Em recente declaração, o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto, reforçou que a isenção do Imposto de Renda para assalariados de até R$ 5 mil mensais, embora socialmente desejável, não se sustenta sem fonte compensatória - um alerta que ecoa não apenas em Brasília, mas também em capitais de todo o mundo onde, diante de ciclos eleitorais, governos ampliam benefícios sem ajustar receitas.
Nos Estados Unidos, por exemplo, as promessas de cortes de imposto de renda de Donald Trump serviram de motor a um déficit que ultrapassou 7% do PIB em 2024, provocando revisões de ratings por agências internacionais. Na zona do euro, a injeção de estímulos fiscais durante a pandemia elevou a dívida pública de 60% para 90% do PIB em menos de cinco anos, forçando a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a recomendar aumentos de impostos sobre renda e patrimônio para evitar um colapso de longo prazo.
O princípio é universal: todo “presente” concedido pelo governo precisa ter um “pagamento” garantido. Em Brasília, a discussão sobre compensar a renúncia de receitas via taxação de dividendos ou a criação de alíquotas extraordinárias para as faixas mais altas de renda reflete uma preocupação que também aflige economias desenvolvidas. No Reino Unido, por exemplo, o Imposto de Renda sobre ganhos de capital foi elevado em 28% após 2020 para preencher o buraco deixado pelos subsídios ao setor de saúde, consolidando um pacote que, sem isso, teria levado a agência Moody’s a rebaixar o rating do país.
Para além da questão das receitas, o momento exige rigor na gestão de gastos. Projetos de gigantescas obras de infraestrutura ou pacotes de programas sociais têm peso imediato no orçamento e geram passivos contingentes que podem se materializar apenas anos depois - seja por meio de reajustes automáticos, seja por pressões judiciais. Na Argentina, o alongamento dos prazos de pagamento das dívidas internas em 2022 provocou um surto inflacionário de 120% ao ano, pois o Tesouro não conseguiu honrar as promessas de recomposição de benefícios. Esse efeito dominó, ao corroer a confiança de investidores, obriga governos a pagar juros mais altos e compromete a execução futura de qualquer despesa.
Nesse cenário global, a proposta brasileira de compensar a isenção do IR por meio de maior tributação dos mais ricos é um caminho inteligente, mas precisa ser calibrado com “ousadia” e transparência. Não basta prometer taxar quem ganha acima de R$ 100 mil: é imperativo fechar lacunas legislativas que permitem elisão fiscal por grandes holdings, blindar a arrecadação contra manobras de postergação de lucros e reforçar a administração tributária com tecnologia de ponta, reduzindo a sonegação, que no Brasil equivale a cerca de 9% do PIB - patamar muito acima dos 3% observados na OCDE.
No âmbito internacional, investidores olham cada vez mais a qualidade das contas públicas como critério de alocação de capital. Fundos de pensão europeus, por exemplo, exigem clareza orçamentária e mecanismos de ajuste automático que elevem receitas ou cortem despesas caso o déficit ultrapasse determinados gatilhos. Sem esses compromissos, o acesso a linhas de crédito de longo prazo em condições competitivas fica comprometido, e as empresas brasileiras perdem espaço em financiamentos de grandes projetos de energia e infraestrutura.
Mas o quadro desafiador traz também oportunidades para quem se posiciona com antecedência. O fortalecimento de segmentos econômicos menos dependentes de incentivos fiscais, como a prestação de serviços digitais, a tecnologia de saúde e as exportadoras de commodities de alto valor agregado, ganha fôlego quando o governo valida receitas sustentáveis. Com uma reforma tributária bem‐feita - que reduza a tributação sobre consumo e eleve a sobre renda e patrimônio, mantendo a carga total estável -, o Brasil poderia atrair mais investimentos diretos estrangeiros em setores industriais que buscam estabilidade jurídica e fiscal, em vez de se apoiar em isenções temporárias.
Adicionalmente, o desenvolvimento de instrumentos financeiros atrelados à proteção fiscal, como títulos indexados a receitas específicas (por exemplo, fundos de investimento em folha de pagamento previdenciária ou em receitas advindas de royalties), permitiria ao investidor institucional investir diretamente no balanceamento orçamentário do país, criando um círculo virtuoso de financiamento de curto prazo em troca de retornos atrelados ao cumprimento de metas fiscais. Essa “inovação”, usada em parte na Califórnia durante a crise de 2008, ajudou a diluir o estresse nos cofres públicos e reduzir a volatilidade dos spreads de crédito.
A coordenação estreita entre política monetária e fiscal também é fundamental. Enquanto o Banco Central luta para manter a inflação dentro da meta, elevando juros, a Fazenda deve mostrar compromisso com a consolidação orçamentária, eliminando gastos ineficientes e aprimorando o desenho de benefícios sociais. Essa sinergia evita que o custo do dinheiro - hoje a 14,75% ao ano - reflita apenas o risco fiscal, e não choques de demanda genuínos.
Por fim, a sociedade brasileira precisa amadurecer o debate sobre sacrifícios coletivos e retorno social. Um pacto de responsabilidade fiscal não é mero esvaziamento do Estado de bem-estar, mas busca redesenhar o equilíbrio entre o que se pode oferecer e o que se pode financiar com segurança. A imprensa, o empresariado e a academia têm papel decisivo no monitoramento desse processo, cobrando transparência e resultados mensuráveis.
Em um mundo onde as cicatrizes de políticas fiscais mal calibradas geram crises que atravessam gerações, o Brasil tem diante de si a chance de escrever um novo capítulo: o dos ajustes responsáveis, capazes de sustentar isenções sociais e, ao mesmo tempo, atrair capitais e manter a confiança internacional. Quem se adiantar, investindo em setores cuja viabilidade independe de “benesses” temporárias e apoiando iniciativas de governança robusta, sairá à frente - enquanto o país constrói as bases para unificar justiça social e solidez fiscal em um único projeto de nação – um nacionalismo utópico. Sei bem, disso...