Você já deve ter ouvido falar da Light (BVMF:LIGT3), uma das principais empresas geradoras e distribuidoras de energia do estado do Rio de Janeiro. Presente na vida de milhões de pessoas, ela é responsável por levar eletricidade a uma região que vai muito além das praias famosas e das paisagens cariocas.
O resultado financeiro do último trimestre, divulgado essa semana pela empresa, trouxe boas notícias: reportou lucro líquido de R$419 milhões entre janeiro e março, revertendo o prejuízo de R$357 milhões registrado no mesmo período do ano passado. Porém, apesar desse resultado positivo, o problema que pesa no caixa da empresa continua exatamente onde sempre esteve: nos fios.
Mais precisamente, nos que ninguém paga para usar.
O nome técnico é bonito: “perdas não técnicas”. Mas o significado é feio. Trata-se, basicamente, de furto de energia. O famoso “gato”. E os números continuam dignos de filme de terror: foram 7.573 GWh de energia desperdiçada nos últimos 12 meses encerrados em março, o que representa 70,7% de perda no mercado de baixa tensão — quase o dobro da meta regulatória estipulada pela Aneel (39,16%).
Setenta vírgula sete por cento. A cada R$ 10 de energia que a Light fornece nas regiões mais sensíveis da sua área de concessão, ela só consegue cobrar R$ 2,93.
E por que isso é tão grave? Porque a conta não fecha. Nem para a empresa, nem para o consumidor.
O foco do problema está nas chamadas ASROs — Áreas com Severas Restrições à Operação —, uma sigla que a própria companhia criou para nomear locais onde milícias, facções criminosas e ausência do Estado impedem que a Light sequer entre para fazer leitura de medidor ou manutenção. Um levantamento feito em 2017 já identificava 642 comunidades classificadas como ASRO, dentro das 1.340 favelas na área de concessão da empresa.
O resultado é um rombo constante. Mesmo quando a Light lucra, o número de furtos aumenta. Só neste último ano, as perdas não técnicas cresceram em relação ao período anterior.
E quem paga essa conta? Você.
Um estudo da FGV já havia mostrado que cerca de 10% do valor das contas de luz no Rio serve para cobrir os prejuízos da Light com os gatos. E aqui não entra juízo de valor moral, social ou econômico. Apenas o dado duro: o custo do crime recai sobre o consumidor regular.
A Light até tenta reagir. Criou programas para atuação regional, reforçou as equipes, implantou tecnologias de monitoramento. Mas há um limite para qualquer ação empresarial quando o problema é institucional, estrutural e, em última instância, político.
A empresa continua de pé, gerando caixa, tentando se reerguer. Mas enquanto os fios continuarem sendo puxados na surdina e o Estado seguir ausente onde mais importa, o lucro é só manchete de curto prazo.
Porque o verdadeiro buraco ainda está energizado. E ninguém quer desarmar o quadro.