Por Leandro Manzoni
Investing.com - A pandemia de coronavírus levou à adoção de medidas de restrição de circulação de pessoas e fechamento do comércio físico. A mudança forçada de hábitos de consumo impulsionou o aumento de vendas por meio do canal digital.
De acordo com Mastercard SpendingPulse, índice que rastreia as vendas gerais de varejo em todos os tipos de pagamento, houve um salto de 75% no comércio eletrônico em maio deste ano ante o mesmo mês do ano passado no Brasil, enquanto o volume total de vendas no varejo encolheu quase 3%.
Já a média de crescimento entre os meses de março a maio, período que vigorou as maiores restrições no fluxo de pessoas, foi de 48% sobre o mesmo período de 2019, enquanto as vendas no varejo em geral recuaram 10%.
A explosão de consumo nos canais digitais se reflete na performance das ações de empresas listadas na bolsa de valores. No Brasil, entre as quatro maiores altas do Ibovespa em 2020, três são companhias ligadas ao varejo.
A liderança é da B2W (SA:BTOW3), seguida por Magazine Luiza (SA:MGLU3). A Via Varejo (SA:VVAR3) tem o quarto melhor desempenho, após a empresa industrial WEG (SA:WEGE3).
Até a sessão desta sexta-feira, a B2W tem avanço acumulado de 62,02% em 2020, apesar de cair 2,04% a R$ 103,10 na sessão desta sexta-feira, em que prevaleceu o sentimento de aversão a risco. Já o Magazine Luiza sobe 45,51% no ano, mas fechou o pregão de hoje em queda de 0,49% a R$ 69,35. Enquanto a Via Varejo registra ganho acumulado de 27,93%, porém também caiu na sexta-feira, com queda de 1,79% a R$ 14,29.
Já o maior ganho acumulado de uma ação de empresa deste segmento é do Mercado Livre (NASDAQ:MELI), marketplace argentino que é listado na Nasdaq, em Nova York. Os papéis do Mercado livre avançam 70,15% em 2020 e, diferentemente de suas concorrentes, teve ganhos de 0,18% a US$ 973,17 nesta sexta.
“Uma combinação de estratégia, oferta ampla de diferentes tipos de produto e mudança de hábito do consumidor explica essa valorização”, analisa Eduardo Cavalheiro, gestor da Rio Verde Investimentos. O gestor explica que a pandemia acelerou processo de crescimento planejado para os próximos anos.
Além disso, as plataformas vendem diferentes tipos de produtos, próprios e de terceiros. “O negócio local, pequeno, tem que fechar a porta e procura o marketplace dessas empresas, uma espécie de shopping virtual”, explica Cavalheiro.
Por fim, o modelo de negócios adotado no canal digital, inspirado em empresas do segmento vencedoras nos EUA (Amazon (NASDAQ:AMZN)) e China (Alibaba) também contribui para o sucesso de vendas das companhias e suas performances na bolsa de valores. “É um modelo de plataforma completo e integrado, com venda, meio de pagamento e logística própria”, diz o gestor.
Confira abaixo as análises sobre o setor e as empresas de quatro analistas.
B2W: Eduardo Cavalheiro, gestor da Rio Verde Investimentos
O fechamento de parte da economia por conta da pandemia elevou a procura dos serviços de compra por internet e delivery de entrega, que impactou fortemente as empresas que estavam estruturadas para prestar esse serviço. Números preliminares mostram um crescimento de volumes de 100% (marketplaces) a 400% (delivery de refeições prontas) quando comparamos os meses de abril/maio de 2020 com o mesmo período de 2019.
Esse movimento basicamente adiantou em alguns anos a evolução que se esperava para esse setor em termos de inserção no comércio em geral. Alguns varejistas desse segmento esperavam que o nível atual de operações ocorreria apenas em 2022/2023.
