A Organização Mundial de Comércio (OMC) é uma derivação do GATT (General Agrement of Tarift and Trade, Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), criado em 1947 sob os auspícios da reunião de Bretton Wood, ocorrida no pós-guerra.
Nos anos 90, depois da Rodada Uruguai, se consolidou com o objetivo primordial de acelerar a abertura do comércio internacional e intensificar um sistema multilateral entre os países membros, hoje em torno de 159. Atualmente, se encontra empacada na Rodada de Doha, iniciada em 2001 e atingida em cheio em 2008 pela maior crise financeira desde 1930. De um lado, grande parte dos países desenvolvidos, liderados por EUA e União Européia, do outro, a emergência de países em desenvolvimento, liderados pelos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Tem-se, de certa forma, o embate entre norte-sul, com o tabuleiro da política externa pendendo mais para este segundo bloco de países.
É neste contexto, portanto, que Rodrigo Azevedo, diplomata de carreira, acabou eleito como Diretor Geral da OMC. Seu objetivo? Tentar destravar as negociações de Doha, buscando resgatar o sistema multilateral de comércio, na qual todos países membros da OMC se veem envolvidos.
O problema é que várias são as pendências. Desde a crise de 2008, como seria de prever, uma onda protecionista varre a economia mundial, com o comércio global sendo duramente impactado. Isto acontece, pois a desaceleração das economias se tornou inevitável, com o aumento do desemprego, o que levou os países a uma postura mais defensiva, com o intuito de preservar a produção doméstica e os seus empregos.
Entre 2003 e 2007, as exportações cresceram em torno de 5% a 9% na média anual, em 2008, recuaram 14% e em 2012, cresceram apenas 2%, segundo uma think tank holandesa CPB. Somado a isto, o número de medidas restritivas só aumentaram neste período, com destaque para o aumento das tarifas de importação, subsídios a produção, estímulos aos investimentos, desvalorização cambial, dentre outras.
O Brasil não ficou fora deste processo, com a aplicação de 120 medidas, o que o coloca em 11º lugar entre os países que mais aplicaram medidas restritivas desde 2008. Em primeiro lugar estaria a Rússia, com 269 medidas, seguida pelos nossos hermanos argentinos (214), Índia (165), Reino Unido (146) e Alemanha (145), só para ficarmos nos cinco primeiros, segundo a Global Trade Alert (GTA).
Nos últimos 12 meses, o Brasil passou a 10º lugar, com 9 novas medidas restritivas anunciadas; a Rússia, novo integrante da OMC, veio com 48 novas medidas, e a desgastada Argentina 28. Para piorar, atualmente, são cerca de 110 investigações sobre dumping, quando são colocados produtos no mercado global com preços mais baixos, mas custos manipulados.
Somado a esta onda protecionista, o sistema multilateral vem sendo colocado à prova nestes anos, com o crescimento dos acordos de comércio mais concentrados, como os bilaterais, entre dois países, ou os plurilaterais, entre grupos de países. Neste caso, incluímos o acordo recente fechado entre EUA e Zona do Euro, sem esquecer a consolidação dos blocos de comércio, como MERCOSUL, NAFTA, Zona do Euro, dentre tantos.
Enfim, é neste cenário pouco alvissareiro que o nosso diplomata, considerado um habilidoso negociador, assume a OMC, tomando posse agora em setembro. No final do ano, em dezembro, terá que se confrontar com uma Conferência Ministerial em Bali, na Indonésia, quando deverá dar o seu cartão de visita aos países membros.
Se autodenominando um “construtor de pontes”, por conseguir vencer, através de negociações, resistências contrárias, Azevedo terá uma dura tarefa pela frente. Como já dito, seu objetivo inicial será destravar Doha. Um dos obstáculos é o confronto entre ricos e pobres, com os primeiros não muito propensos a abrir mão dos subsídios agrícolas, na Zona do Euro, parte da cultura de alguns países, como no caso dos laticínios, e os emergentes se colocando irredutíveis na abertura de mercados, como no caso dos serviços financeiros.
Sobre o Brasil, por contraditório que possa parecer, nossa história não nos coloca entre os principais atores do comércio global. Ainda não somos um global trader, nem um país aberto, já que nossa participação nas exportações e importações, em relação ao comércio global, é baixa. Não passa de 1,3% do total. Pelos últimos movimentos no MERCOSUL e nos encontros internacionais, através do Grupo dos 20 (G-20), inclusive, observamos um posicionamento mais político do que econômico, visando maior fluidez no comércio global de bens e serviços.
De certa forma, a nomeação de Rodrigo Azevedo surgiu deste processo de politização na relação entre norte e sul, colocando sob pressão o atual tabuleiro econômico e político global. A emergência de novos atores, como China, Índia, a maior participação dos países da África e da Ásia, e uma diplomacia mais ativa do Itamaraty, acabam reforçando nossa posição entre um dos líderes dentre os países emergentes. Com estes atuando em bloco, uma nova correlação de forças se faz presente. Não dá mais para manter a mesma configuração do pós-guerra. Algo pode estar mudando, com a maior presença dos países em desenvolvimento, e a nomeação de Rodrigo Azevedo reforçou isto.