Nunca é Tarde Para um Mea Culpa

Publicado 08.08.2017, 09:22
Atualizado 04.10.2023, 15:59

Saudações.

Esta história eu vivi com o Susumu , uns dez anos atrás. Era um dos meus primeiros périplos por São Paulo e o japonês estava me levando para conhecer alguns dos seus amigos velhos de guerra.

Era um escritório acanhado no Centro, pertinho da Bolsa - clara reminiscência dos tempos em que fazia todo sentido do mundo a corretora ser o mais próximo possível do pregão. As paredes eram de lambris, coisa que só havia visto antes no consultório do dentista de confiança dos meus pais - que, de tão old school, mais parecia uma oficina mecânica.

Era um sujeito velho e gordo, com a camisa entreaberta revelando uma grossa corrente no pescoço. Fumava um cigarro atrás do outro - o que explicava a voz rouca e o pigarro constante. Era claramente um veterano, ao lado do qual meu Mestre Miyagi já havia enfrentado poucas e boas nos tempos em que o mercado era terra sem lei (a propósito... já deixou de ser?).

Eu, jovem e presunçoso. Minha cabeça estava cheia de teoria de finanças, disciplinadamente absorvida de livros e mais livros - são sujeitos como eu, combinados com o inevitável crescimento do consumo per capita de papel higiênico na China, que garantem que o negócio de papel e celulose seguirá muito bem pelas próximas décadas. Estava ávido para, ali, absorver conhecimento de financistas de primeira linha.

Então começaram: "o que você acha de Merposa?" ; "Ah, eu acho que tá barato."; "Hum... eu também, mas eu gosto mais de Merlasa. E aquela outra do fulano?"; "Ah, aquela tem aquele coreano enchendo o saco; não dá pra entrar que é trolha na certa".

Ninguém falou em ROE. Ninguém falou em EBITDA. Ninguém falou em melhora do valuation por conta da redução do custo de capital, fruto da desalavancagem financeira ( hein?). Para mim, aquilo tudo era conversa de bêbado.

Não demorou para que surgisse uma oportunidade de mostrar o que sabia: veio à baila um case que eu havia estudado, então comecei a discorrer meu financês. Eles me olharam mais ou menos como um par de babuínos contempla um acelerador de partículas e, em seguida, voltaram ao que interessava: "e a Tubarão, hein?”.

Recolhi-me. A mim parecia, naquele momento, que nada havia a aprender ali: eram dinossauros que haviam, por pura sorte, sobrevivido à meteórica nova geração que invadia os bancos e corretoras, com visões mais sofisticadas do funcionamento do jogo - in Damoradan we trust.

Lembro-me bem de, na saída daquele sítio arqueológico, ainda ter trocado meia dúzia de palavras com um terceiro sujeito que falava superficialmente sobre uma empresa da qual eles haviam adquirido participação. Mas eu estava convencido de que eles simplesmente não sabiam o que estavam fazendo. Não dei bola; pelo contrário: fiz pouco caso a ponto de, pelo menos em minha memória, ter soado extremamente escroto.

(Não me lembro do nome nem do semblante desse cara: se você é da velha guarda e essa cena lhe soa familiar, aproveito a oportunidade para pedir minhas mais sinceras DESCULPAS por ter me comportado como um fedelho insolente).

Resumo da ópera: a tal empresa, não muito tempo depois, disparou. Nunca mais voltou ao patamar de preço no qual eles haviam entrado.

E os achismos deles com relação a Merposa, Merlasa e todas as demais?

Estavam certos.

Todos eles.

Não necessariamente aquilo que faz sentido na sua cabeça é o que funciona no mundo real.

Hoje, quando me deparo com novos entrantes no mercado - sejam eles analistas em começo de carreira, sejam eles investidores iniciantes -, vejo sempre a mesma coisa: níveis diabéticos de confiança naquilo que acreditam saber.

Entre os analistas recém-chegados, predominam as ideias de que tudo está nos livros, nos balanços, e que tudo cabe no modelo. Não é assim: o que está nos livros é teoria - que nem sempre é chancelada por essa coisa chata e inconveniente chamada realidade.

