultivem soja em áreas que poderiam ser desflorestadas legalmente.
A Moratória da Soja, contudo, é vista pela Abiove e outras entidades ambientalistas como importante ferramenta no combate ao desmatamento na Amazônia.
O Mato Grosso, maior produtor de soja do Brasil, tem parte de sua área no bioma amazônico.
A lei sancionada pelo governador de Mato Grosso, Mauro Mendes, foi aprovada pela Assembleia Legislativa local.
Em nota publicada pelo governo mato-grossense, Mendes defendeu que o Brasil tem a legislação ambiental "mais restritiva do mundo", e que Mato Grosso cumpre rigorosamente o Código Florestal.
"No bioma Amazônico, o proprietário de terras pode usar apenas 20% da área, sendo obrigatório preservar os 80% restantes. A maioria dos produtores apoia a aplicação da lei, reconhecendo que o desmatamento ilegal prejudica o meio ambiente, a imagem do país e do Estado, e impacta negativamente o agronegócio", disse ele.
Não ficou imediatamente claro quais seriam os benefícios tributários em jogo.
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) afirmou em nota que considera que a nova lei pode representar "um risco à reputação do país como um produtor sustentável".
Segundo a Abiove, a nova lei pode afetar a competitividade no mercado internacional, "algo que será negativo para a cadeia produtiva, a começar pelos produtores, impactando também a própria economia do Estado".
A associação da indústria lembrou que, até 2006, antes da Moratória da Soja, o cultivo da oleaginosa era apontado como o principal vetor de desmatamento da Amazônia.
"Clientes do mercado europeu e entidades da sociedade civil exigiam ações concretas dos exportadores brasileiros, e para não perder esse mercado, até hoje responsável por cerca de 50% das exportações de farelo de soja brasileiro, surgiu a Moratória, desenvolvida em conjunto com a sociedade civil e o governo brasileiro", explicou a Abiove.
De acordo com dados da Abiove, entre as safras 2006/07 e 2022/23, a área ocupada com soja no bioma da Amazônia passou de 1,41 milhão de hectares para 7,43 milhões, respectivamente (+420%), mas apenas uma parcela residual de 250 mil hectares desse crescimento está associada a desflorestamentos ocorridos após 2008.
"Estes números são um indicativo de que a Moratória não impediu ou limitou a expansão da soja no bioma, mas favorece seu desenvolvimento sem a conversão de floresta primária", destacou a associação.
PRODUTORES CONTRA MORATÓRIA
O presidente da Aprosoja MT, Lucas Costa Beber, disse em nota divulgada pela entidade que "não descansaremos enquanto houver um produtor prejudicado pela Moratória da Soja".
"E enquanto a extinção desse acordo não for alcançada, as tradings também não terão um sono tranquilo. Esse é o nosso compromisso com o setor", declarou Beber.
A lei foca empresas que participam "de acordos, tratados ou quaisquer outras formas de compromissos, nacionais ou internacionais, que imponham restrições à expansão da atividade agropecuária em áreas não protegidas por legislação ambiental específica".
Segundo a legislação, "o descumprimento das disposições previstas nesta Lei resultará na revogação imediata dos benefícios fiscais concedidos e na anulação da concessão de terrenos públicos, sem prejuízo à restituição dos benefícios fruídos irregularmente no ano do calendário vigente, bem como a indenização pelo uso de terreno público concedido em desacordo com este diploma".
A lei é publicada em meio a crescentes preocupações ambientais, especialmente da Europa, com o avanço da agropecuária em áreas de floresta.
A gigante francesa de laticínios Danone parou de comprar soja do Brasil, disse seu diretor financeiro à Reuters, antes de uma regra da União Europeia que exige que as empresas provem que não estão comprando commodities de áreas desmatadas.
(Por Roberto Samora)