Uma nova lógica nos fluxos globais
Em todos os grandes momentos de estresse global nos últimos 50 anos, o comportamento dos mercados seguiu um padrão quase previsível: fortalecimento do dólar frente a emergentes, queda dos juros longos dos EUA (5-10 anos) e aumento da procura por Treasuries. Esse padrão reflete a confiança do investidor global nos EUA como porto seguro, tanto pela liquidez de sua moeda quanto pela profundidade do seu mercado de dívida
No entanto, o movimento recente — iniciado com a escalada da guerra comercial, ampliado pela adoção agressiva de tarifas e, mais recentemente, pelas trégua temporária de 90 dias entre EUA e China — revela um comportamento inédito: o dólar perde força mesmo diante da incerteza, enquanto ativos reais como o ouro e, em menor escala, criptomoedas, ganham destaque como destinos de proteção
Trata-se de um ponto de inflexão? Ou apenas um "desvio" pontual frente ao ciclo macro e aos ruídos geopolíticos
“Neste relatório, exploraremos essa mudança de paradigma, analisando os fatores macroeconômicos e técnicos que influenciam a trajetória do dólar. Veremos como a guerra comercial e as políticas monetárias dos EUA e do Brasil têm impactado os fluxos globais de capital, e como a análise técnica pode nos ajudar a identificar oportunidades e riscos nesse cenário de incerteza.”
Entre os principais pontos abordados, destacam-se:
- A relativa perda de força do dólar como ativo de refúgio em meio às tensões comerciais(Seção 2).
- O impacto das políticas monetárias do Federal Reserve e do Banco Central do Brasil na dinâmica do câmbio(Seção 3).
- A análise técnica do gráfico do dólar, com a identificação de níveis de suporte e resistência importantes(Seção 4).
- As implicações dessas tendências para o investidor brasileiro, com foco em oportunidades e estratégias de hedge(Seção 5).
Análise Macroeconômica e de Cenário
Observamos um movimento de capital mundial que se distancia do padrão estabelecido em crises anteriores. A imposição de tarifas e a subsequente guerra comercial entre as maiores economias globais parecem ter corroído a confiança exclusiva no dólar como porto seguro. Em vez disso, investidores têm buscado refúgio em ativos alternativos, sinalizando uma possível mudança na percepção de risco global.
A recente trégua comercial entre Estados Unidos e China, estendendo-se por 90 dias com o congelamento de novas tarifas, catalisou um renovado apetite por risco nos mercados globais. Esse otimismo, ainda que cauteloso e potencialmente temporário, refletiu-se na máxima histórica alcançada pelo Ibovespa em 13 de maio de 2025. Concomitantemente, o dólar tem experimentado uma trajetória de queda, sugerindo um enfraquecimento de sua demanda como ativo de refúgio neste contexto específico. Essa desvalorização abre espaço para quedas adicionais, conforme a análise técnica detalhará posteriormente.
Para complementar essa leitura de cenário, a análise de dados macroeconômicos globais e brasileiros de inflação e crescimento se torna fundamental. No âmbito global, a persistência da inflação nos Estados Unidos e a resposta do Federal Reserve em termos de política monetária continuarão sendo fatores cruciais para a direção do dólar. Um aperto monetário mais agressivo poderia, em algum momento, reverter a atual tendência de baixa do dólar. Paralelamente, a saúde da economia global e as perspectivas de crescimento influenciarão o apetite por risco e, consequentemente, a demanda por ativos seguros.
No cenário brasileiro, a trajetória da inflação e as perspectivas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) são determinantes para a política monetária do Banco Central e para a dinâmica do real frente ao dólar. A condução da política fiscal e o avanço de reformas estruturais também desempenham um papel crucial na confiança dos investidores e no fluxo de capitais para o país.2.1 Fluxo e posicionamento global: o que os investidores estão dizendo com o dinheiro.
Para melhor visualizarmos a mudança na alocação de risco global, é fundamental analisarmos o comportamento de ativos-chave em momentos de tensão. Os gráficos a seguir ilustram essa dinâmica:
Gráfico 1: DXY vs. Ouro - Evolução Normalizada (Jul/23 até Mai/25)
Fonte: Desenvolvido pelo autor dados Yahoo Finance
Este gráfico compara a evolução normalizada do Índice do Dólar (DXY) com o preço do ouro (USD/onça) desde julho de 2023 até maio de 2025. A normalização permite uma comparação direta das variações percentuais de ambos os ativos, tomando como base o valor 100 no início do período.
Observamos que, até meados de 2024, DXY e Ouro apresentavam uma correlação relativamente baixa, com o Dólar demonstrando uma leve tendência de alta, enquanto o Ouro oscilava com volatilidade. No entanto, a partir do início de 2025, e especialmente após o anúncio do "Tarifaço Trump" em 02/04/25 (destacado no gráfico), o Ouro inicia uma trajetória ascendente acentuada, divergindo do DXY, que permanece relativamente estável ou em leve queda.