Balanço é extremamente importante e eu adoro notas explicativas, mas é pueril achar que tudo que importa está ali: aquilo é uma imagem - não raro distorcida - de algo que encontra correspondente no mundo real. Modelo é ferramenta, não materialização da verdade: em primeiro lugar, o seu modelo está errado - e sempre estará. Em segundo, existe uma jamanta de coisas que não cabem ali. Análise é um processo heurístico. Se você se limita a fazer conta em cima de número de balanço, tenho más notícias.

Entre os investidores recém-chegados, há sempre a percepção de que se é mais inteligente e arrojado do que realmente é. Vai por mim: quem se diz arrojado nunca levou uma trolha de verdade. Pelo contrário: via de regra, é o cara que fica nervosinho se perde 30 por cento em uma aposta. Se você tem vontade de colocar 20 por cento do seu patrimônio em algo, talvez seja boa ideia colocar 10. Se sua propensão é colocar 10, talvez seja bom colocar 5.

Não tenha medo de ser um pouco bundão. Você tem outras searas na vida nas quais terá plenas oportunidades de provar sua masculinidade (leitoras, façam em suas próprias mentes as devidas adaptações nessa frase).

Acrescento: por alguma razão que foge a meu entendimento, pequenos investidores tendem a esquecer do trabalho que tiveram para juntar o dinheiro que investem. O cara come o pão que o diabo amassou; engole famílias inteiras de batráquios de todos os tamanhos; aguenta chefe mala e junta uma graninha suada... e, na hora de investir, trata como se tivesse encontrado na rua. Trate seu dinheiro com a responsabilidade que ele merece, pelo amor de Deus.

***

Faço questão de deixar claro: eu já fui um desses - tanto como profissional, quanto como investidor. E, do alto da minha arrogância juvenil, também achei que era eu quem estava certo; que não havia ali nada a ser aprendido.

Errado. Errado. Errado. Só aprendi apanhando - e muito.

Teoricamente, existem duas maneiras de aprender isso: você pode me dar ouvidos ou levar suas próprias porradas.

(Digo teoricamente porque, cá entre nós, nunca soube de alguém que realmente tenha aprendido a lição de outra forma que não pela dor... mas vai que, né?)

Pense nisso.

E, para arrematar, uma história curta: havia acabado de conhecer o cara e, ao saber de sua trajetória no mercado financeiro, identifiquei que havia trabalhado em lugares onde eu conhecia algumas pessoas. "Ah, trabalhou no XPTO [deixa eu aproveitar para usar essa expressão enquanto o Benchimol não compra...]? Eu fui cliente do Silvio, anos atrás, quando trabalhava na XYZ..."

(Adendo: uma as das vantagens de ter rodado muito é conhecer gente de todo canto. Uma das desvantagens - a maior, provavelmente - é a constante necessidade de provar ao RH que isso não é evidência de que você é um troublemaker - o que, no meu caso, é um esforço em vão.)

Voltando ao assunto: além do Silvio, o cara havia trabalhado com o André. Com o André, eu não trabalhei: ele havia me entrevistado muitos anos atrás para uma posição de analista, que acabou não rolando. Por mais que isso faça parte da vida, confesso: aquela, em particular, nunca havia entendido bem. O papo havia sido realmente bom e o desfecho negativo me pegou de surpresa.

Quando contei o causo, o cara caiu na gargalhada. "Você fez uma redação lá, né?"

Vocês já notaram que escrever não é problema para mim. Sim, havia feito uma redação... e daí?

Naquela reputada instituição, todos os candidatos eram submetidos a um teste de caráter eliminatório: um "exame grafológico". Aparentemente minha caligrafia revelou que meu perfil psicológico não era compatível com o desejado para a instituição. Nada poderia ser feito a respeito - passar no exame era condição sine qua non para entrar lá.

Meu primeiro pensamento foi "que puta babaquice". Mas aí eu lembrei que o patrão, o Aloysio, nem tem mais onde colocar tanto dinheiro. Quem sou eu para dizer que está errado?

E convenhamos: a julgar pelo meu perfil psicológico, eu não tenho argumentos para contestar o resultado do teste.

E cuide-se: tem uma guerra lá fora.

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