Nesses exatos 99 dias de governo Bolsonaro, critiquei a postura do presidente e seus aliados próximos em alguns dos meus artigos. Muito ruído, pouco trabalho. As sucessivas crises geraram um tom de pessimismo em quem acreditava em uma largada fulminante.
Afinal, todos os ventos sopravam a favor do capitão: eleição com confortável margem de votos, a parte mais importante da equipe ministerial respaldada pela população e uma oposição fragilizada. O governo, porém, ficou ancorado no discurso das eleições, refém do "nós contra eles". Prova disso foi a precoce queda da popularidade do presidente, como vemos abaixo.
No campo político, Bolsonaro e sua equipe apostaram em uma estratégia arriscada. Negando a negociação de apoio mediante cargos, foram atrás somente nas frentes parlamentares. Algo inédito pelo menos no sistema brasileiro. Aliás, não só inédito como fadado ao fracasso – diziam renomados cientistas políticos – pela fragilidade das alianças. Não foi por falta de aviso que o modelo não rendeu frutos.
Substituição
Dito e feito: semana passada, Onyx Lorenzoni e Bolsonaro organizaram reuniões com diversos líderes partidários para articular os apoios para a reforma da Previdência. Os encontros começaram na quinta-feira (4) e continuarão durante essa semana.
Na mesma esteira, Paulo Guedes está escalado para receber parlamentares que estejam dispostos a conversar e negociar a aprovação da reforma. Evidentemente, a oposição não está nesse conjunto – o que nos leva a esperar mais serenidade do ministro nas conversas particulares.
Aqui, temos que reconhecer a mudança de postura do governo com relação às negociações. Está claro que Bolsonaro vem iniciando diálogos com partidos para compor uma base aliada ainda inexistente, mesmo reforçando o tão prometido fim do toma lá dá cá.
A mudança de postura do presidente é digna de elogios, apesar de ter chegado tardiamente. Bolsonaro percebeu que o fracasso da reforma previdenciária pode custar seu governo. Mesmo torcendo o nariz, terá que ir de encontro a algumas de suas promessas de campanha.
Ainda é cedo para observarmos avanços concretos na articulação política, mas pelo menos a partir de agora teremos os ingredientes e instrumentos para juntar a massa dos 308 deputados. É como se antes estivéssemos regredindo e agora voltamos à estaca zero.
Sinais, fortes sinais
Após as reuniões da última quinta-feira, Bolsonaro usou as redes sociais para publicizar o sucesso dos encontros. Disse que "tudo ocorreu em alto nível" e "nada se falou sobre cargos", enfatizando que o Executivo e o Legislativo estão unidos por uma causa: a Nova Previdência. O presidente, no entanto, não pediu apoio formal aos partidos.
Na outra ponta, caciques das siglas também sinalizaram que as reuniões foram positivas. Gilberto Kassab (PSD) afirmou que seu partido terá "boa vontade" para aprovar a reforma, ACM Neto (DEM) disse que seu partido cogita integrar a base aliada do governo, Geraldo Alckmin (PSDB) e Baleia Rossi (MDB) anunciaram que as respectivas legendas apoiam (com ressalvas) a reforma, mas continuarão independentes ao governo e Marcos Pereira (PRB) afirmou que haverá dois conselhos políticos – ideia do Planalto – para intermediar as negociações e ouvir as demandas de deputados.
Os conselhos funcionariam da seguinte maneira: os dois grupos – um com os presidentes das siglas e o outro com líderes do Congresso – se reuniriam a cada 15 dias, sendo recebidos ora pelo próprio presidente, ora pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. As visitas teriam como objetivo ouvir as demandas do Legislativo e alinhar votações nas casas.
Desidratação
O conselho político é uma alternativa interessante para aproximar os partidos sem oferecer cargos em um primeiro momento. Já há, porém, um entendimento no Planalto que a indicação de deputados para algumas áreas do governo será, naturalmente, o passo seguinte a essa aproximação. Bolsonaro só não deve permitir a "porteira fechada" – no jargão político, seria a entrega total de um ministério, estatal ou autarquia para somente uma legenda.
De qualquer forma, a maior preocupação com a reforma da Previdência ainda é o timing da tramitação e a desidratação da proposta. A segunda questão é mais sensível que a primeira. Paulo Guedes, por exemplo, já jogou a toalha sobre o BPC e a aposentadoria rural, que devem ser cortados na comissão especial. O sistema de capitalização também está em risco – se cair, a Previdência volta a ser um problemão para o médio-longo prazo. Pelo menos, o governo agora conseguiu achar um norte que o possibilite maior protagonismo no Congresso.