Angela Merkel conseguiu uma votação histórica nas eleições parlamentares da Alemanha, dia 22/9. No mercado eram crescentes as expectativas. Muitos se perguntavam como seria o desempenho dela, depois de oito anos no poder administrando crises. Afinal, foram tantos os governantes, nestes tempos pós-crise 2008, que mal completaram seus mandatos, abatidos por pesadas crises e pressões por ajustes nas economias, que esta dúvida era pertinente. No fim, Merkel acabou vencendo com votação histórica, mas terá que formar um governo de coalizão, visto que não atingiu a “maioria absoluta” necessária, algo comum na história da Alemanha pós-guerra.
Apesar disto, foi a maior votação em 20 anos, obtendo o terceiro mandato seguido, feito só comparável a Konrad Adenauer nos anos 50. Na Europa, apenas Tony Blair conseguiu feito semelhante, sendo que o britânico veio numa descendente, com vitórias cada vez mais apertadas, enquanto que Merkel obteve mais votos agora do que nas eleições anteriores.
Histórico de desgastes desde 2008.
Relembrando. Desde a crise de 2008 foram vários os governos na Zona do Euro, praticamente, “expulsos” do poder, com baixa popularidade e sem fazer seus sucessores. Na Espanha Zapatero, na Itália Berlusconi e Mario Monti, na Grécia Papandreu, na França Sarkozy, só para ficarmos nos principais. Todos sucumbiram diante da necessidade de ajustes recessivos nas economias, cortes profundos de despesas, afetando vários direitos e benefícios, maior carga fiscal, demissões, etc. Observa-se nestes países o fenômeno da “euroesclerose”, ou seja, o esgotamento de um modelo de sociedade alicerçado no welfare state. Envelhecimento da população, excesso de direitos trabalhistas, dívidas públicas explosivas, acima de 80%, ajudam a explicar esta crise de governabilidade atual, em especial nos países periféricos da Zona do Euro.
Alemanha x Zona do Euro.
Considerada uma líder “pragmática e cautelosa”, firme na condução do País, Angela Merkel tentou atender as demandas do eleitorado “contribuinte”. Se nos outros países da região, os ajustes fiscais recessivos se tornaram regra, na Alemanha, o contrário aconteceu. Uma explicação para isto é a de que a Alemanha largou na frente, por ter passado pela unificação em 1989/90, com a agenda de reformas estruturais (tão cara a certos países), avançando bem mais do que nos outros da Zona do Euro. Este fato, inclusive, ajuda a explicar a diferenciação de produtividade entre os alemães e os outros membros da Zona do Euro. Somado a isto, por pressão do eleitorado, Angela Merkel nunca aceitou socorrer os países em dificuldade sem impor condicionalidades ou comprometer seu orçamento.
Sobre a economia.
Realmente, os ganhos de produtividade da Alemanha são um diferencial importante frente ao resto da Europa. A estrutura econômica é muito mais eficiente, com custos muito mais baixos, o que ajuda a explicar o fato de ser muito mais competitiva do que os outros países do resto da Europa. Com a criação da Zona do Euro, a moeda unificada acabou por dificultar os países no ajuste da sua capacidade de competir. Agora, estes países precisam se tornar competitivos via corte de custos, retirada de direitos, ajuste nas contas públicas, etc. Isto pode ser observável pela figura a seguir, onde a competitividade da Alemanha é a maior da região, elevando a renda per capita, ao contrário de outros países da região.
Isto pode ser observável, também, na análise do desemprego, na qual a taxa na Alemanha é de 5,3% da PEA, enquanto que na Grécia passa dos 27%, na Espanha 26% e em Portugal 16%. Entre os jovens, na Alemanha o desemprego se encontra em torno de 7,7%, enquanto que na Grécia passa dos 62%, na Espanha 56% e na Itália 39%. Na Zona do Euro, a taxa de desemprego está em torno de 12%, com a taxa na Alemanha menor do que quando Merkel foi reeleita pela primeira vez, em 2009, um ano depois da crise.
Eleições.
Sobre estas, foi a terceira vitória seguida, a maior em 20 anos, mas não suficiente para garantir “maioria absoluta” no Bundestag (Câmara dos Deputados do Parlamento Alemão).
Angela e seus aliados conservadores (União Democrática Cristã, CDU e União Social Cristã, CSU) conseguiram 311 das 630 cadeiras em disputa (41,5%), quando seria necessário 316 para ter maioria absoluta; o Partido Social Democrata (SPD) conseguiu 192 cadeiras (25,7%), segundo pior resultado do partido no pós-guerra, o Partido “A Esquerda”, 64 (8,6%) e os Verdes 63 (8,4%). O outro partido da base aliada de Merkel, o neoliberal FDP, acabou não conseguindo assentos no Parlamento por não atingir o mínimo de 5% dos votos , pela cláusula de barreira, obtendo apenas 4,8%. Se conseguisse este mínimo, talvez Merkel conseguisse a tão almejada “maioria absoluta”. A última vez que foi obtida foi nos longíguos anos 50, na gestão Konrad Adenauer.
E agora?
Angela Merkel tentará se aproximar dos sociais democratas (SPD), principal partido da oposição. Estes, no entanto, se mostram contrários a formação de uma “grande coalizão” com Merkel. Uma aliança anterior, no primeiro mandato (2005 a 2009), não foi boa para o SPD. Naquela ocasião, por terem apoiado a desregulamentação do mercado de trabalho em 2005, acabaram com resultado pífio na eleição seguinte, de 2009, com 23% das cadeiras.
Propostas de governo.
Merkel disse que adotará uma política de “austeridade suave”, pela necessidade de compor com os sociais democratas. Estes defendem a criação do salário mínimo, enquanto Merkel defende uma agenda de medidas que tragam competitividade à economia, com investimentos para reduzir os custos da energia, melhorar a infraestrutura de transportes e aliviar a dependência da economia ao setor exportador. Isto parece notório quando se sabe que a maioria das vendas externas da Alemanha acontece dentro da própria Zona do Euro.
Sendo assim, se esta região segue “empacada”, acaba por afetar o comércio exterior dos alemães. Joseph Stiglitz, economista americano, por exemplo, acha a reeleição de Merkel um retrocesso. Para ele, foi um erro a população alemã não perceber que a Alemanha não deve se manter bem se os seus vizinhos não se recuperarem. Nada mais sintomático. É o país mais competitivo da região, mas tendo a Zona do Euro como seu principal mercado, em crise, a quem exportar? A torcida, portanto, será pela recuperação dos parceiros comerciais da região.