Entre Distratos e Impairments Surge uma Oportunidade com a Gafisa

Publicado 10.04.2018, 00:46

Nos últimos anos o setor imobiliário, claramente, foi um dos setores que mais sofreram com o desempenho de nossa economia. Dentro desse mercado algumas empresas em particular se destacaram pela desorganização de suas contas e baixo desempenho, mesmo diante das expectativas já pessimistas dos analistas para os imóveis.

Uma das principais com certeza é a Gafisa (SA:GFSA3) que, apesar de não chegar a recuperação judicial, a exemplo do que aconteceu com empresas como PDG (SA:PDGR3) e Brookfield, sofreu anos conturbados tanto nas suas estruturas financeiras quanto na própria estrutura organizacional.

Em um primeiro momento é importante avaliar o setor na qual a empresa se posiciona e o que ocorreu nesse mercado para entender até que ponto os resultados se relacionaram às dificuldades da economia em si e a partir de onde esses resultados passam a ser reflexo de erros na gestão.

Enquanto a construção despontou como uma atividade altamente beneficiada durante o final do governo Lula e início do governo Dilma, a situação que trouxe esse setor ao buraco em que se encontra hoje foi iniciada com o fracasso da política de juros em meados de 2013. Com o aumento dos juros, alta da inflação e alta no desemprego, o poder de compra da população minguou a um ponto em que não havia mais motivos para se comprar imóveis. Estes são bens de alto valor agregado e extremamente supérfluos visto que você pode facilmente alugar um imóvel para morar ao invés de gastar centenas de milhares de reais para comprar um. Como investimento então não fazia sentido pelo simples fato de que o investimento em imóveis, além de ter uma baixíssima liquidez, só tem um retorno realmente bom na venda, porém os preços e a procura caíam cada vez mais.
Histórico de lançamentos da Gafisa. Note como os valores caem a medida que a empresa passa a focar na venda de suas unidades estocadas.

Os distratos foram a grande pedra no sapato das empresas de construção civil no período da crise econômica brasileira entre 2014 e 2016 foram realizadas mais de 137 mil operações desse tipo enquanto as vendas totais de 2016 ficaram em 72 616 unidades. A Gafisa tem grande parte de seu fraco desempenho associado justamente aos distratos em seu balanço. Durante os três piores anos da crise brasileira a Gafisa registrou um total em distratos de 1,458 bilhões de reais, um número já expressivo por si só, mas que parece ainda mais grave quando comparamos o total desse acumulado com o ativo total da empresa em 2014, que era de 7,2 bilhões, vemos que só em devoluções a Gafisa perdeu um valor equivalente a 20,23% do seu ativo. O pior ano da empresa foi, claramente, 2016 quando reportou um prejuízo líquido de 1,1 bilhão de reais em meio ao pior momento do setor em vendas, distratos ainda expressivos e, fugindo um pouco dos balanços, o início do processo de separação da Tenda (SA:TEND3), o braço de imóveis destinados a baixa renda que, apesar de ter sido fonte de problemas no passado, agora ajudava a amenizar os resultados negativos da construtora.


Série trimestral mostrando o tamanho dos distratos, principais vilões nos balanços da Gafisa


A Tenda é uma incorporadora focada exclusivamente nas obras do programa Minha Casa Minha Vida e foi adquirida pela Gafisa em 2009, no período de bonança mercado. Porém a empresa sempre foi fonte de problemas devido a constantes atrasos em obras, falhas em seus projetos, fazendo com que eles custassem muito mais do que deveriam, e também pelo reflexo dessa má gestão, com consecutivos prejuízos trimestrais. Esses prejuízos, por outro lado, eram compensados pelo bom desempenho do segmento de média e alta renda, gerenciados pela própria Gafisa, mas com a crise se instalando foi necessária uma reforma administrativa na Tenda. Realmente o jogo virou para essas empresas e os papéis se inverteram, com o segmento de alta renda dando consecutivos prejuízos enquanto a baixa renda gerava consecutivos lucros, ainda que insuficientes para “quitar” os resultados. Na segunda metade de 2016 foi anunciado ao mercado a abertura de capital da subsidiária e que a Gafisa esperava arrecadar aproximadamente 660 milhões de reais. Foi anunciado o processo de cisão das duas companhias para o final de abril de 2017, foram distribuídas ao mercado opções de compra de ações da Tenda com valor de exercício a R$ 8,13 e no início de maio as duas ações já eram negociadas separadamente na bolsa.

A Tenda despontou como uma das favoritas do setor de construção enquanto a Gafisa caiu no ostracismo dos analistas. Os resultados continuavam fracos e, apesar de o grande impacto dos distrato já ter passado, as margens continuavam em queda em um ano vazio em lançamentos, com um cenário instável para a empresa que em novembro teve que realizar um aumento de capital para fortalecer a frágil estruturação de capital.

