Talvez seja meio cringe falar isso, mas nós, nascidos nos anos 1980, sabemos: é terminantemente proibido gritar gol antes da bola entrar.
Nas arquibancadas do Pacaembu, não tinha conversinha. As coisas eram resolvidas de forma bastante direta. Eu me lembro bem daquele 23 de maio de 1992. Antes do gol salvador do Viola, estávamos todos tensos.
Giba pegou a bola, pela direita obviamente, bateu com a chapa do pé, com a criança em arco girando levemente em sentido anti-horário, fugindo do goleiro para encontrar a testa de Paulo Sérgio, que cabecearia de frente, livre, leve e solto para o gol. Ele foi ao encontro da bola, encontrou a gorduchinha e… “Gol, gol, gol”, gritei de maneira ansiosa e equivocadamente apressado.
“Cala a boca, moleque. Espera a bola entrar pra gritar gol, playboy.” A bola foi pra fora e eu, que nunca fui playboy, mas, mesmo calçando tênis furado e calças de moletom esgarçadas, poderia muito bem me passar por um numa análise relativa, recebi um safanão na nuca e uma bronca inesquecível.
Nunca mais comemorei antes da hora. O jogo só acaba quando termina, diz a sabedoria popular.
A verdade é que não me dou muito a comemorações. Há um espírito de Day One e de recomeço mesmo antes do fim do ciclo anterior. De maneira antecipada, então, jamais.
Escrevo as linhas a seguir com a devida parcimônia. Como não sou autor desta newsletter amanhã, nem sexta, faço um balanço do primeiro semestre hoje, sabendo do risco de encontrarmos alguma surpresinha desagradável aos 45 minutos do segundo tempo. Poucos dias ou até mesmo horas fazem diferença. Receba este texto, portanto, com a devida cautela, ciente de que tudo que é falado ou redigido está circunscrito às informações disponíveis até aquele momento.
E não nos esqueçamos de que o dia de hoje é longo, com definição de cota semestral a servir de base para apuração de taxa de performance dos fundos de investimento — especial atenção para os cases queridinhos do smart money local com menor liquidez. Não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem.
Caminhamos para um bom semestre
Seis meses dizem muito pouco. Talvez nada. Claro que é melhor subir do que cair, mas, mais do que a performance passada, importa o prognóstico para o desempenho à frente. Treinado na escola fundamentalista clássica, me empolga muito mais o que os fundamentos apontam para o segundo semestre.
Começamos o ano projetando uma trajetória da dívida/PIB brasileira não convergente, caminhando para 110%. O descontrole fiscal brasileiro exigia muito prêmio para se comprar os nossos ativos. Agora, as melhores contas apontam para algo perto de 83%. Objetivamente, o principal risco doméstico está bem menor agora, com espaço fiscal de curto prazo, ainda que permaneça, claro, um desafio estrutural de médio e longo prazo importante.
A economia cresce bem acima das expectativas prévias. A arrecadação fiscal supera estimativas consecutivamente. Os resultados corporativos estão melhores e, a cada interação privada com as empresas, você percebe uma perspectiva empolgada.
A agenda de reformas, aos trancos e barrancos, vai caminhando. Alvo de zombaria anterior, a privatização da Eletrobras (SA:ELET3), mesmo com problemas, acontece. Outras concessões e licitações também. O Banco Central recuperou um discurso mais ortodoxo e firme, afastando preocupações com um descontrole inflacionário e o desequilíbrio macro.
As commodities encontram-se em níveis elevados e ajudam as contas externas, nosso câmbio e nossa arrecadação.
Lá fora, o temor de que enfrentaríamos taxas de juro de mercado subindo rapidamente foi, ao menos parcialmente, dissipado. O yield do Treasury de dez anos saltou de 0,9% para 1,80%, disparou uma preocupação com casos de crescimento e tecnologia e reduziu o fluxo de recursos para países emergentes no primeiro semestre, sob preocupação grande com a inflação americana. Agora, ele já voltou para baixo de 1,50%, diante da crescente interpretação de que a inflação tem caráter temporário. O juro segue baixo lá fora, a liquidez global é ampla, as economias desenvolvidas crescem rápido — o cenário é bom.
Encerro meu último texto deste semestre recorrendo a Stanley Druckenmiller e a uma sabedoria que pode nos ser muito útil para o momento:
“George Soros tem uma filosofia que eu também adotei para mim. A maneira para construir retornos consistentes de longo prazo é por meio da preservação de capital e de alguns home runs. Você pode ser muito mais agressivo quando está tendo bons lucros. Muitos gestores, quando sobem 30% ou 40%, encerram seu ano ali — isto é, passam a agir muito cautelosamente no resto do exercício, como forma de preservar o bom retorno acumulado até ali. A forma, porém, de apurar retornos verdadeiramente superiores no longo prazo é produzir retornos de 30% ou 40% e, então, se você tiver convicções, perseguir 100% no ano! Se você puder reunir uns poucos anos de retornos próximos a 100% e evitar períodos de retornos muito negativos, então assim atingirá retornos espetaculares no longo prazo.”
Estamos apenas na metade do ano. E o dia hoje tem umas 60 horas.