Em julho completam-se 19 anos do lançamento do Plano Real, programa de estabilização que conseguiu derrubar uma “inflação indexada” (ou inercial) perpetuada por mais de 30 anos no País. Foi uma obra de engenharia econômica muito bem urdida pela equipe da PUC. Façamos então um breve overviewsobre este período que se seguiu até os dias de hoje (claro que em grandes saltos).
- O Real começou a nascer de um paper chamado Plano Larida, na qual André Lara Resende e Pérsio Arida defendiam que a inflação inercial do País poderia ser neutralizada através de um super-indexador para realinhar preços relativos. Uma observação: este plano até foi mostrado ao Presidente Sarney em 1995/96, época de inflação galopante, vésperas do Plano Cruzado, mas acabou arquivado, com o presidente optando pela heterodoxia de Francisco Lopes, então professor da PUC. Na época, o governo achou o congelamento menos traumático politicamente do que este realinhamento de preços via indexação. Havia uma eleição em outubro de 1986, importante para a base política do governo na época, e os riscos de uma proposta original como esta eram consideráveis. Talvez este projeto não estivesse suficientemente maduro na época. Acabou dando no que deu. Depois de vários planos heterodoxos malsucedidos, com congelamento de preços, chegamos ao realinhamento de preços no Plano Real em 1994.
- Sendo assim, o Real nasceu da ideia de alguns economistas da PUC, sob a batuta do então ministro da Fazenda FHC, que achava ser possível a estabilização inflacionária através deste processo de convergência (ou realinhamento) de preços relativos. O congelamento de preços, de triste memória, era falho, pois, além de fazer um “corte abrupto” sobre os custos das diferentes etapas da cadeia produtiva, gerava, num primeiro momento, forte pressão de demanda, acarretando em crises de abastecimento, especulação com estoques, etc. Neste contexto, qualquer processo de estabilização precisaria vir alinhado (ou sustentado) por uma série de âncoras nominais, no caso do Real, o câmbio unificado, a política monetária sob controle e a férrea disciplina fiscal.
- O Real, inclusive, no seu nascedouro, na fase embrionária, ao fim de 1993, teve uma sustentação fiscal, através do Plano de Ação Imediata e do Fundo Social de Emergência (FSE); neste meio tempo, foi criado também o IPMF (depois CPMF), importante na geração de receitas. Em paralelo, o governo definiu o regime de câmbio fixo e uma política monetária conservadora, visando dosar a demanda, mais forte devido à monetização da economia.
- Num primeiro momento, esta primeira fase acabou contribuindo para a deterioração externa, mas também para o forte ingresso de recursos externos, o que apreciou o câmbio a R$ 0,85. Com a crise no México e outras crises cambiais que vieram depois, no Sudeste Asiático, Rússia, etc, o Brasil acabou afetado pelo regime cambial adotado, primeiro fixo, depois semifixo, baseado em bandas cambiais. Este acabou gerando seguidos desequilíbrios externos, o que expôs o País a ataques especulativos. Mesmo assim, foi mantido o regime cambial semifixo por um período excessivo, na transição inflacionária, pelo receio do que uma mudança de regime pudesse acarretar.
- Em paralelo a isto, o governo FHC, empossado em 1995, manteve sua politica de reformas estruturais e modernização da economia. Várias privatizações foram realizadas, como Vale, Sistema Telebrás, Embraer, etc. Em 1999, o governo aprovou um tripé de política econômica, com a adoção do regime flutuante; Lei de Responsabilidade Fiscal e sistema de metas de inflação, “farol” para a trajetória da inflação futura. Sob a égide de Armínio Fraga definiu-se uma transição de regime cambial mais tranquila, sem grandes traumas, tendo como suporte uma política monetária necessária, embora mais apertada.