Apesar de ter se beneficiado da tendência de alta na bolsa e ter visto o valor de suas ações subirem mais de 100% desde meados de maio, ficou claro que a boa fase da empresa era mero fruto de especulação para o futuro do setor. Os resultados de 2017, apesar de bem melhores do que o ano anterior, vieram abaixo do esperado por analistas e a Gafisa fechou o ano com um prejuízo de quase 850 milhões, ainda sofrendo com alguns distratos (uma “pechincha” de 411,7 milhões, queda de 19,1% desde 2016), agora o grande obstáculo são os impairments que somaram 314,3 milhões no último ano.

Devido à baixa procura no setor, as unidades em estoque são vendidas abaixo do valor contábil, aumentando as perdas. Durante 2017 a Gafisa basicamente parou seus lançamentos para poder focar na venda de seu gigantesco estoque, no final do ano a empresa chegou a ter 1,5 bilhões de estoque a valor de mercado, sendo que 473 milhões são referentes a obras já concluídas e mais de 500 milhões são de obras que estão entre 30% a 70% concluídas. Isso mostra que os estoques da Gafisa são compostos majoritariamente por ativos que ainda devem ser concluídos, o que ocorrerá em um cenário econômico melhor do que o atual. Seria um problema real se a grande parte desse estoque já estivesse completa aguardando uma alta na demanda (e depreciando enquanto espera).

Divisão dos estoques atuais da Gafisa.


É importante lembrar que o setor vem começando a atrair a atenção de investidores devido às variáveis econômicas estarem começando a se alinhar para a construção. Destaque para a taxa de juros que se encontra na mínima histórica e, ao contrário do que ocorreu no início da década, deve se manter em níveis baixos por um tempo considerável. Seguem também os dados de alta no mercado de consumo, que reflete uma melhora no poder de compra, mas mais importante, uma elevação do ânimo da população com a economia. Falta ainda uma melhora mais substancial no emprego para consolidar uma alta real no nível de renda, mas este, assim como o setor imobiliário, é lento e tem uma recuperação gradual. Pudemos ver que o ciclo recessivo no setor imobiliário acertou em cheio a maioria das empresas, com poucas se mostrando bem preparadas para lidar com esse cenário. MRV (SA:MRVE3), Cyrela (SA:CYRE3) e a própria Tenda despontam hoje como as grandes apostas para o setor e não há como discordar e dizer que a Gafisa seria a compra óbvia a ser recomendada.

O processo foi lento e doloroso para a empresa, com margens em níveis fraquíssimos, distratos e impairments crescentes, todos esses já abordados no decorrer desse texto. O que chama a atenção é justamente essa tempestade que atingiu a empresa e jogou os preços de suas ações lá para a casa dos 10 reais. Enquanto o resultado de 2017 foi decepcionante podemos estar diante de mais um daqueles momentos onde o mercado reage excessivamente a algum evento. Enquanto o aumento de capital e o balanço de 2017 não foram sinais bons da saúde da empresa, estes não justificam uma queda de 52% nos preços dos ativos, principalmente ao levar em conta que o setor continua sofrendo alguns efeitos da crise. Para o futuro não dá para esperar algo que não seja a melhora, a contínua redução dos distratos, a redução dos impairments, que deve começar a ser vista ainda esse ano, e a elevação no nível de lançamentos para mais de 1 bilhão de reais em 2018 devem ser suficientes para dar início a melhora das margens da empresa e também de seus níveis de liquidez que, para o setor, não se encontra em níveis tão alarmantes, como é o caso da Rossi (SA:RSID3), por exemplo.
Gráfico diário das ações da Gafisa (GFSA3). Compreende o período de agosto de 2017 a abril de 2018

Para especuladores de médio prazo a opção é válida. Apesar de o ativo ter subido mais de 21% nas últimas duas semanas, o movimento foi suficiente para fixar os preços acima da média móvel de 21 períodos enquanto o IFR se encontra em uma confortável pontuação de 49. Vejo agora o próximo alvo na marca dos 13 reais para os próximos meses, ainda que não descarte uma leve correção nos preços devido a velocidade de recuperação. Este movimento de queda, porém, deve ser passageiro com os indicadores voltando a se alinhar para um movimento altista.

Para os investidores de longo prazo a Gafisa é, basicamente, uma empresa que, assim como todo um setor, agonizou na crise e pode ser encontrada em um preço descontado na bolsa brasileira. A contínua redução de distratos e a redução de impairments são eventos esperados para 2018 e que trarão um alívio para as contas da empresa. O caminho para a Gafisa finalmente superar o ciclo negativo que sofreu nos últimos anos é longo, porém as variáveis macroeconômicas apontam exatamente para esse caminho e é por aí que ela deve seguir. É óbvio que não é o investimento mais seguro a disposição para os entusiastas do mercado de construção civil, mas é sem dúvida um dos que apresentam os melhores potenciais de valorização, tudo isso dependendo, principalmente, de um aumento no faturamento para buscar preços mais próximos ao seu VPA de 27 reais, este aumento que é uma das tendências dentro do setor atualmente.

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