O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) tem mais uns dias para aceitar as perdas que o Brasil vai relatar da soja com o catastrófico dilúvio que toma conta do Rio Grande do Sul ou ponderar suas próprias estimativas menores no relatório global de oferta e demanda (o WASDE) a sair dia 10.
A severa seca do segundo semestre no Brasil Central foi praticamente ignorada.
O que restou demonstrado na semana passada, quando as enchentes foram ganhando volume a partir do dia 1º, é que desta vez os participantes do mercado futuro na CBOT, em Chicago, podem começar a ficar mais independentes do chamado “padrão-ouro” das estimativas – o USDA.
A crise que submergiu os campos gaúchos – e devastou a população e a infraestrutura do Estado -, foi sensivelmente sentida nos preços que explodiram da soja em todos os vencimentos, todos os dias desde o feriado. Mais evidenciados na quinta-feira, também contando com algumas chuvas sobre o plantio dos EUA.
Só contrato maio, o mais líquido, saiu de US$ 11,45/bushel no dia 30 e fechou a sexta em US$ 12,01, num momento no qual o mercado começou a se assustar que os prejuízos para a soja gaúcha podem descompensar a oferta da Argentina.
Entre fim de setembro e começo de novembro de 2023, errado o órgão americano, errado o mercado, quando foi a vez da severa estiagem e calor, no Centro-Oeste e Sudeste, o primeiro mal tirava uns pontinhos das previsões e o segundo pouco e nada precificava.
Enfim, de 162/164 milhões de toneladas brasileiras lá no início da temporada 23/24, o último WASDE, de abril, bateu em 155 milhões/t, contra várias estimativas brasileiras até menores que as da Conab, cujo último resultado foi de 146,5 milhões/t.
Os fundos que especulam e as tradings que fazem hedge na Bolsa de Chicago se acreditavam – piamente - ou não no USDA é outra história, mas enxergavam a volta forte da Argentina na safra atual anulando qualquer ‘quebrinha’ brasileira. O país de Javier Milei saiu de uma quebra que resultou em 22 milhões de toneladas para podendo chegar ao seu normal – de 48 a 50 milhões de toneladas agora.
Na pior das hipóteses, os argentinos entregarão no mínimo 20 milhões de toneladas a mais, depois de uma safra boa, na maior parte do tempo sob chuvas.
Mas eis a tragédia do Rio Grande do Sul que tem tudo para mudar o cenário, que, diga-se, vinha de pressão ainda maior porque o plantio 24/25 nos EUA está acelerado e o clima não dá mostras de estresse nas próximas semanas.
O Estado, segundo na soja, tinha previsão de 22 milhões/t, uma safra cheia e animadora, depois de temporadas anteriores sofrendo com a seca. Agora, se abre a semana atual com perspectiva de que o quadro possa chegar a 20% menor – ou mais, a depender da contabilização mais precisa ou se os temporais seguirem (como parecem que voltarão).
Tem muita soja encharcada, apodrecendo (ardida) em campos que ainda restam em torno de 40% a ser colhida, sem falar em máquinas e infraestrutura das fazendas e cooperativas danificadas dificultando colheita e pós-colheita. Além da urbana e viária atrasando transporte e escoamento.
Qualquer coisa que beire cerca de 4 a 5 milhões a menos, já é mais que meio Paraguai.
Num quadro em que possa ter um pouco a menos de soja na Argentina, que também veio com algumas reduções das bolsas de cereais locais – embora sofrendo menos com a umidade que o milho -, o mercado voltou a balançar e pode ficar deslocado do USDA se este vier no próximo relatório ainda conservador.
E com muito chão para a soja americana se desenvolver pela frente, até o começo da colheita, em fins de agosto, os preços podem ganhar tração – salvo os ajustes pontuais, como desta segunda (6)
Para os gaúchos, porém, não resta muito consolo: não adianta ter preço melhor se não há produto.