Essa divergência sugere uma busca por proteção em ativos reais como o Ouro, em detrimento do Dólar, tradicionalmente procurado em períodos de incerteza. O aumento da aversão ao risco, impulsionado pelas tensões comerciais, parece ter redirecionado fluxos de capital para fora do Dólar e para o Ouro.
Gráfico 2: Juros dos Títulos do Tesouro Americano - 5 e 10 anos
Fonte: Desenvolvido pelo autor dados Yahoo Finance
Este gráfico apresenta a evolução dos juros (yields) dos Títulos do Tesouro Americano de 5 e 10 anos, também de julho de 2023 a maio de 2025. Os Treasuries são considerados ativos de baixo risco e alta liquidez, e seus juros refletem a percepção de risco e as expectativas de política monetária do mercado.
Até o início de 2025, os juros dos Treasuries exibiam uma volatilidade considerável, mas sem uma tendência clara de alta ou baixa. No entanto, após o "Tarifaço Trump" em 02/04/25 (destacado no gráfico), observamos uma queda nos juros, especialmente nos títulos de 10 anos.
A queda dos juros dos Treasuries em um cenário de aumento da aversão ao risco é um comportamento típico, indicando uma busca por segurança nesses ativos, o que eleva seus preços e, consequentemente, reduz seus yields. No entanto, a simultaneidade desse movimento com a desvalorização do Dólar (vista no Gráfico 1) revela uma dinâmica atípica: mesmo com a procura por ativos seguros, o Dólar não se valoriza na mesma proporção, sugerindo uma redistribuição da alocação de capital para outros ativos, como o Ouro.
Linha do Tempo do Tarifaço EUA–China (2025)
Com Participação Pontual de Brasil e União Europeia
Abaixo, apresentamos uma linha do tempo com os principais marcos do recente conflito comercial entre Estados Unidos e China, que culminaram na trégua temporária anunciada em maio de 2025. Este cenário tem desempenhado um papel central na oscilação do dólar e nos fluxos de capital globais:
Imagem 1: Linha do tempo do Tarifaço
Fonte: Desenvolvido pelo autor via Dall-e
A linha do tempo evidencia não apenas o agravamento das tensões comerciais entre EUA e China, mas também destaca acontecimentos relevantes para o Brasil e a União Europeia. Em especial, o impasse nas negociações entre Mercosul e UE, e o efeito colateral das medidas protecionistas americanas sobre o agro e a indústria nacional.3. Contexto macroeconômico: Inflação, crescimento e política monetária.
O alívio inflacionário nos EUA, combinado com o esfriamento da atividade industrial (visto nos últimos ISMs), reforça a tese de um Fed mais dovish. Essa expectativa vem sendo precificada nas curvas de juros, o que colabora com o enfraquecimento do dólar. No Brasil, o cenário é mais complexo: embora o IPCA continue surpreendendo positivamente, os ruídos fiscais e políticos ainda limitam o espaço de apreciação do real, o que abre oportunidade para movimentos táticos no câmbio com base puramente técnica.
Política Monetária do Federal Reserve (Fed):As decisões do Fed em relação às taxas de juros e ao quantitative easing/tightening têm um impacto direto no valor do dólar. A elevação das taxas tende a fortalecer o dólar, tornando os ativos denominados em USD mais atraentes para investidores estrangeiros. As expectativas futuras para a política monetária do Fed são cruciais.
- Inflação nos Estados Unidos: A persistência da inflação nos EUA continua sendo um fator chave. O Fed tem se mostrado determinado a controlar a inflação, o que implica em manter ou até mesmo elevar ainda mais as taxas de juros, sustentando a valorização do dólar.
- Crescimento Econômico Global: A saúde da economia global influencia o apetite por risco e, consequentemente, o fluxo de capitais. Em períodos de incerteza ou baixo crescimento global, o dólar tende a se beneficiar do seu status de "porto seguro".
- Outras Moedas Globais: A performance de outras moedas importantes, como o Euro (EUR), a Libra Esterlina (GBP) e o Yen Japonês (JPY), também afeta o valor relativo do dólar. Problemas econômicos ou políticos em outras grandes economias podem fortalecer o dólar por comparação.
- Geopolítica: Eventos geopolíticos, tensões comerciais e conflitos podem aumentar a aversão ao risco e impulsionar a demanda por ativos seguros denominados em dólar.
O Dólar e as Commodities
A relação entre o dólar e as commodities é complexa e multifacetada:
- Precificação: Muitas commodities, como petróleo, ouro e algumas agrícolas, são precificadas em dólares americanos. Um dólar mais forte pode encarecer essas commodities para compradores que utilizam outras moedas, o que pode diminuir a demanda e pressionar os preços para baixo.
- Países Produtores: Para países que exportam commodities e cuja moeda local se desvaloriza em relação ao dólar, a receita em moeda local pode aumentar, mesmo que os preços das commodities em dólares permaneçam estáveis.
- Investimento: O dólar também é um fator a ser considerado ao investir em commodities. A valorização do dólar pode impactar o retorno total de investimentos em commodities para investidores com outras moedas.
