Alvaro Bandeira é economista-chefe do banco digital Modalmais
O mundo parece estar virando ao contrário, de ponta-cabeça. Na América latina, a situação parece ainda pior, com Venezuela do jeito que sabemos, sem definição e criando um país de miseráveis. Na Bolívia, nesse final de semana tivemos o presidente Evo Morales renunciando, pressionado pelas forças armadas, depois de a OEA (Organização dos Estados Americanos) identificar em auditoria, uma fraude nas eleições que levaria Evo para o quarto mandato.
Na Argentina, a situação se complica também pelo retorno ao poder do “kirchnerismo”, justo os governos que levaram o país mais célere ao buraco. Bem verdade que Macri pode ter sido leniente, ou não ter tido forças para mudar o país. Se formos para a Itália a situação política não é muito diferente, e na Espanha, com eleições realizadas neste último final de semana, a situação parece também ficar polarizada com liderança socialista, mas com a extrema direita ganhando maior espaço.
Aqui, não bastasse as confusões sempre protagonizadas pelo clã Bolsonaro, agora temos Lula livre e já mostrando que veio para polarizar no limite. Seu discurso no sindicato dos metalúrgicos do ABC “foi raivoso e muito ruim”, nas palavras do presidente da Câmara Rodrigo Maia. Lula criticou Bolsonaro, Moro e o ministro Guedes, em quem tentou colar a peja de “destruidor de empregos”.
Fechando esse quadro, depois da soltura de Lula pelo STF, aparentemente o ministro Toffoli jogou no colo do Congresso Nacional a responsabilidade do julgamento, mas sabendo que a PEC que tramita na Câmara é inconstitucional, pois altera o artigo 5º que é cláusula pétrea, onde qualquer resposta precipitada pode gerar instabilidade política, principalmente, nos dias que correm. Será preciso buscar outros caminhos para que volte a vigorar a prisão em segunda instância.
Por trás de tudo isso, ainda temos situações complicadas na economia global, com o acordo entre os EUA e a China com informações desencontradas, que agrega protecionismo e redução no comércio transnacional. Donald Trump ora diz que a situação caminha bem, ora diz que o interesse de fechar acordo é chinês, e que não tem pressa e ainda não concordou com a reversão de tarifas contra a China. Já o principal negociador (Lighthizer), diz que não tem nada acertado, mas Trump fala de assinar a primeira fase em dezembro, possivelmente no Iowa.
O Brexit até que teve uma trégua, com a oposição dizendo não concorrer com Boris Johnson na eleição marcada para 12/12 e com data limite agora para a saída do Reino Unido da União Europeia marcada para 31/01/2020. Segundo o presidente do BOE (Banco Central Inglês), o sistema financeiro estaria preparado para a transição da saída, mas os números divulgados nessa semana sobre a economia não foram bons. PIB anualizado crescendo somente 1,0%, produção industrial encolhendo o anualizado em 1,4% e déficit comercial em setembro maior que o previsto, em 12,5 bilhões de libras.
Isso sem contar com a Alemanha, que parece já ter ultrapassado sua pior fase na economia (mas segue fraca), o Japão lutando para ter crescimento apenas baixo e a China fazendo de tudo para conseguir crescer 6%, num quadro que aponta para dificuldades. Na China, o governo expande a base monetária (+8,4%) e volta a fazer investimentos em infraestrutura, voltada para regiões mais pobres do país, onde a resposta pode ser mais imediata.
Com tudo isso colocado na balança, podemos dizer que os mercados estão reagindo até bem, muito em função da inflação baixa em praticamente todos os países (ou em contração como na Turquia), taxa de juros negativas, real ou nominal e empresas já ajustadas para essa situação. No caso específico do Brasil, caso consigamos fazer as reformas que estão colocadas e numa velocidade razoável, estaríamos em situação mais competitiva para acelerar o crescimento, depois de dois anos de profunda recessão e três anos de crescimento absolutamente pífio.
Mas é fundamental que reformas se façam presentes. O que parece bom numa leitura otimista é que o poder de polarização e interferência de Lula está bastante reduzido, sem grande capacidade de interferir nas reformas. Basta ver que mesmo quando estava solto, e depois de preso dando entrevistas, não foi capaz de mobilizar a esquerda. Ao contrário, com Lula agora solto, a tendência será de reforçar a direita, reagrupando os denominados “isentões”, aqueles que estavam começando a criticar o governo de Bolsonaro. Mas será preciso que a economia comece a mostrar resultados, e aí reside o principal problema, já que isso pode demorar um pouco para acontecer.