Hoje é dia da posse do presidente eleito nos Estados Unidos e também de decisão do Banco Central sobre a taxa de juros no Brasil, mas o que tem movimentado o mercado doméstico é a vacinação contra a covid-19, que mal começou e parece já ter hora e data para acabar. A Fiocruz irá atrasar a entrega da vacina da Oxford devido à falta de insumos, enquanto as doses de CoronaVac não atendem nem metade dos profissionais de saúde.
Neste mais recente capítulo da inépcia do governo federal no combate à pandemia, cresce a pressão sobre o presidente Jair Bolsonaro. Até mesmo os partidos aliados do Centrão já entoam o discurso de impeachment. O Itamaraty também sofre bombardeio interno, em meio aos impasses diplomáticos nas negociações com China e Índia, com o histórico de vexames com esses países colocando em risco a produção de imunizantes no Brasil.
Por tudo isso, Bolsonaro saiu derrotado desde o último domingo, quando uma enfermeira foi a primeira a ser vacinada contra a covid-19, no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Até então, esse revés imperava apenas nos bastidores do governo, mas agora o sentimento de derrota extravasa e caminha para uma espécie de implosão, da qual os ativos locais não conseguem se blindar. A não ser que os estragos na crise da saúde sejam resolvidos.
Ontem, o Ibovespa até que conseguiu defender a marca dos 120 mil pontos, que foi perdida no pior momento do dia, durante a sessão, ao passo que o dólar aproximou-se da faixa de R$ 5,35. A cautela com o cenário político permeou o movimento dos mercados, com o desdobramento do atraso na vacinação sendo potencializado pelas preocupações sobre as questões fiscais e a proximidade das eleições no Congresso, em fevereiro.
O temor é de que os sinais de perda de popularidade levem o presidente a adotar medidas populistas, vistas como negativas pelo mercado. Já é dada como certa a extensão do auxílio emergencial aos mais vulneráveis à pandemia - ainda que com um valor, ao redor de R$ 300,00 - o que torna praticamente inviável respeitar a regra sobre o “teto dos gastos”. E a pressão de Bolsonaro por novas ações pode ser maior.
Em meio a tudo isso, a volatilidade tende a reinar nos negócios locais, muitas vezes descolando-se do ambiente externo. E os investidores sabem que, sozinha, a política monetária não dará conta de impedir a derrocada por aqui. Por mais que seja unânime a expectativa de manutenção da taxa básica de juros em 2,00% hoje, o comunicado do BC que acompanhará o anúncio da decisão deve sofrer alteração.
Afinal, houve uma piora significativa no balanço de riscos, com a inflação oficial ao consumidor (IPCA) encerrando o ano passado meio ponto percentual acima do centro da meta, trazendo uma pressão sobre os preços para 2021, ao mesmo tempo em que há sinais de mudança no “arcabouço fiscal”, que tende a seguir expansionista e sem reformas estruturais. Só por aí, o Comitê de Política Monetária (Copom) deveria indicar alta dos juros básicos em breve.
Contudo, o ainda contínuo avanço do coronavírus no país combinado com um cenário de desemprego recorde e de perda de tração da atividade inibem um ciclo agressivo de alta da Selic desde já. Restará ao Copom o ônus de reforçar o processo de recuperação da economia, sinalizando uma elevação gradual da taxa básica em algum momento deste ano - talvez só a partir do segundo semestre.
A ver, então, como fica o comunicado do BC. É possível uma mudança mais drástica na orientação futura (forward guidance) sobre a manutenção da Selic no nível atual por mais tempo ou mesmo a retirada dessa ferramenta no documento. O fato é que o Copom sabe que o espaço para erros no Brasil está cada vez mais próximo a zero e a autoridade monetária já vem sendo criticada por ter ido tão longe na redução da Selic.
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O anúncio da decisão do Copom é o destaque da agenda doméstica, mas será feito apenas depois do fechamento do pregão local, às 18h30. Antes, às 14h30, o BC entra em cena para informar os dados semanais sobre a entrada e saída de dólares do país (fluxo cambial). No exterior, o calendário econômico está esvaziado, trazendo apenas dados do setor imobiliário norte-americano (12h) e sobre a inflação ao consumidor (CPI) na zona do euro em dezembro, logo cedo.
Troca de Comando
Com isso, a atenção do mercado global fica concentrada em Washington. A capital dos EUA está sob reforçado esquema de segurança, com mais militares espalhados pelas ruas do que o que foi enviado no Iraque e Afeganistão juntos. Todo esse aparato sem precedentes visa impedir qualquer “insurreição”, tal qual o ataque visto no Capitólio no início deste mês. A posse de Joe Biden está prevista para as 14h.
Donald Trump deve deixar a Casa Branca horas antes do início da cerimônia, o que sinaliza que os problemas internos que o presidente eleito terá de enfrentar são tão desafiadores quanto o ambiente global ainda marcado pela pandemia. O democrata promete um tom duro contra o maior rival externo, a China, e conciliador para unir a “América”.
Para tanto, Biden deu carta branca à ex-presidente do Federal Reserve Janet Yellen, que irá assumir agora o Tesouro dos EUA. Depois de o sucessor de Yellen no Fed, Jerome Powell, injetar trilhões de dólares no sistema financeiro para combater o impacto econômico da disseminação do coronavírus, agora é a vez dos cofres públicos serem abertos para reerguer a economia norte-americana e global.
ANÁLISE: O Sentido Econômico da Vitória de Biden e Seus Riscos
Será um grande teste. Afinal, os estímulos monetários e fiscais elevaram a dívida dos EUA para perto de US$ 3 trilhões - sem contar o novo pacote de US$ 1,9 trilhão. O risco é que diante desse nível inédito de endividamento, a superpotência não consiga impulsionar a demanda global e acabe vendo seu principal adversário conquistar o posto de maior economia do mundo.
A expectativa é de que a China assuma a liderança antes do fim desta década, com o país asiático entrando agora num novo estágio de desenvolvimento, a ser inaugurado com o início do segundo centenário do Partido Comunista Chinês. Os primeiros cem anos do PCCh serão celebrados em julho, tendo alcançado o objetivo de construir neste período uma sociedade moderadamente próspera.
Portanto, ou os EUA exercem seu poder para reorientar a economia global ou não servirão mais para isso. Com o custo dos empréstimos no país no chão a prazos a se perder de vista, essa liquidez abundante pode deixar submerso os riscos de se ter um prêmio tão baixo nas taxas de juros tão longas. No curto prazo, os investidores mantêm o apetite por ativos mais arriscados, em busca de maiores rendimentos.
Os índices futuros das bolsas de Nova York amanheceram em alta, embalando a abertura do pregão europeu, após uma sessão positiva na Ásia, onde apenas Tóquio caiu (-0,4%). O dólar é perdedor em relação às demais moedas, ao passo que o juro projetado pelo título norte-americano de 10 anos (T-note) oscila abaixo de 1,10%. Já o petróleo avança, com o barril do tipo WTI seguindo firme acima da faixa de US$ 50.