As maiores empresas atuantes no Brasil (B2W, Magazine Luiza, Via Varejo e Mercado Livre) têm estrutura de negócios muito parecidas, mas não idênticas, que envolvem logística própria e sistema de pagamentos/crédito próprios. No futuro, provavelmente não haverá espaço para tantos competidores de grande porte nesse mercado no Brasil (lembrando que a Amazon também está por aqui).
Por enquanto todos querem crescer suas operações através do aumento do GMV (Gross Merchandise Volume), da recorrência de compras e do uso dos aplicativos próprios, para se qualificarem a estar no seleto grupo de talvez 2 empresas que liderarão o segmento no futuro, tal qual ocorreu na China e nos EUA. A rentabilização dos negócios não é foco nesse momento e as companhias são avaliadas por múltiplos do GMV, como vemos no quadro a seguir:
A B2W é uma empresa 100% online e tem um modelo de negócios muito bem conduzido nos últimos anos, apresenta nível de serviços mais bem avaliado pelos consumidores, consegue uma sintonia muito importante com as Lojas Americanas (SA:LAME4) e negocia com desconto em relação as demais (Mercado Livre e Magazine Luiza), que também estão com modelos de negócios mais avançados.
Elaborou ano passado um plano estratégico para crescer 30% ao ano em 3 anos, se alavancando a partir da estrutura já existente de centro de distribuição, plataformas e meio de pagamentos. Abril e maio anteciparam as vendas planejadas para o período, cresceram 100% comparado ao mesmo período do ano passado.
Além disso, a B2W anuncia acordo com empresas de grande para utilizarem sua estrutura, como McDonald’s e a rede de shopping centers Ancar Ivanhoe. Atualmente, mais de 50 mil produtos são ofertados na plataforma, desde material de escritório, roupa até lanche do McDonald’s e itens de supermercado.
Magazine Luiza: Ilan Arbetman, analista de research da Ativa Investimentos
O Magazine se insere gradualmente em novas categorias, como o nicho de moda de artigos esportivos, este segundo por meio da aquisição da Netshoes (NYSE:NETS), o que aumenta a diversificação do negócio.
Apesar das menores margens do e-commerce, a empresa vivencia um crescimento acelerado do marketplace, operação que não demanda capital de giro e amplia sortimento de produtos através dos sellers, fato que deve contribuir para uma maior base de clientes ativos.
No lado financeiro, o braço financeiro Luizacred tem crescimento expressivo da Luizacred, com forte expansão da carteira de crédito.
E não se pode deixar de mencionar a expansão orgânica, com 198 aberturas de lojas físicas nos últimos 12 meses. Da base, 35% das lojas ainda se encontram em processo de maturação que, quando concluído, deve agregar sensível melhora no canal de vendas físico.
A companhia está bem posicionada para capturar a tendência de maior participação dos canais digitais no varejo, impulsionado também pelo fechamento de lojas físicas, o que deve proporcionar ganhos de share.
Via Varejo: Matheus Moura, analista da HIX Capital
A Via Varejo era uma empresa administrada pelos franceses donos do Pão de Açúcar, o Casino, e ano passado houve uma transação que a fez voltar para o antigo controlador.
Os novos donos levaram uma equipe competente, mas que tinha uma missão impossível pela frente, que era sobreviver a Black Friday de 2019, pois em 2018 a empresa não foi bem. O mercado sabia que havia muito “mato alto”, pois os franceses não são especializados neste business, com expertise no setor de supermercados. E eles tentavam usar as práticas desse outro negócio para tocar a rede Casas Bahia, o que é totalmente diferente.
Mas, apesar dos problemas, a empresa foi entregando resultado atrás de resultado de uma maneira incrível. Ela passou por um problema contábil, no entanto isso não a impediu de entregar resultados. A Via Varejo sobreviveu a Black Friday crescendo muito, mas ainda era uma empresa com estrutura de capital errada.
