Nas últimas semanas uma ilha distante no meio do Mediterrâneo, o Chipre, entrou em ebulição. Um acordo fechado entre a tróica – Comunidade Europeia, BCE e FMI - e o governo cipriota, oficializou um aporte de recursos de 10 bilhões de euros, mediante a condicionalidade de gerar alguma receita, no caso, através do seu sistema bancário, para pagar parte deste empréstimo.
Primeiro, tivemos a tentativa de arrecadação através da taxação de depósitos bancários. Neste caso, foi definida uma taxa de 10% para os que recebem mais de 100 mil euros e outra de 6,8% para os que recebem menos. Uma corrida bancária desenfreada ocorreu em resposta, primeiro nos caixas eletrônicos, o que obrigou o governo a anunciar feriado bancário até o dia 26/03. Reflexo disto, o Parlamento do país acabou rejeitando este primeiro acordo.
Depois, um novo acabou costurado ao fim da semana seguinte, neste caso, com congelamento dos depósitos do Banco do Chipre, considerado o maior banco do país, e do Banco Popular do Chipre, o Laisik, o segundo banco do país. Este acabou fechado, sendo dividido em “banco bom” e “banco ruim”. Foi preservado o banco bom, incorporado ao Banco do Chipre. Por ser um congelamento, e não uma taxação, este acordo não precisou passar pelo Parlamento.
Em paralelo a isto, o governo cipriota definiu a taxação sobre o fluxo de capitais do país, definindo na reabertura do sistema bancário um corralito no valor de 300 euros. Ou seja, os correntistas não podem retirar, de uma vez só, seus recursos, mas apenas o limite máximo de 100 euros. Caso contrário, uma corrida bancária resultaria numa quebradeira geral dada a insuficiência de reservas para responder a uma possível retirada em massa.
Segundo a agência de rating Moody’s, os ativos dos três maiores bancos (Banco do Chipre, o fechado Banco Popular do Chipre (Laiki) e do terceiro, Banco Helênico) representam cerca de 423% do PIB. No total de ativos do sistema bancário cipriota, chega-se a 720% do PIB. A exposição desses bancos a ativos gregos é de 19 bilhões de euros, ou 106% do PIB cipriota. Isto reforça a tese de sua estreita relação com os gregos. Isto pode ser comprovado pelo fato do seu ingresso na Zona do Euro ter se dado por pressão da Grécia, que ameaçou não aceitar o ingresso da Polônia caso o Chipre não fosse aceito.
Além disto, sendo um paraíso fiscal, segundo o Banco Central do Chipre, em janeiro o total de depósitos chegava a 68 bilhões de euros, sendo 38% de investidores estrangeiros, empresários russos, e de outros países da Europa, como os aposentados ingleses.
Mas como pode uma pequena ilha, no meio do Mediterrâneo, causar tanto temor aos seus amigos da região?
São variadas as razões. Grande parte destes depósitos estrangeiros se encontra lastreado em títulos públicos gregos e estes também são ativos consideráveis nos bancos alemães, russos, etc. Junto a isto, pelo receio do efeito demonstração, uma crise de confiança bancária se espalharia pela Zona do Euro, pelo receio do mesmo ser feito nos países periféricos, como a Espanha, Itália, Portugal, além de paraísos fiscais como Luxemburgo e Malta, com montantes de recursos bancários bem consideráveis. Luxemburgo, por exemplo, teria ativos bancários cerca de 20 vezes maiores que o PIB local e Malta, algo em torno de 300% do PIB, considerado normal pelos padrões internacionais.
Na verdade, a situação dos fundamentos do Chipre não é nada boa. A dívida pública se encontrava em torno de 90% do PIB no final do ano passado, após ter terminado 2011 em 72% do PIB e pode chegar a 150% do PIB se o país tiver que recapitalizar com recursos públicos os bancos locais. Neste cenário, com nível de solvência ruim, o país se tornou um pária na comunidade financeira internacional.
Em janeiro deste ano, a agência de rating Moody's rebaixou a nota dele em três graus, para Caa3. Com o rating soberano em território especulativo (junk), os bancos não podem mais usar os bônus cipriotas como colaterais nas operações com o Banco Central Europeu (BCE), aumentando significativamente a dependência do crédito fornecido pelo Banco Central do Chipre.
Por fim, muitos acusam a ilha de ser o depositário de recursos ilícitos de outros países como a Rússia. Um estudo de um banco alemão relativiza isto. Para ele, o problema do sistema bancário do Chipre não é exatamente lavagem de dinheiro. O país foi relativamente bem na pesquisa do Comitê de Especialistas sobre a Avaliação de Medidas Anti-Lavagem de Dinheiro do Conselho da Europa, conhecido como Moneyval. Ou seja, o Chipre é um paraíso fiscal offshore, na qual magnatas russos e aposentados ingleses aproveitam para depositar suas poupanças para fugir do fisco em seus países.
Se tiver que sair da Zona do Euro, retornando a libra cipriota, uma forte depreciação da moeda seria inevitável, resultado em inflação e num mergulho recessivo de difícil prognóstico. O problema é que isto abriria o precedente sobre outras nações que se arrastam na Zona do Euro, como os chamados países periféricos, Portugal, Espanha, Itália, etc. Estamos falando dos corolários de um “efeito contágio”, com evasão de recursos se espalhando pelos combalidos bancos espanhóis, só para citar os em piores condições.