Historicamente, o controle da emissão monetária esteve no centro da soberania estatal. Dado que as políticas monetárias são, via Teoria Moderna (NASDAQ:MRNA) Monetária (MMT na sigla em inglês), uma das maiores vias de intervenção política.
No entanto, com a ascensão do Bitcoin e a expansão dos criptoativos, um novo eixo de poder está emergindo, baseado não apenas em território, mas em protocolos, redes distribuídas e normas criptográficas.
Soberania monetária em xeque
As criptomoedas descentralizadas desafiam diretamente o monopólio estatal da política monetária.
O Bitcoin, por exemplo, não está vinculado a nenhum banco central e opera segundo um código imutável, cujos parâmetros (como o halving e o supply máximo) não podem ser manipulados por nenhum agente econômico isolado.
Para países que, historicamente, utilizaram a desvalorização cambial como instrumento de ajuste macroeconômico, esse modelo representa um antagonismo estrutural à sua soberania.
Estados com moedas frágeis ou regimes autoritários tendem a restringir mais fortemente o uso de criptomoedas, não apenas por receios fiscais, mas por considerações de poder.
Em contraste, democracias liberais e economias tecnologicamente avançadas apresentam maior abertura institucional ao uso de criptoativos; especialmente quando percebem nesses ativos uma possível vantagem estratégica frente a rivais políticos e econômicos.
EUA x China
Os Estados Unidos lideram, até o momento, a infraestrutura crítica do ecossistema cripto: empresas como Coinbase (NASDAQ:COIN), Circle e Chainalysis, além de centros de liquidez e custódia, estão fortemente concentrados no território norte-americano.
Isso garante aos EUA influência indireta sobre fluxos globais de criptoativos, além de permitir o monitoramento de transações via parcerias com plataformas para conhecer o consumidor (KYC) e processos anti-lavagem de dinheiro (AML).
Além disso, Trump vem considerando a criação de uma “reserva estratégica de Bitcoin”, nos moldes das reservas de ouro e petróleo, para usar BTC como escudo contra riscos geopolíticos — uma tendência que se espelha na adoção oficial pelo governo de El Salvador.
Na outra ponta, a China segue uma estratégia que visa não coibir o seu poder de intervenção econômica. Por lá, foi proibida a mineração de Bitcoin (2021) e banidas corretoras de criptoativos locais para manter firme o controle monetário, enquanto acelera a adoção do yuan digital (e-CNY), sua moeda digital de banco central (CBDC).
Ao posicionar sua CBDC como instrumento de pagamentos programáveis e rastreáveis, a China almeja desafiar a supremacia do dólar em acordos internacionais, sobretudo com países do Sul Global.
Brasil
No caso do Brasil, o foco atual está no Drex, a moeda digital de banco central (CBDC) desenvolvida pelo Banco Central como uma versão eletrônica do real. A implementação do Drex está em fase de testes controlados com instituições financeiras e empresas, dentro de um sandbox regulatório.
Seu principal objetivo, em teoria, é aumentar a eficiência do sistema financeiro (reduzindo custos, aumentando a velocidade de liquidação e aumentando o controle do BCB) , ao mesmo tempo em que mantém a estabilidade e a soberania monetária.
Cabe salientar que há um receio de que a aceitação de uma CBDC em larga escala possa afetar a demanda por moedas privadas e stablecoins, deslocando parte do mercado de criptoativos.
Paralelamente ao desenvolvimento do Drex, o governo e os órgãos reguladores brasileiros estão finalizando novas regras de compliance e regulamentações contra lavagem de dinheiro no setor de cripto.
Criptomoedas como ferramentas de resistência estatal
Países sob sanções econômicas, como Irã, Rússia e Venezuela, têm buscado formas alternativas de transacionar valor em escala internacional; muitas vezes utilizando criptomoedas como forma de escapar do sistema bancário tradicional.
O Bitcoin torna-se, assim, um instrumento de política externa e uma forma de bypass financeiro diante do cerco ocidental baseado em SWIFT, OFAC e reservas em dólar; o que é comandado pelos Estados Unidos, de forma geral.
Embora as blockchains públicas ofereçam pseudonimato, o rastreamento por análise forense digital é possível e crescente, o que é feito por empresas como a Chainalysis.
Ainda assim, stablecoins como USDT e USDC vêm sendo utilizadas em mercados paralelos em diversos países em crise, inclusive com maior adoção prática do que suas próprias moedas nacionais.
Mineração e Energia
A mineração de criptomoedas, especialmente no caso do Bitcoin, é um tema geopolítico à parte. O consumo energético da rede, muitas vezes criticado, revela, na verdade, uma realocação de poder econômico para regiões com excedente energético ou energia barata (como o Cazaquistão, a Rússia ou certos estados norte-americanos).
O mapa da mineração global é dinâmico e responde tanto a incentivos econômicos quanto a mudanças regulatórias abruptas.
A saída da China em 2021 demonstrou como uma política coordenada pode desestabilizar um setor inteiro, mas também como a natureza aberta e distribuída do Bitcoin o torna resiliente a esse tipo de intervenção.
Regulação e Compliance
A geopolítica das criptomoedas não se dá apenas no campo da tecnologia, mas também no domínio da normatividade internacional. Órgãos como o GAFI (FATF) impõem diretrizes de combate à lavagem de dinheiro que afetam diretamente a forma como criptoativos são regulamentados em todo o mundo.
Nesse cenário, os países buscam estabelecer padrões regulatórios próprios que equilibrem inovação, segurança jurídica e competitividade global.
Os Estados Unidos, por exemplo, oscilam entre proteger sua liderança em inovação e impor um controle fiscal estrito. Já a União Europeia aposta em estruturas abrangentes como o MiCA para estabelecer um padrão regulatório unificado. O Brasil, por sua vez, avança em uma abordagem pragmática, com a inclusão dos Provedor de Serviços de Ativos Virtuais (VASPs, na sigla em inglês) no sistema regulado pelo Banco Central.
Considerações finais
A ascensão dos criptoativos redefine o conceito clássico de soberania monetária, deslocando parte do poder do Estado para ecossistemas descentralizados alicerçados em código e criptografia. Essa nova dinâmica coloca nações, principalmente as de moedas frágeis e regimes autoritários, em posição de alerta.
As principais potências econômicas, EUA e China, elaboram estratégias opostas da tutela estrita ao dólar digital e à reserva estratégica de Bitcoin até a implementação em larga escala de moedas digitais de bancos centrais.
Já o Brasil, focado na implantação do Drex e no aperfeiçoamento regulatório, avança de forma cambaleante.
Dito isso, a utilização, principalmente de Bitcoin (BTC) e stablecoins (e.g. USDT e USDC), está em nível crescente e sem sinais de desaceleração.
Então, o impacto será cada vez maior na capacidade interventícia dos governos. Cabendo a eles entenderem e aprenderem a lidar ou ver seu poder ruir no sistema geopolítico com a adição do novo ponto estrutural que é os criptoativos.