Havia uma percepção de que haveria uma queda acentuada nas vendas pois boa parte da operação é de lojas. Mercado se assustou e saiu vendendo, pressionando as ações para baixo. Sabia-se que o e-commerce se sairia bem nesse momento de pandemia. Porque essa penetração do e-commerce no varejo, que era de 5%, explodiria e esse número seria maior mesmo sem a crise do coronavírus.
Essa inserção vai aumentar e depois deve diminuir porque temos lojas fechadas e elas reabrirão, mas a participação não vai voltar para os 5%. Muitas pessoas estão usando a plataforma pela primeira vez e percebendo que também funciona para pequenas compras. As vendas online da Via Varejo dispararam 200%,
Eu não tenho tanta certeza, mas acredito que essas empresas estejam ganhando valor de mercado, mesmo em meio à crise. As vendas aceleraram e esse movimento causado pela pandemia aumentou a penetração no online, antecipando um movimento que levaria 1, 2 ou 3 anos.
Mesmo com a normalização a partir de 2021, haverá maior inserção do online e essas empresas estão na vanguarda. Em relação a à Via Varejo, é uma empresa que possui muitos ativos, com um parque logístico muito grande, um centro de distribuição enorme e o tamanho do parque de lojas também é enorme.
Além disso, a empresa equacionou a estrutura de capital e está pronta para competir após levantar R$ 4,5 bilhões, evento que o mercado via com desconfiança. A dúvida de longo prazo é qual empresa será a vencedora deste mercado online.
Mercado Livre: Alberto Amparo, analista da Suno Research
As altas recentes foram provenientes desse cenário de coronavírus. O Mercado Livre já tem uma posição de liderança na América Latina em e-commerce. As ações tiveram uma mínima de US$ 425 em meados de março e hoje ela vale mais que o dobro.
Isso não significa que a empresa ficou 100% melhor no período, é um reflexo do otimismo em função do crescimento do volume de vendas. Somente na América Latina há cerca de 650 milhões de pessoas de habitante, com apenas 2,9% das vendas ocorrendo no varejo online. E o Mercado Livre domina este mercado.
Existe uma penetração bastante baixa e isso, por si só, revela o potencial enorme de crescimento, pois crescendo em liderança, crescerá em vendas.
O Mercado Livre gera receita de duas formas majoritariamente: na plataforma de marketplace e no Mercado Pago. No início de 2019, a empresa recebeu US$ 750 milhões do PayPal para investir no crescimento.
Em 2019, a empresa teve uma receita de US$ 2,3 bilhões, o que representou um crescimento de 60% em relação a 2018, considerando as variações cambiais. Sem elas, teria sido superior a 90%. É preciso pensar que boa parte da receita é em real e pesos. Mesmo assim, 60% é um número bastante relevante.
Somente o quarto trimestre de 2019, foi um crescimento de 84% da receita comparado com o quarto trimestre de 2018. Vale ressaltar que os resultados vieram mesmo em um momento turbulento e aumento na competição (Amazon). Em 2019, eram cerca de 44 milhões de compradores únicos e 11 milhões de vendedores únicos.
Além disso, o Mercado Livre possui cerca de 320 milhões de usuários registrados, mesmo que nem todos tenham realizado alguma compra. É praticamente a metade da população da América Latina.
O grande perigo para o Mercado Livre é o avanço das operações da Amazon, que tem uma inserção muito relevante no mundo inteiro e possui cases de sucesso em regiões totalmente distintas culturalmente. Outro ponto é que a Amazon gera um caixa poderoso e tem recurso para queimar até conquistar seu espaço no mercado.
Ainda assim, o Mercado Livre conserva uma certa vantagem competitiva, fazendo todos se cadastrarem em suas plataformas. Se a Amazon não oferecer uma vantagem clara para os clientes, eles dificilmente vão migrar de plataforma, pois isso implicaria em trabalho de cadastrar cartões e se acostumar com um layout novo.