Análise Técnica do Dólar
Imagem 2: Dólar Americano | Real (USD/BRL) Suportes e resistências
Fonte: Desenvolvido pelo autor via TradingView
No gráfico diário do dólar, destaquei em verde as máximas relevantes do movimento iniciado em julho de 2023 até a data deste relatório, 14/05/2025. A alta acumulada nesse período foi de 34,43% — mais de R$1,61 — saindo da mínima de R$4,69 até atingir a máxima histórica de R$6,31, superando os picos registrados durante a pandemia. As máximas de 2022 estão assinaladas em azul no gráfico.
A correção mais recente, observada ao longo de 2025, foi de R$0,73 (queda de 11,59%) em relação à máxima, trazendo o preço de volta para a região entre R$5,40 e R$5,60. Essa faixa é tecnicamente significativa: atuou como forte resistência durante o movimento de alta e agora tende a funcionar como zona de suporte. O conceito de “memória de preço” reforça essa leitura — trata-se de uma área de inflexão já testada em 2022, marcada por alto volume de negociação e relevante troca de posições.
Dada a volatilidade recente, utilizei duas médias móveis relativamente curtas — 17 períodos (azul) e 72 períodos (vermelha) — para acompanhar a tendência de curto prazo. Ambas apontam para uma inclinação negativa desde janeiro. A única formação de topo relevante após esse período ocorreu logo após o tarifaço de 02/04, mas esse movimento não se sustentou por mais de uma semana.
Imagem 3: Dólar Americano | Real (USD/BRL) Ondas de Elliot
Fonte: Desenvolvido pelo autor via TradingView
Nos gráficos complementares, identifiquei um pivô completo de impulsão, estruturado em cinco ondas (em azul), seguido por uma correção ainda em formação. A leitura de Fibonacci sugere que a perna C pode retornar até o topo da onda 1. Isso ocorre porque, em estruturas clássicas de Elliott, a onda 3 impulsiona fortemente o preço, enquanto a onda 4 não corrige esse avanço de forma significativa. Assim, o “gap” entre o topo da onda 1 e o fundo da onda 4 tende a ser fechado durante a onda C.
Imagem 4: Dólar Americano | Real (USD/BRL) Retração e expansão de Fibonacci
Fonte: Desenvolvido pelo autor via TradingView
Complementando a análise com a retração de Fibonacci do movimento completo, observamos que o nível de 61,8%, retração saudável, está localizado em R$5,31, próximo da máxima de 2023. Projetando a extensão da onda A, uma onda C com 161,8% de proporção nos leva a um alvo potencial em torno de R$5,15.
Portanto, caso a região atual (entre R$5,40 e R$5,60) não sustente os preços, existe espaço técnico para uma correção mais profunda. Essa leitura será invalidada apenas se o mercado romper a máxima da onda B, situada em R$6,09.
Uma oportunidade no câmbio ou sinal de algo maior?
A análise apresentada neste relatório revela que o recente comportamento do dólar frente a outros ativos e moedas globais sinaliza mais do que um mero ajuste técnico. A tradicional dinâmica de busca por segurança no dólar em momentos de crise parece estar sendo relativizada, dando espaço para ativos alternativos como o ouro e, potencialmente, novas classes como as criptomoedas.
A guerra comercial entre EUA e China, com suas escaladas tarifárias e tréguas temporárias, desempenhou um papel crucial nessa mudança de paradigma. A incerteza gerada pelas políticas protecionistas e a contestação da hegemonia do dólar no cenário internacional contribuíram para a busca por diversificação e proteção em outros ativos.
Do ponto de vista macroeconômico, a política monetária do Federal Reserve e as perspectivas de inflação e crescimento nos EUA e no Brasil continuam sendo fatores determinantes para a trajetória do dólar. No entanto, a análise técnica do gráfico do dólar, com a identificação de níveis de suporte e resistência importantes, sugere que há espaço para movimentos de correção mais profundos, independentemente dos fundamentos macroeconômicos de curto prazo.
Para o investidor brasileiro, esse novo cenário apresenta tanto desafios quanto oportunidades. A volatilidade do câmbio exige uma gestão de risco mais ativa e a consideração de estratégias de hedge para proteger o portfólio. Ao mesmo tempo, a aparente fraqueza do dólar abre possibilidades para diversificação internacional, investimentos em ativos alternativos e operações táticas no mercado de câmbio.
Em resposta à questão inicial sobre se estamos diante de um ponto de inflexão ou apenas um "desvio" temporário, a análise aponta para o primeiro cenário. A reconfiguração dos fluxos globais de capital e a erosão da confiança absoluta no dólar sugerem uma mudança estrutural no mercado de câmbio. Embora os ciclos macroeconômicos e os eventos geopolíticos continuem a influenciar a trajetória do dólar, a busca por alternativas e a diversificação dos ativos de proteção vieram para ficar.
Portanto, o investidor que busca obter sucesso nesse novo ambiente precisa estar atento às mudanças no cenário global, dominar as ferramentas da análise técnica e adotar uma postura proativa na gestão de seus investimentos.
Deixe no seu radas as seguintes estratégias:
- Venda tática de dólar (hedge reverso);
- Diversificação internacional com janela cambial favorável;
- Travamento inteligente de câmbio para exportadores.
Bons investimentos.