- Na verdade, observa-se no gráfico a seguir o curso da política monetária, sempre mais apertada, em resposta à transição do regime cambial, com piora externa e necessidade de controle mais agudo da demanda. Nos anos recentes, vem sendo buscado um juro real mais baixo, mas sem sustentação diante da piora dos fundamentos, com especial atenção para a área fiscal.
![Figura 1 Figura 1](https://d30-invdn-com.akamaized.net/1374678455_0.png)
- Pode-se afirmar, portanto, que o Real foi um sucesso no seu objetivo de derrubar a inflação e trazer algum horizonte de planejamento aos agentes. Foram feitas algumas reformas possíveis, privatizações, mudanças de regulação na área de petróleo, etc. Em paralelo a isto, foi definida maior disciplina fiscal, com meta de superávit primário, alterado o regime cambial, criado o sistema de metas de inflação, etc. Isto, no entanto, não foi suficiente para a eleição de um candidato alinhado com o projeto do ciclo FHC, mais pautado em reformas estruturais. Foi eleito Lula da Silva em 2002 que, antes, na disputa eleitoral divulgou a “Carta aos Brasileiros”, visando acalmar os investidores, preocupados com a retórica incendiária do partido no passado.
- A política econômica do governo Lula se baseou na ortodoxia anterior, ou seja, o respeito ao tripé de política econômica (sistema de metas, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal), embora este último tenha sido objeto de disputa entre Fazenda e BACEN. Neste quadro, o Presidente Lula foi habilidoso em colocar Henrique Meirelles na Presidência do BACEN, além de Palocci na Fazenda e Marcos Lisboa na Secretaria de Política Econômica (transformado no verdadeiro policy maker do governo). Para muitos, foi a partir da sua política monetária ortodoxa, na contramão do ativismo fiscal de Guido Mantega, que o governo Lula conseguiu atravessar seus dois mandatos. Claro que o primeiro foi beneficiado pela “onda internacional favorável”, com liquidez abundante e crescimento excepcional da China (demanda por commodities). No segundo, no entanto, com o escândalo do Mensalão e a crise de 2008, o governo Lula atravessou turbulências. Sua política social, no entanto, com muita transferência de renda e expansão do crédito sustentou o consumo das famílias, mas os investimentos, depois de crescerem num primeiro momento empacaram. O crédito, por exemplo, de algo em torno de 25% do PIB foi a 50% ao fim de 2011. Já a taxa de investimentos se manteve nos anos recentes, em torno de 18% do PIB.
- Pode-se afirmar, portanto, que o governo Lula se pautou por um modelo de desenvolvimento baseado no consumo, com inclusão social como objetivo central. Logrou êxito, num primeiro momento, mas depois se mostrou esgotado, diante da limitação na capacidade de endividamento de uma classe média emergente, e pouco habituada ao crédito, pelos poucos estímulos aos investimentos, além da dicotomia na administração da demanda agregada, no dilema entre dosar o consumo privado e enfrentar a expansão dos gastos públicos, na sua maioria focados em custeio e pouco em investimentos.
- Nas palavras de André Lara Resende, aquele do início do Plano Larida, o “ciclo petista”, com nuances na atual gestão Dilma, representou o retorno do “nacional-desenvolvimentismo estatal”, egresso do regime militar, vide Panorama do Mercado de Ações. Um outro elemento relevante foi o apoio do meio empresarial, com políticas de estímulo focadas em setores e empresas vencedoras. Estas passaram a ter acesso ao crédito do BNDES, além da anuência do governo, para se tornarem players internacionais.
Finalizando, sobre o governo Dilma, ainda em andamento, sua avaliação segue preliminar. Seu ciclo ainda é uma obra em construção. De antemão, dá para destacar sua decisão em manter o Estado como agente de mudanças do País (excessos de intervenção e quebras de contrato), forte aparelhamento do setor público (39 ministérios, o que inviabiliza seu pleno funcionamento) e, ao contrário do governo Lula, certa tolerância com a inflação, o que vem sendo decisivo para a crise de confiança que vivemos atualmente.