A Fitch rebaixou recentemente a nota de crédito dos EUA, consternando alguns investidores, pois o déficit e a dívida do país não param de crescer. Esse rebaixamento fez com que os juros dos títulos de 10 anos do Tesouro americano superassem 4%, indicando uma piora da situação financeira do governo. O problema é que, se não houver um corte nos gastos, muito provavelmente veremos um aumento das taxas de juros. De acordo com o Wall Street Journal:
“Os EUA se endividam na sua própria moeda e, enquanto mantiverem a impressora de dinheiro ligada, não darão calote involuntário. Contudo, à medida que as taxas aumentam a necessidade de financiamento, a capacidade do governo dos EUA de mudar a trajetória fiscal sem medidas politicamente desastrosas, como redução de benefícios ou aumento ostensivo da impressão de dinheiro, está ficando mais restrita.
Se medidas radicais desse tipo não forem tomadas, é praticamente certo que haverá custos mais altos para obter empréstimos Esse aumento na taxa livre de risco irá prejudicar o investimento privado e afetar o valor das ações, mantidas todas as outras variáveis constantes.”
Esse raciocínio parece bastante lógico. No entanto, o ponto mais importante da afirmação está na última frase. Muitos pessimistas em relação aos títulos sugerem que as taxas devem subir à medida que os déficits aumentam e mais dívida é emitida.
A teoria é que, em algum ponto, os compradores exigirão um rendimento mais alto para comprar mais dívida dos EUA. Isso é completamente lógico em um mercado de títulos que funcione de maneira normal, onde os únicos participantes são os investidores individuais e institucionais.
Em outras palavras, desde que “tudo o mais permaneça constante”, as taxas devem aumentar em tal ambiente.
No entanto, nem todas as outras coisas permanecem constantes em uma economia global, onde os rendimentos dos títulos públicos são controlados por bancos centrais que colaboram com os governos para manter o crescimento econômico, controlar a inflação e evitar crises financeiras.
Isso fica evidente no gráfico abaixo. Desde 2008, os bancos centrais mundiais se mantiveram na ponta compradora de dívida global.
A pergunta é: por que os bancos centrais se envolveram em um programa tão grande de compra de títulos? Isso foi feito para fornecer liquidez e combater as forças deflacionárias da dívida, mantendo assim as economias globais longe da recessão.
Como mostrado, desde 1980, a cada vez que a economia sofreu um golpe recessivo, o governo respondeu aumentando a dívida. No entanto, o aumento da dívida resultou em uma queda contínua da inflação, salários, crescimento econômico e taxas de juros.
A análise se torna mais clara quando comparamos o compósito econômico em relação ao déficit.
A expectativa é que “desta vez será diferente”. Mais dívida e déficits levarão a taxas de juros mais altas. No entanto, desde 1980, esse não tem sido o caso.
(A exceção foi em 2020, quando cheques foram enviados para famílias e a economia foi paralisada, o que criou um aumento temporário da inflação.) Mais importante ainda, o Federal Reserve e os bancos centrais globais permanecem presos.
O Federal Reserve segue preso
Antes de 2020, o desejo do Federal Reserve era ter uma inflação mais alta. Contudo, após o experimento mal sucedido de fechar a economia e fornecer auxílios emergenciais, o banco central dos EUA agora deseja uma inflação mais baixa.
Eventualmente, o Federal Reserve alcançará seu desejo, à medida que os níveis crescentes de dívida levarem a taxas de crescimento econômico mais lentas e desinflação.
Desde 1980, são necessários níveis cada vez maiores de endividamento público para criar US$ 1 de atividade econômica. Com quase US$ 5 de dívida necessários para criar US$ 1 de atividade econômica, a capacidade de promover um crescimento econômico mais robusto e inflação é improvável.
Mesmo que os mais pessimistas com o mercado de títulos estejam certos e níveis cada vez maiores de dívida e déficits, de fato, gerem juros mais elevados, os bancos centrais tomarão ações, no sentido de fazer os juros caírem artificialmente.
A uma taxa de 4% nos títulos do Tesouro americano de 10 anos, os custos de empréstimos permanecem relativamente baixos do ponto de vista histórico. No entanto, ainda observamos sinais de deterioração econômica e impactos negativos nos consumidores, mesmo a essa taxa.
Quando a alavancagem na economia alcança quase em 5:1, taxas de 5% a 6% têm implicações totalmente diferentes:
- Os juros sobre a dívida pública aumentam, exigindo mais gastos deficitários.
