Existe um conceito da física chamado “ponto de bifurcação”. Simplificando uma definição complexa, ele representa uma mudança dramática e súbita na trajetória de um sistema que estava em equilíbrio. Nesse momento, ele pode se decompor ou imergir em novos estados. A segunda opção foi o que aconteceu no mercado financeiro, na última década, com o surgimento dos bancos digitais, simbolizado aqui no Brasil pelo sucesso do Nubank (BVMF:NUBR33).
Esse movimento foi a natural evolução do modelo de negócio dos “bancões” tradicionais, baseado no relacionamento dos gerentes com os clientes, que se sentavam à mesa de uma agência bancária e, entre um cafezinho e outro, faziam um novo “investimento” em títulos de capitalização.
Hoje em dia, a experiência do cliente bancário é bem diferente, pois acontece na palma da sua mão. Um número sem fim de opções de investimentos, agora sim, sem aspas, passou a estar acessível em poucos cliques, assim como todos os outros serviços que, antigamente, nos faziam perder tempo em filas nos bancos. A tecnologia online banking sacudiu um sistema bancário que estava em equilíbrio, com poucos — e gigantes — concorrentes.
Agora, como a tecnologia já se tornou uma commodity compartilhada por todos os players desse mercado, o que fez a diferença, de fato, para que o Nubank conseguisse, em apenas dez anos, ter como cliente um em cada dois brasileiros que têm smartphones?
A resposta a essa indagação passa pela observação atenta de aspectos centrais do sistema de gestão da organização. Desde o início da operação, um de seus fundadores, David Vélez, sempre enfatizou que o Nubank não é um banco e sim uma empresa de tecnologia que atua no segmento financeiro.
Tendo como fundamento essa visão, a empresa ancorou todo o seu sistema de gestão no uso intensivo da tecnologia para conseguir atender de forma superior as demandas de seus clientes. É imperativo, porém, entender que a tecnologia, por si só, não é capaz de gerar experiências extraordinárias. Ela é o meio para que isso aconteça. Sendo assim, a análise desse projeto deve expandir seus tentáculos para o entendimento de como a organização adaptou seus processos e pessoas para extrair o maior potencial possível da tecnologia em prol do negócio.
Quando analisamos a arquitetura de processos da organização, observamos que todos os fluxos gerados pela empresa têm como propósito eliminar a fricção existente nas interações dos clientes com o banco. Ao compararmos a experiência de uso de clientes de bancos tradicionais com a oferecida pelo Nubank constatamos facilmente como este adota um processo que suprimiu todos os atritos possíveis, de modo a facilitar ao máximo a vida dos seus clientes.
Uma evidência da virtuosa combinação entre tecnologia e processos adequados aconteceu quando da introdução do PIX pelo Banco Central. O Nubank foi o primeiro a estar preparado a oferecer esse serviço e até hoje sua participação na utilização desse modal de pagamentos é muito superior à representatividade da sua base de clientes: em abril deste ano, cerca de 40% das transações interbancárias com PIX passaram por seus sistemas.
Enquanto as empresas tradicionais hesitaram (e algumas continuam hesitando) em oferecer essa facilidade a seus clientes, já que a adesão ao PIX implica impacto importante na geração de receita de serviços, o Nubank entendeu que prover essa experiência gera maior satisfação em seus clientes, que utilizarão com mais frequência seus serviços, aumentando seu ticket médio.
Processos e tecnologias não funcionam, contudo, se não forem adotados adequadamente por pessoas, tanto no seu papel de colaboradores quanto clientes. A importância das pessoas no sistema de gestão do Nubank esteve presente desde o início de sua operação e pode ser evidenciado pelo fato de, mesmo estruturando uma operação com alto nível de automação, que não conta com uma agência física sequer, a empresa optou por ter uma central própria de relacionamentos com o cliente.
Um dos princípios do negócio, desde sua fundação, foi o de ter clientes fanáticos pela empresa. Seus fundadores entenderam que haveria o risco de não atender a esse objetivo com um negócio 100% digital que apresenta desafios importantes na conexão com seus clientes. Em adição à utilização da tecnologia para incrementar a experiência do cliente, extraindo toda fricção no processo, a empresa investiu em fortalecer esse relacionamento por meio de uma central de atendimento pautada pela informalidade e proximidade, com larga utilização de tecnologia como facilitadora desse processo.
Diversas pesquisas têm sido publicadas apontando os altos níveis de satisfação dos clientes com a empresa e um dos indicadores que mostra essa dinâmica, na prática, é que 70% dos novos clientes do Nubank são adquiridos pelo “boca a boca”, ou seja, são indicações espontâneas, mitigando os investimentos em marketing.
Todo esse sistema de gestão só se sustenta se a conta fechar. Os lucros reportados nos últimos trimestres são resultantes de um custo operacional baixo. Estimativas dão conta que esse indicador no Nubank é 85% inferior ao das empresas tradicionais do setor. Um dos aspectos centrais que suporta esse índice é o fato da organização ter a já citada base de 80 milhões de clientes sem ter uma única agência física, o que elimina parte expressiva da composição de despesas com ativo imobilizado e pessoas.
Ainda existem desafios importantes para a evolução da organização, como a evolução do ticket médio e da renda de seus clientes; as dificuldades de manter a cultura e agilidade em uma organização cada vez maior; os obstáculos para vender novos produtos e serviços para a base instalada, dentre tantos outros. No entanto, as evidências quanto ao futuro do negócio vão se consolidando cada vez mais e mostrando que, ao que tudo indica, o fenômeno Nubank não se trata de uma estrela cadente que, da mesma forma que surge e causa impacto, desaparece instantaneamente.
O projeto é uma realidade e a busca incessante por motivos que indicariam o insucesso do negócio — que tanto caracteriza muitos líderes incrédulos com a sua própria perda de representatividade — deveria dar espaço a uma análise agnóstica que visa trazer insumos para a concepção de uma nova forma de organizar uma empresa em um segmento tão tradicional e representativo quanto o financeiro.
Em tempos de mudanças, o maior risco não é a mudança em si. E, sim, agir com a lógica do passado. Está aí uma visão que traduz muito o risco da negligência de ignorar a evolução desse projeto.