Brasil no centro do conflito: Tarifa de Trump distorce preços e encarece o agro

Publicado 11.07.2025, 13:30

O anúncio do governo dos EUA de que todas as importações brasileiras serão tarifadas em 50% a partir de 1º de agosto representa uma escalada atípica em um ambiente global já marcado por instabilidade regulatória e tensões comerciais. A justificativa formal — supostos desequilíbrios na relação bilateral — contrasta com os dados mais recentes do U.S. Census Bureau, que apontam superávit comercial de US$7,4 bilhões em favor dos Estados Unidos.

A medida atinge um conjunto amplo de setores estratégicos para o Brasil, como energia, alimentos, siderurgia, aviação, maquinário e commodities agrícolas. O impacto não se limita ao comércio exterior; afeta expectativas sobre receita cambial, investimento produtivo e estabilidade do regime de preços, num momento em que o país tenta preservar seu diferencial de juros como âncora contra choques externos.

Embora o volume exportado para os EUA represente cerca de 12% das exportações brasileiras totais, os produtos afetados carregam alto valor agregado e ampla integração a cadeias industriais globais. O risco maior está na instabilidade jurídica criada pela decisão — o uso da Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA para iniciar uma investigação formal contra o Brasil amplia o precedente de que medidas unilaterais possam ser usadas para contestar marcos regulatórios domésticos.

O pano de fundo da medida vai além do comércio. Na carta enviada ao presidente Lula, Trump menciona o ex-presidente Jair Bolsonaro e critica a condução do seu julgamento. No entanto, o foco principal recai sobre a atuação do Brasil em temas sensíveis para os Estados Unidos, como a regulação de plataformas digitais, liberdade de expressão nas redes, governança de inteligência artificial e controle sobre dados públicos e autorais. Iniciativas recentes — como o julgamento do Marco Civil da Internet, a declaração do Brics sobre IA e as propostas para ampliar o poder do Cade sobre big techs — são interpretadas por Washington como potenciais ameaças ao modelo de negócios das gigantes de tecnologia americanas. A própria carta deixa explícito que as tarifas poderão ser ajustadas, para cima ou para baixo, conforme a evolução da relação bilateral — o que reforça o caráter condicional e instrumental da medida.

Do ponto de vista de mercado, o real devolveu parte dos ganhos acumulados no ano — a moeda brasileira recuou para a faixa de 5,50 por dólar, após ter valorizado mais de 12% em 2025. O movimento foi impulsionado pela perspectiva de revisão negativa nas projeções de fluxo cambial e pelo risco de deterioração nas contas externas. Mesmo com a Selic mantida em 15% e o país oferecendo um dos maiores juros reais do mundo, a elevação do risco regulatório penaliza o diferencial de taxa e fragiliza o real no curto prazo. O IPCA de junho, acima da meta (5,35%), dificulta qualquer flexibilização da política monetária neste momento.

Fonte: APP da XTB 

Entre as commodities, o impacto mais direto foi observado no café arábica. O Brasil responde por quase metade da oferta global da variedade e é responsável por cerca de um terço do consumo americano, embarcando aproximadamente 8 milhões de sacas de 60 kg por ano. Os futuros negociados em Nova York chegaram a subir 3,2%, antes de se acomodarem abaixo de US$2,90 por libra-peso. Com a tarifa em vigor, a viabilidade econômica das exportações ao mercado americano fica comprometida, a menos que o produto seja isento ou redirecionado para nichos específicos.

Fonte: APP da XTB

O caso do suco de laranja reforça essa pressão. Mais da metade do que é consumido nos EUA vem do Brasil, e a produção doméstica americana está em queda há anos devido a eventos climáticos e doenças como o citrus greening. Com a previsão de uma das menores safras em 88 anos, o risco de repasse aos preços ao consumidor final nos EUA aumenta, especialmente em um ano eleitoral.

Produtos como açaí, carne bovina e bioenergia também entram na lista de risco. Embora o etanol brasileiro tenha baixa penetração no mercado norte-americano, as cadeias produtivas de açúcar e etanol são relevantes para empresas como Shell (NYSE:SHEL) (Raízen (BVMF:RAIZ4)) e BP Bunge (NYSE:BG), que operam no Brasil com exposição direta à matéria-prima nacional. A reação dos produtores de carne nos EUA, por outro lado, foi positiva: o setor vê a tarifa como oportunidade para recuperar participação doméstica.

Dada a natureza política da decisão e a ausência de fundamentos econômicos claros, o caráter sistêmico da medida é o principal ponto de atenção para investidores. A imprevisibilidade jurídica criada por essa abordagem reforça o prêmio de risco sobre ativos brasileiros e coloca em xeque a estabilidade da relação comercial com o segundo principal parceiro do país. O alerta feito por Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, resume essa leitura: trata-se de uma “instrumentalização da política comercial para fins políticos”, sem conexão direta com os fundamentos macroeconômicos da relação bilateral.

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