- O mercado imobiliário entra em declínio, pois os compradores se baseiam nos pagamentos, não nos preços, e taxas mais altas significam pagamentos maiores.
- Taxas de juros mais altas elevam os custos de financiamento, resultando em margens de lucro mais apertadas para as empresas.
- O mercado de derivativos é afetado negativamente, podendo gerar outra crise de crédito à medida que derivativos baseados em spreads de taxas de juros entram em colapso.
- À medida que as taxas sobem, os juros variáveis em cartões de crédito também sobem, levando a uma redução da renda disponível e a um aumento nas inadimplências.
- Bancos são impactados negativamente à medida que o aumento da inadimplência corrói sua capitalização.
- Taxas de juros elevadas afetam os planos de pensão já subfinanciados, gerando incertezas sobre o cumprimento de obrigações futuras.
Eu poderia me alongar mais, mas a ideia é clara.
O Federal Reserve vai acabar intervindo
O problema do aumento dos custos de financiamento se propaga por todo o sistema financeiro como um vírus. Por isso, o Federal Reserve e o governo americano tomarão medidas para reduzir as taxas, tanto por meio de políticas monetárias quanto fiscais. Isso se torna especialmente verdadeiro quando os juros da dívida existente consomem quase 1/5 das receitas tributárias.
A maior questão com a tese de que “as taxas devem subir” é a incapacidade da economia de suportar juros mais altos, devido ao aumento da emissão de dívida e dos déficits em crescimento. O Congressional Budget Office recentemente atualizou a trajetória da dívida para os próximos 30 anos.
O gráfico abaixo representa essa análise, incorporando a tendência de crescimento da dívida e também considerando a necessidade do Federal Reserve de monetizar cerca de 30% dessa emissão.
A taxa de crescimento atual, a carga da dívida federal aumentará de US$ 32 trilhões para aproximadamente US$ 140 trilhões até 2050. Simultaneamente, supondo que o Fed continue a monetizar 30% da emissão de dívida, seu balanço se expandirá para mais de US$ 40 trilhões.
Deixe isso ser absorvido por um momento.
Não deve surpreender que a dívida não produtiva não estimule o crescimento econômico. Desde 1977, a média de crescimento anual do PIB dos EUA tem recuado constantemente à medida que a dívida aumenta.
Dessa forma, considerando a tendência histórica de crescimento do PIB, o aumento da dívida resultará em taxas mais baixas de crescimento econômico no futuro.
Conclusão
Assim, com o aumento da dívida e dos déficits, os Bancos Centrais serão obrigados a manter as taxas de juros baixas para reduzir os custos de financiamento e sustentar o fraco crescimento econômico. No entanto, o problema com a premissa de que as taxas devem subir é triplo:
- Todas as taxas de juros são relativas. A ideia de que as taxas nos EUA vão disparar em breve provavelmente está errada. Rendimentos mais elevados nos títulos dos EUA atraem capitais de países com rendimentos negativos ou próximos de zero, o que faz com que as taxas americanas caiam.
- Dada a tendência atual dos Bancos Centrais mundiais de reprimir as taxas de juros para apoiar o incipiente crescimento econômico, um rendimento zero nos títulos dos EUA não é algo impensável.
- A explosão iminente do déficit fiscal. Diante da falta de controle fiscal em Washington e das promessas de generosidade contínua, o déficit fiscal está a caminho de superar US$ 2 trilhões nos próximos anos. o que será exacerbado durante a próxima desaceleração recessiva, à medida que a receita tributária cair.
- Os Bancos Centrais continuarão comprando títulos para manter o status quo atual, mas se tornarão compradores ainda mais agressivos durante a próxima recessão. O próximo programa de relaxamento quantitativo (QE) do Fed para compensar a próxima desaceleração econômica provavelmente será de US$ 4 trilhões ou mais, fazendo com que o rendimento dos títulos de 10 anos se aproxime de zero.
Se você precisa de um guia para entender como isso terminará com taxas mais baixas, basta olhar para o Japão.
A analista de políticas Michele Wucker descreveu esse tipo de problema em seu livro de 2016, “The Gray Rhino”, que foi um best-seller em inglês na China. Diferentemente de uma crise súbita e imprevisível chamada de “cisne negro”, um “rinoceronte cinza” é um evento provável, com muitos sinais e evidências que são ignorados até que seja tarde demais.
Adicione a dívida a essa lista.
(Tradução de Julio Alves)