Por Lamine Chikhi e Hamid Ould Ahmed
ARGEL (Reuters) - O governo interino da Argélia se deparou com a perspectiva de firmes exigências populares pelo afastamento de uma elite governante e por reformas abrangentes, agora que o presidente Abdelaziz Bouteflika, de 82 anos, se curvou aos protestos em massa e renunciou.
"Queremos um presidente que entenda o que queremos", disse Bouzid Abdoun, engenheiro de 25 anos da estatal de energia Sonelgaz, à Reuters, nesta quarta-feira. "Queremos viver aqui, não migrar para a Europa".
Bouteflika renunciou na terça-feira, depois de um último alerta dos militares e na esteira de seis semanas de marchas nas ruas pedindo reformas democráticas após quase 60 anos de controle dos veteranos da guerra de independência de 1954-62 contra a França.
A mudança deixa o país exportador de petróleo e gás natural nas mãos de um governo interino até as eleições marcadas para daqui a três meses, mas sem sucessor à vista.
Os manifestantes logo deixaram claro que não aceitarão um novo presidente do "le pouvoir", apelido popular para o establishment enraizado de veteranos idosos, magnatas dos negócios e dirigentes do partido Frente de Libertação Nacional (FLN).
"O que é importante para nós é que não aceitamos o governo (interino)", disse Mustapha Bouchachi, advogado e líder de protestos, à Reuters, pouco antes da saída de Bouteflika. "Os protestos pacíficos continuarão".
As ruas argelinas estavam tranquilas nesta quarta-feira, mas o próximo teste para os governantes interinos será a sexta-feira, dia de marchas semanais desde 22 de fevereiro.
A saída de Bouteflika é vista tão somente como um primeiro gesto pelos argelinos jovens que exigem empregos em um país no qual uma de cada quatro pessoas com menos de 30 anos está desempregada em uma economia altamente estatizada, pouco diversificada e dependente das exportações de petróleo e gás natural.
O descontentamento também mira o nepotismo sistêmico que sujeita a Argélia ao controle dos irmãos de Bouteflika, magnatas e ex-agentes de inteligência militar desde que o líder sofreu um derrame em 2013 e praticamente saiu de cena, dizem analistas.
No início desta semana, como sinal da derrocada política iminente de Bouteflika, as autoridades confiscaram os passaportes de uma dúzia de empresários com conexões políticas e investigados por corrupção.