Não tem jeito. Por mais que evitemos o assunto eleições sempre acaba se impondo nos debates do dia a dia. Neste ano, a disputa se apresenta acirrada, talvez só comparável a 1989 e 2002. Na primeira, Brizola e Lula disputaram palmo a palmo, com Lula vencendo e indo para o segundo turno, mas derrotado por Collor, que adotou a mesma tática do medo do governo Dilma. Em 2002, vivemos o receio da possibilidade de vitória do Lula e da ruptura com tudo que havia sido conquistado com o Plano Real. O anúncio da “Carta aos Brasileiros” e um início de mandato mais amigável, com a nomeação de Henrique Meirelles para o BACEN e Palocci para a Fazenda, acabaram revertendo estas incertezas e injetando confiança no mandato Lula.
Na eleição deste ano, no primeiro turno muitas foram as viradas, no início com Dilma, em ampla vantagem, entre 30% e 40%, seguida por Aécio, em torno de 20% e Eduardo Campos 10%. Depois da trágica morte de Campos em 13/08, a substituta Marina entrou na disputa e foi a 33%, se aproximando de Dilma e tirando terreno de Aécio Neves que, na sua pior fase, chegou a 15% (ver gráfico do Ibope a seguir). Impressionante, no entanto, foi a reação destes dois, Dilma e Aécio, que, dadas as contradições da candidata Marina, passaram a atacá-la. Era a “tática do medo”, da “desconstrução”, diante das contradições de um programa de governo feito às pressas, segundo alguns críticos. Com isto, pela pouca experiência e capacidade de reação, o “derretimento” de Marina acabou inevitável. Aécio aproveitou, conquistou esta fatia dos votos perdidos dela e chegou ao segundo turno.
Agora é uma nova eleição, entre Dilma e Aécio, com o tempo de TV e rádio igual para ambos e as alianças se consolidando. O tema economia é destaque. Até porque vivemos o ocaso de uma política econômica desastrada, um modelo sustentado pelo consumo, com a inflação no teto da meta, uma gestão fiscal de baixa qualidade, o setor externo em deterioração e os investimentos minguando. A economia está parada, o superávit primário é baixo, em torno de 0,9% do PIB em 12 meses (bem distantes da meta de 1,9% do PIB) e o saldo em conta corrente em torno de 3,6% do PIB, contribuindo para a confiança em baixa, assim como as taxas de investimento e poupança. Isto pode ser observado pelo gráfico a seguir, mostrando estas taxas em baixa, embora em tênue recuperação pelo lado da poupança no segundo trimestre, mas sem correspondente reação dos investimentos. Isto se explica pelo recuo do consumo com a apertada política monetária.
Sobre os programas econômicos dos candidatos observamos grandes diferenças. Na verdade, nunca se teve uma eleição com visões tão distintas para gerenciar a economia. Dilma acha que nada precisa mudar, mas, estranhamente e de forma antecipada, já anunciou a troca do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Seu segundo governo deve ser de continuísmo, com aperfeiçoamentos nos programas sociais e ajustes pontuais na política econômica. Isto, no entanto, pode ser um “jogo de cena”, para não dar ao inimigo o reconhecimento pelos erros na condução da economia. Como sabemos, nos quase quatro anos de governo, Dilma foi a fiadora da política econômica de Guido Mantega, na verdade, executor das suas ordens.
Aliás, sobre a visão de ambos os candidatos em alguns pontos da economia, nada como confrontar Guido Mantega, virtual ex-ministro do governo Dilma, com Armínio Fraga, virtual futuro ministro caso Aécio seja eleito.
Sobre a inflação. Mantega acha que a inflação está controlada e deve recuar a 6,3% ao final deste ano. Sua elevação se justificou pelas secas, pressões no setor energético e alguns choques agrícolas no início do ano. Armínio acha a “situação esdrúxula”. A inflação está no teto da meta deste o início do mandato da presidente Dilma e isto não se refletiu em mais crescimento. Ao contrário, o governo Dilma tem a menor taxa média de crescimento dos últimos anos, em torno de 1,6%, abaixo do ciclo FHC (2,3%) e a terceira pior da República, só superando os anos Collor e Floriano Peixoto. A denominada “nova matriz macro” foi, claramente, uma estratégia errada, na qual o governo tentou “forçar” o crescimento num ambiente de desbalanceamento entre oferta e demanda. Não deu certo e legou um cenário de estagnação e inflação no teto da meta.
Crise externa. Mantega acha que o crescimento mundial menor, causado pela crise de 2008, é fator preponderante para explicar o menor crescimento doméstico. Outra falácia. O mundo está se recuperando nestes últimos anos. Segundo o FMI, neste ano deve crescer 3,3% e em 2015, 3,8%, puxado pela recuperação, mesmo que errática, dos países avançados e dos emergentes, com destaque para China e Índia. Dentre os BRICS, o Brasil só deve crescer mais do que a Rússia (0,3% contra 0,2%), estando este país envolvido numa guerra civil na Ucrânia. Estimativas dos emergentes são de crescimento de 4,4% neste ano e 5,0% em 2015, com a China crescendo 7,4% e 7,1%, respectivamente.
Brasil quebrou três vezes no governo FHC. Mais uma falácia. O Brasil enfrentou três crises cambiais fortes entre 1995 e 1998/99, o que o obrigou a adotar políticas ortodoxas, com elevação de juro e ajuste fiscal em apoio do FMI “para suavizar o ajuste interno”. O país quebrou foi nos anos 80, em 1987, depois da moratória do governo Sarney, mas se recuperou depois de uma “costura bem feita”, junto à comunidade financeira internacional, conduzida pelo então negociador internacional e depois ministro da Fazenda do FHC, Pedro Malan.
Gestão fiscal. Armínio acha que boa parte da perda de confiança dos agentes foi causada pela gestão fiscal pouco transparente e caótica, com vários malabarismos, no governo Dilma. Mantega respondeu que as políticas fiscais anticíclicas acabaram inevitáveis diante da crise externa. A crise, no entanto, já vem se dissipando, de forma mais lenta que o esperado, mas o governo segue apertando nesta tecla de políticas fiscais e monetárias expansionistas. Em agosto, a expansão dos subsídios do Tesouro aos bancos públicos já superava R$ 400 bilhões.
Comentários finais. Pela retórica do governo observa-se um “discurso pronto”, mesmo que recheado de falácias. Como bem diz o “ditado popular”, “a mentira, repetida várias vezes, acaba ganhando contornos de verdade”. Os argumentos de campanha do governo se sustentam nisto, em criar um mundo paralelo, em que está tudo bem, repetindo este discurso à exaustão, mesmo que falho e cheio de lacunas. A oposição precisará então responder à altura e ter argumentos consistentes e convincentes, compreensíveis para as camadas de baixa renda, para poder desmontar todas estas peças de retórica.